Sem-Terra

Desemprego faz aumentar procura pelo MST e número de famílias acampadas no RS

Falta de novos assentamentos e paralisia das políticas de reforma agrária compõem eixo central de luta do movimento

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Integrantes do MST ocuparam pátio do Ministério da Fazenda e do Incra em Porto Alegre, em protesto contra paralisia da reforma agrária
Integrantes do MST ocuparam pátio do Ministério da Fazenda e do Incra em Porto Alegre, em protesto contra paralisia da reforma agrária - Guilherme Santos/Sul21

A crise econômica e o crescimento do desemprego trouxe de volta uma cena que havia diminuído sensivelmente nos últimos anos no Rio Grande do Sul e em quase todo o país: os acampamentos de sem terra na beira das estradas. Segundo estimativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), há mais de 120 mil famílias acampadas hoje no Brasil sem nenhuma perspectiva de assentamento. No Rio Grande do Sul, o MST calcula que há mais de duas mil famílias acampadas na beira de estradas em várias regiões do Estado. “Por conta da crise, aumentou o número de acampados. Há três anos, tínhamos apenas umas cem famílias acampadas aqui no Rio Grande do Sul. Com a crise econômica, aumentou o número de famílias procurando o MST para ir acampar”, afirma Ildo Pereira, integrante da direção nacional do movimento.

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O aumento dos acampamentos, a falta de novos assentamentos e a paralisia das políticas de reforma agrária compõem o eixo central da pauta da Jornada Nacional de Lutas pela reforma agrária, também conhecida como Abril Vermelho, que o MST iniciou nesta segunda-feira (17) em todo o país. Em Porto Alegre, cerca de 2 mil trabalhadores rurais sem terra, entre acampados e assentados na reforma agrária, ocuparam no início da manhã os pátios do Instituto Nacional de Colonização e reforma agrária (Incra) e do Ministério da Fazenda. Ainda segundo o MST, a desocupação dos pátios ocorrerá somente após o atendimento de ao menos uma parte da pauta de reivindicações do movimento.

Ildo Pereira: “Boa parte das pessoas que estão procurando nossos acampamentos são fruto da crise”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

“Muitas pessoas procuram retornar às suas origens”

Assentado em Hulha Negra, Ildo Pereira relata que trabalhadores desempregados que vivem hoje na periferia das cidades, mas tem origem no meio rural, vem procurando o MST em busca de alternativas para suas famílias. “Com o retrocesso que estamos vendo no país, muitas pessoas procuram retornar às suas origens. Boa parte dessas pessoas que estão procurando nossos acampamentos são fruto dessa crise”, observa.

A paralisia do programa de reforma agrária e a interrupção das políticas nesta área vêm causando sérios problema de infraestrutura para os assentamentos, denuncia ainda o MST. Os assentados reivindicam a construção de moradias, a abertura de estradas para escoamento da produção e circulação do transporte escolar, bem como a implantação de redes de água. “Temos R$ 38 milhões do Ministério da Integração Nacional, mais R$ 2 milhões do governo Tarso Genro para investir nas redes de abastecimento de água e até hoje temos obras completamente paradas. Com as chuvas que tivemos nos últimos dias aqui no Estado a produção não trafega mais e os nossos estudantes não conseguem ir para as escolas”, diz Ildo Pereira.

A Jornada Nacional de Lutas pela reforma agrária protesta também contra a Medida Provisória 759, do governo de Michel Temer (PMDB), que altera a legislação fundiária e os procedimentos para a efetivação da reforma agrária. Para o MST, a MP 759, na prática, resulta na privatização dos lotes e na paralisia da reforma agrária, com municipalização do processo de desconcentração fundiária, atribuindo aos municípios a função de vistoria, desapropriação de terra e definição de assentados. “Nós não somos contra a titulação. Queremos uma titulação que seja uma concessão que eu possa passar, por exemplo, para o meu filho ou a minha esposa. O governo federal quer estimular a venda da terra e nós sabemos que, quem vai comprar as terras, não serão assentados, mas sim o agronegócio”, adverte o dirigente do movimento.

