Desigualdade

Marabá tem o pior índice de desenvolvimento humano para as mulheres no Brasil

Levantamento feito pelo Ipea confirma que mulheres, negros e camponeses seguem como os grupos mais vulneráveis no país

Belém (PA) |
Marabá
Marabá - Julia Dolce

Carla Moraes, tem 20 anos e assim como muitas mulheres, não tem acesso aos serviços públicos de saúde e luta diariamente para não ser vítima da violência. Se desdobra para conseguir terminar o curso na universidade e mora em Marabá, cidade que apresentou os piores índices em longevidade, educação e renda para as mulheres no Brasil, segundo aponta o relatório Desenvolvimento Humano para Além das Médias, apresentado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) na última quarta-feira (10).

De acordo com o documento, Marabá apresenta o menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) para as mulheres entre as cidades brasileiras, com 0,657. Florianópolis (SC) apresentou melhor resultado com 0,862. O IDHM dos homens em Marabá também é preocupante, 0,671 segundo o relatório.

A estudante de ciências sociais se autodeclara mulher negra e sente na pele as desigualdades sociais que enfrenta na cidade de Marabá. Ela mora em um bairro periférico com os pais e três irmãos e um dos problemas apontados por ela é a precariedade da saúde pública na cidade.

“A saúde é outra questão que não funciona, eu, por exemplo, tenho um problema, microcistos no ovário, mas eu nunca consigo ser atendida nos postos de saúde. Já até desisti, assim como várias outras mulheres que vão várias vezes nos postos de saúde e não conseguem atendimento, porque é extremamente precário, é insuficiente para a quantidade da população”, afirma.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o IDHM é uma medida que varia entre 0 e 1, quanto mais próximo do número 1, maior é o desenvolvimento humano. Os indicadores que compõem o cálculo para a medida do IDHM são: longevidade, educação e renda

Disparidades

Produzido em parceria com a Fundação João Pinheiro, Ipea e o PNUD, as organizações consolidaram, em um documento, o IDHM e outros 170 dados socioeconômicos de acordo com sexo, cor e situação de domicílio. O levantamento foi realizado a partir dos dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000 e 2010.

Fizeram parte do levantamento as 27 Unidades da Federação, 20 Regiões Metropolitanas e 111 municípios do país e segundo aponta o relatório as disparidades sociais entre mulheres e homens, negros e brancos e residentes da área urbana e rural ainda persistem.

“De todo modo, o que se observa a partir dos resultados alcançados é que tanto no caso do IDHM, quanto dos subíndices de Longevidade, Educação e Renda, e para todas as localidades analisadas, os dados desagregados confirmam as disparidades sociais existentes entre os grupos e evidenciam melhores resultados para brancos, homens e população urbana”.

Rose Bezerra, agente da Comissão Pastoral da Terra, informa que o resultado apresentado pelo Ipea sobre o IDHM das mulheres “não é um dado que surpreende” e diz que a cidade já apareceu em outros levantamentos como o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon, que apontou como uma das piores cidades do Brasil para se envelhecer.

Ela destaca que a situação das mulheres camponesas na região ainda é mais agravante. As regiões sul e sudeste no Pará são localidades que mais apresentam assentamentos rurais, contudo, o direito à terra não garante o acesso a outras políticas públicas como saúde, educação e assistência técnica.

“As mulheres, especificamente as camponesas, além de enfrentar esse cenário de precarização de acesso aos serviços públicos, de políticas públicas que promovam uma vida com mais dignidade, elas enfrentam ainda esse cenário de violência e de conflitos fundiários, o que agrava ainda mais essa situação. Mulheres e crianças que vivem nesse contexto de conflitos fundiários acabam tendo suas vidas muito mais afetadas não só pelo não acesso a essas políticas como também de ações diretas de violência”, argumenta.

Marabá figura como um dos municípios paraenses que mais recebe royalties da exploração mineral, chamado de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), e que deve ser aplicado em projetos para a melhoria da qualidade de vida da população. Contudo, o IDHM das mulheres em educação de Marabá apresentou um índice de 0,597, números que não acompanham as cifras das commodities minerais.

Outras cidades como Ribeirão das Neves (MG) e Belford Roxo (RJ), estão em segundo lugar no ranking de piores índices para as mulheres, ambas apresentam IDHM feminino de 0,673. Em terceiro lugar aparecem as cidades de Caruaru (PE) e Camaçari (BA), com índice de 0,676 em desenvolvimento humano.

Homens e mulheres

Em dados gerais, no que tange a diferença entre os sexos, o levantamento destaca que mesmo estudando mais, as mulheres continuam ganhando menos que os homens. O estudo apontou que em 2010 o faturamento médio feminino era de R$1.059,30, o que correspondia a um valor inferior a 28% comparado a renda dos homens que recebiam R$1.470,73.

Em Santa Catarina foi encontrada a maior diferença na renda média do trabalho entre homens e mulheres. Enquanto elas ganhavam em média R$1.079,82, os homens recebiam R$1.655,74, um valor 34,84% superior ao salário delas.

Quando comparado os valores sobre educação, elas seguem com melhor desempenho. 56,7% das mulheres com mais de 18 anos concluíram o ensino fundamental completo, contra 53% dos homens. Elas também apresentam maior adequação idade-série, 0,730 perante 0,657 dos homens.

A longevidade é outro indicador em que as mulheres apresentam melhores números. Em média, elas vivem 77,3 anos, isto é 7,5 anos a mais que os homens, que vivem em média 69,8 anos.

Rural e urbano

O relatório ainda expõe as desigualdades sociais entre as populações urbanas e rurais. Um dos fatores apontados é a renda per capita média da população urbana, que recebe ganhos médios em torno de R$882,6, um valor três vezes maior do que ganha a população do campo, que recebe em média R$312,7.

As maiores diferenças percentuais entre o IDHM da população urbana e rural em 2010 foram registradas no Amazonas, com um índice urbano de 47,5% superior ao IDHM rural, seguido do Acre (40,3%) e Roraima (37%).

A renda entre as populações que moram na área urbana e rural revelam o abismo social e, novamente, o Amazonas se destaca entre estados. A renda da população rural era 4,5 vezes menor que a renda média urbana, R$141,8 e R$644,5, respectivamente.

Na educação, apenas 22% da população rural com mais de 18 anos conseguiram concluir o Ensino Fundamental. Quando voltado para a população urbana, esse número salta para 62% de pessoas com 18 anos ou mais de idade que alcançaram o mesmo nível de estudo. Sobre a estimativa de vida, a população urbana vivia três anos a mais que a população rural em 2010, em média 74,5 anos contra 71,5.

Brancos e negros

Ainda segundo o levantamento apresentado pelo Ipea, as disparidades entre o IDHM entre a população branca e negra foi reduzida pela metade durante o intervalo de tempo de 2000 a 2010. Em 2000, a população negra registrava um índice de 0,530, o que significava 27% de IDHM inferior ao da população branca, que apresentava um índice de desenvolvimento humano de 0,675.

Roraima foi o único estado que teve um aumento da desigualdade do IDHM entre negros e brancos: 0,033, de 2000 a 2010. Espírito Santo e no Mato Grosso do Sul apresentaram elevada redução na diferença do IDHM, com 0,042 no índice no período.

Edição: Vanessa Martina Silva