Crítica de mídia

Artigo | Retomada do "velho" jornalismo ou um pouco mais do mesmo na 'gaveta'

Na edição de cobertura da greve geral, a Gazeta do Povo indica um retorno ao velho modelo de jornal

Brasil de Fato | Ponta Grossa (PR) |
Trabalhadores denunciam sonegação fiscal e questionam a responsabilidade dos grandes empresários no "rombo" da Previdência
Trabalhadores denunciam sonegação fiscal e questionam a responsabilidade dos grandes empresários no "rombo" da Previdência - Gibran Mendes

Um recente estudo do jornalista Diego Antonelli, apresentado como dissertação de Mestrado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mostra que, em três diferentes momentos da história, a Gazeta do Povo se prestou a um papel de defesa das vontades e interesses de grupos/famílias proprietárias de terras no Estado. O veículo atuou em claro e direto ataque aos trabalhadores que lutaram (e lutam) pelo direito à terra para trabalhar.

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Regra geral e com pequenas variações, a cobertura editorial da Guerrilha de Porecatu (1951), do Levante dos Posseiros (1957) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST, 1998) foi pautada por um alinhamento na defesa do latifúndio. Tais movimentos sociais ficaram marcados como 'fora de ordem' e em confronto com a legislação, como se o problema fosse, habitualmente, dos próprios miseráveis, pobres e migrantes que lutam pela sobrevivência. Ao latifúndio, as garantias da lei. Aos 'desordeiros' a força da ordem, defendida pela "liberdade" editorial.

Ao ler a Gazeta do Povo deste fim de semana (29 e 30 de abril) pode-se imaginar que, daqui alguns anos ou décadas, quando alguém tentar compreender o que foi a greve geral de 28 de abril de 2017, pela ótica do referido periódico, pode ter a mesma constatação do estudo de Antonelli: segue o enterro... dos pobres, enquanto a oligarquia político-familiar se mantém quase intocável, graças também ao "indiscreto" apoio editorial do até agora diário regional.

Depois de uma espécie de ensaio pretensamente filosófico para justificar o tal "poder da razão e do diálogo" (na página 8), o texto que "analisa" a greve geral (publicado nas páginas 12 e 13) nada deixa a desejar aos panfletos adjetivados que defendiam o então deputado/governador (‘velho’ Lupion) e acionista da mesma Gazeta nos anos 1950 e que, por ironia, atacava os movimentos sociais da época.

Como se vê, se manter o rumo proposto, de agir como pretenso defensor da velha (des)ordem da desigualdade social no estado, talvez não tenha muito o que disputar em termos de produção jornalística, a não ser tentar manter os tais "leitores" que parecem acreditar na oferta de ensaio em defesa da propriedade privada e, inclusive, na apropriação indevida do dinheiro público - uma vez que a cobertura da greve, por exemplo, não consegue esclarecer que o desmonte da Previdência Social deve-se à má gestão, governos que beneficiam sonegadores, não repassam o que deveriam à seguridade (que inclui assistência, saúde e previdência, conforme determina a Constituição Federal de 1988). Mas, a cobertura da Gazeta do Povo consegue ver nos trabalhadores o "problema" do direito à aposentadoria.

Bem-vindos, de novo, ao (velho) jornalismo dos anos 1920/50. Esta poderia ser a linha de apoio da chamada de capa da edição ("ideias que norteiam sua visão de mundo"). O resto é lenda, conversa fiada ou talvez apelo aos eventuais desinformados!

* Sérgio Gadini é jornalista e professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Edição: Ednubia Ghisi