Everton Scherner está vivendo em acampamentos no RS desde 2005. Atualmente, está acampado em Passo Fundo. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

O relato de um jovem acampado desde 2005

Acampado desde 2005 no Rio Grande do Sul, Everton Scherner destaca que, após um período de grande decréscimo no número de acampamentos, eles voltaram a se espalhar pelo Estado nos últimos meses. “No dia-a-dia temos sido procurados por novas famílias, principalmente aquelas que já foram da agricultura e que agora estão sem emprego nas cidades. Elas pretendem retornar para a agricultura, mas não têm condições de adquirir terras”, conta o jovem agricultor que atualmente está acampado em Passo Fundo.

“Ocupamos uma área de um advogado que lesou milhares de pessoas e com isso adquiriu muitas propriedades. Cerca de 60 famílias ocuparam uma dessas áreas, que possui em torno de 350 hectares, e estão produzindo alimentos para a sua própria subsistência. O principal problema que estamos vivendo hoje é o desinteresse dos governantes em acelerar o processo de reforma agrária”, diz Everton Scherner.

Programas paralisados pelo TCU

Além da paralisia do programa nacional de reforma agrária, os assentados também enfrentam um bloqueio do acesso a políticas públicas por conta de supostas irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). “Esse bloqueio, na verdade, é uma perseguição. Muitas famílias estão com o seu nome trancado por motivos que não se justificam. Toda nossa vida fica bloqueada. Não conseguimos tirar bloco de produtor, nem financiamentos, o que paralisa o desenvolvimento dos assentamentos”, aponta Roberta Coimbra, assentada em Piratini há 16 anos e dirigente estadual do setor de gênero do MST no Rio Grande do Sul. Ela teve seu nome trancado pelo TCU por, supostamente, ter dupla moradia.

Roberta Coimbra: “O TCU disse que eu tinha dupla moradia. Estou assentada há 16 anos em Piratini e nunca morei em outro lugar desde então”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

“Fui atrás do que era essa dupla moradia, pois estou assentada há 16 anos em Piratini e nunca morei em outro lugar desde então. Descobri que, quando eu tinha 16 anos de idade fiz meu CPF aqui no Chocolatão – eu morava na vila aqui em Gravataí. Quando fui assentada em Piratini eu refiz um cadastro do meu CPF lá e aí aparecem dois endereços na Receita Federal. Por isso, estou com o nome e a vida trancada há quase um ano no TCU sem poder acessar bloco de produtor novo, mesmo já tendo apresentado justificativa, como todos fizeram. Está tudo parado lá em Brasília e não temos qualquer retorno. Estamos aqui também exigindo o desbloqueio do nome de todos aqueles que apresentaram justificativa sobre os supostos indícios de irregularidades”.

Muitas das famílias que acabaram nesta lista, conta ainda Roberta, acessaram o programa Mais Alimentos, do governo federal, para aquisição de veículos para fazer feiras e agilizar a comercialização dos produtos. “O TCU identificou todos aqueles que adquiriram veículos por meio desse programa como suspeitos de enriquecimento indevido e determinou que informassem de onde veio o dinheiro. Veio do próprio programa do governo federal. O pessoal apresentou a justificativa, mas não teve nenhum retorno”. Ela também confirma o aumento do interesse de trabalhadores que estão vivendo em cidades em participar de acampamentos do MST:

“Muitas famílias, especialmente das periferias, estão nos procurando. O desemprego, o preço da alimentação, da luz, da água e dos aluguéis estão inviabilizando a vida das famílias mais pobres. As pessoas estão olhando para o seu futuro e vendo que não tem vez. O que a terra traz de diferente é que pelo menos lá a gente não passa fome. Além disso, tem onde morar e criar os filhos. Por isso essas famílias estão procurando o Movimento Sem Terra que é uma chance de ter um espaço para ter um trabalho, se alimentar minimamente e tocar a vida”.

Edição: Sul21