Violência no campo

Massacre em assentamento deixa pelo menos oito mortos no interior do Mato Grosso

Secretaria de Segurança Pública confirmou mortes; informações iniciais falaram em dez vítimas fatais

Brasil de Fato | Belém (PA) |
Local do massacre dificulta acesso: são 18 quilômetros por terra e 15 minutos de barco
Local do massacre dificulta acesso: são 18 quilômetros por terra e 15 minutos de barco - Divulgação Secretária de Segurança do MT

A Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso (Sesp) confirmou, nesta sexta-feira (21), a morte de oito moradores do assentamento Taquaruçu do Norte, localizado próximo ao Distrito de Guariba, em Colniza, no Mato Grosso, distante 1.065 quilômetros da capital Cuiabá. As informações foram enviadas à Sesp por um grupo composto por policias militares e civis que se deslocaram até o local onde ocorreu o massacre.

Imagem: Site Carta Capital

De acordo com a assessoria de comunicação da Sesp, o assentamento fica próximo à divisa do estado de Rondônia, em uma região de difícil acesso de transporte e de comunicação. Por isso, ainda não há confirmação do número exato de vítimas assassinadas.

As informações preliminares enviadas à Secretaria, segundo nota publicada no site, é que encapuzados invadiram o terreno e assassinaram um grupo de pessoas. Os relatos que chegaram até a polícia de Colniza e mais tarde confirmados pela Sesp, afirmam que todas as vítimas são homens adultos.

Ainda segundo a assessoria, o grupo de policias militares e civis conseguiu chegar ao município de Guariba na noite desta quinta (20) e, após falar com parentes das vítimas, confirmou a morte de cinco adultos. Já na sexta (21), a confirmação de mais três mortes totalizou oito  assassinados.

Policiais relataram que estão enfrentam dificuldade de acesso ao local e no transporte dos corpos. Para chegar ao local onde ocorreu o massacre são necessários mais 18 quilômetros por terra e 15 minutos de barco.

Os assassinatos de Taquaruçu do Norte ocorrem na semana em que é lembrado o massacre de Eldorado dos Carajás, quando morreram 21 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Pará, em 17 de abril de 1996.

Solidariedade

Em nota sobre a tragédia, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)  relembrou a morte há dois anos de Josias Paulino de Castro e Irani da Silva Castro – dirigentes camponeses do município, assassinados dois dias após denunciarem ameaças para o ouvidor nacional do INCRA. "Mato Grosso chora por saber que há outras mortes anunciadas, e que nada está sendo encaminhado no sentido de impedir essas novas tragédias", traz texto.

A Prelazia de São Félix do Araguaia, em reunião com seus agentes de pastoral, o bispo dom Adriano Ciocca Vasino e o bispo emérito dom Pedro Casaldáliga, na cidade de São Félix do Araguaia - MT, também manifestou indignação e solidariedade com as famílias assassinadas na Gleba Taquaruçu. " O massacre acontece num momento histórico de usurpação do poder político através de um golpe institucional, com avanços tão graves na perda de direitos fundamentais para o povo brasileiro que coloca o governo do atual presidente Temer numa posição de guerra contra os pobres", afirma.

Leia notas abaixo.

Nota MST

Pra dividir a terra tanto sangue derramado/ Na luta por um pedaço de chão


A tragédia anunciada e concretizada na manhã do dia 20 de abril, em Colniza interior de Mato Grosso, não é um fato isolado, os dados têm mostrado a região onde o município se localiza como um dos mais violento do Estado de Mato Grosso, que é um dos estados mais violento do Brasil. Como já demonstra o Cadernos de Conflito no Campo, lançado pela CPT no dia 17 de abril de 2017.

Essa onda de violência integra um avanço do modelo capitalista sobre os direitos dos trabalhadores/as, sobre a apropriação dos recursos naturais, terra, minerais, água e etc.. Avanço este potencializado pelo golpe que o Brasil esta vivendo, e por projetos de lei como a PEC 215 que dispõem sobre terras indígenas e quilombolas, a MP759 que dispõem sobre a reforma agrária e a PL 4059 sobre a compra de terras por estrangeiros, além de outra gama de projetos de lei e medidas provisória que não são criados no sentido de resolver os problemas do campo, mas de aumentar a concentração fundiária.

Essa concentração que leva ao extermínio da biodiversidade, dos recursos naturais e das pessoas nas chamadas áreas de fronteiras.

Colniza hoje chora a morte e o desaparecimento dessas pessoas abandonadas pelo Estado, como a dois anos choraram a morte de Josias Paulino de Castro e Irani da Silva Castro – dirigentes camponeses do município, assassinados dois dias após denunciar ameaças para o ouvidor nacional do INCRA. Mato Grosso chora por saber que há outras mortes anunciadas, e que nada esta sendo encaminhado no sentido de impedir essas novas tragédias, o Brasil chora pela repetição desses ocorridos, que marcam o mês de abril. Tragédias como El Dourado dos Carajás que dia 17 completou 21 anos de impunidade, e que deixa a sensação de que trabalhadores podem ser assassinados que nada acontecerá aos mandantes. Assim como tantas outras mortes, não divulgadas.

Não podemos nos calar diante de tão grande dor, que nossa indignação alcance os responsáveis diretos e indiretos por este massacre, e que este não seja mais um caso de impunidade e que o estado não seja novamente conivente com os assassinos.

A cada companheiro tombado, nenhum minuto de silencio, mas toda uma vida de luta.

 

Nota Prelazia de São Félix do Araguaia

Em Mato Grosso o campo jorra sangue

A Prelazia de São Félix do Araguaia, em reunião com suas/seus agentes de pastoral, seu bispo dom Adriano Ciocca Vasino e o bispo emérito dom Pedro Casaldáliga, na cidade de São Félix do Araguaia - MT, manifesta sua dor, indignação e solidariedade com as famílias assassinadas na Gleba Taquaruçu, município de Colniza – MT, no dia 20 de abril.

Este massacre acontece num momento histórico de usurpação do poder político através de um golpe institucional, com avanços tão graves na perda de direitos fundamentais para o povo brasileiro que coloca o governo do atual presidente Temer numa posição de guerra contra os pobres, isso refletido de forma concreta nos projetos, como as Medidas Provisórias 215 e 759, que violam direitos dos povos do campo e comunidades tradicionais, como também no acirramento do cenário de violações contra as/os defensores de direitos humanos. Diversos políticos expõem abertamente seus discursos de ódio e incitação à violência contra as comunidades que lutam pelos seus direitos. Vivemos um clima de “Terra sem lei”, uma verdadeira guerra civil em nosso país.

Como consequência, o ano de 2016 foi o mais violento dos últimos 13 anos, apontando para uma perspectiva desoladora no campo. E esta situação de Colniza, onde assassinaram inclusive crianças, nos expõe diante dos objetivos de ruralistas que não temem nada para conseguir as terras que buscam.

As famílias de agricultores da Gleba Taquaruçu vêm sofrendo violência desde o ano de 2004. Neste período, em decisão judicial, a Cooperativa Agrícola Mista de Produção Roosevelt ganha reintegração de posse concedida pelo juiz de Direito da Comarca de Colniza, como anunciada na Nota da Comissão Pastoral da Terra, de 20 de abril deste ano. Em 2007, ao menos 10 trabalhadores foram vítimas de tortura e cárcere privado e, neste mesmo ano, três agricultores foram assassinados.

Como estão, neste momento, as famílias que vivem em Colniza? O município já foi considerado o mais violento do país. Sabemos que na região existem outros conflitos de extrema gravidade, como o da fazenda Magali, desde o ano 2000, e o conflito na Gleba Terra Roxa, desde o ano de 2004. A população teme que outros massacres possam acontecer.

Clamamos justiça e que os autores desses crimes sejam processados e punidos. A conseqüente impunidade no campo, fruto da omissão dos órgãos públicos, perpetua a violência.

Na semana em que lamentamos o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1997, que vitimou 19 lutadoras e lutadores do povo, somos surpreendidos por outro massacre no campo, que quer amedrontar, calar as vozes e submeter a dignidade do povo brasileiro.

Temos a certeza que o massacre ocorrido jamais roubará os sonhos e as esperanças do povo.  E jamais calará a voz das comunidades que lutam. 

O sangue dos mártires será sempre semente de JUSTIÇA e VIDA!
São Félix do Araguaia, 21 de abril de 2017.

 

 

Edição: Vanessa Martina Silva