Não é o que parece

Artigo | A Lava Jato continua seletiva e tendenciosa

Para o historiador Guilherme Scalzilli, há motivos para o Judiciário só ter atingido as figuras de Temer e Aécio agora

|
Aécio Neves (PSDB), afastado do cargo de Senador, e o presidente golpista, Michel Temer (PMDB)
Aécio Neves (PSDB), afastado do cargo de Senador, e o presidente golpista, Michel Temer (PMDB) - Valter Campanato/Agência Brasil

O esquisito imbróglio jurídico-midiático envolvendo Aécio Neves e Michel Temer suscitou declarações aliviadas em torno do suposto caráter apartidário da Cruzada Anticorrupção. Bobagem da grossa. E é curioso verificar o recurso a ela quando o viés tendencioso (para não dizer conspiratório) do aparato judicial se faz tão presente.

Um simples passeio pelas páginas sociais dos membros da Lava Jato bastaria para dirimir qualquer dúvida quanto à isenção de suas autoridades bravateiras. O uso de ferramentas de promoção ideológica revela o conceito que têm de suas responsabilidades e o tipo de ética profissional que adotam.

Mas poderíamos citar outras evidências. O recorte cronológico de Sérgio Moro na apuração do escândalo da Petrobras, livrando FHC. A manipulação dos depoimentos, impedindo-os de chegar a tucanos graúdos. A exclusão de uma testemunha-chave na petição contra Geraldo Alckmin. O número irrisório de políticos do PSDB indiciados pelo STF. O incrível desprezo pelas suspeitas envolvendo José Serra.

Até Aécio Neves vinha desfrutando tal maleabilidade. Ele teve processo anulado no STF por prescrição. Moro ignorou seu envolvimento em pelo menos uma delação da Lava Jato. A PF livrou-o do caso do helicóptero com meia tonelada de cocaína. E o mineiro não foi preso, como Delcídio Amaral e alguns outros.

Também salta aos olhos a diferença de rigor nos inquéritos envolvendo petistas e tucanos. Enquanto os artífices do golpe desfrutam de afagos garantistas, apesar dos flagrantes incontornáveis, Lula é tratado como bandido, levado à força para depor, responsabilizado pela própria falta de provas contra si. E é sempre bom lembrar que José Dirceu passou anos na cadeia por “domínio do fato”.

Poderíamos atentar ainda para o curioso timing dos vazamentos incriminadores. Note que eles jamais são contextualizados, como se aparecessem num encadeamento natural das coisas. Investigando um pouco, entretanto, descobrimos que os de Aécio e Temer estavam disponíveis há meses. Por que não apareceram antes? Ou depois?

Resposta simples: o Judiciário só atingiu-os agora porque precisa de um factoide para aliviar a suspeita generalizada contra a iminente condenação de Lula. Desde o início, alertamos que Aécio, Temer e Eduardo Cunha seriam bodes expiatórios do objetivo maior da Lava Jato.

A destruição de Aécio e Temer interessa tanto ao PSDB que talvez tenha mesmo sido engendrada nas catacumbas tucanas – o que explicaria, aliás, o apoio unânime da imprensa. O partido livra-se de um quadro inviável eleitoralmente, desmoralizado, indócil, e ganha a chance de evitar o contágio do governante mais impopular da História.

À parte escancarar o que todos já sabiam, o Judiciário apoiou um golpe mercenário, queimou os arquivos humanos que o engendraram, preservou o projeto de poder do tucanato paulista e busca aniquilar a candidatura adversária, favorita para as eleições de 2018. Ninguém chama isso de imparcialidade sem algum grau de cinismo.

 

(*) Guilherme Scalzilli é historiador, escritor e mestre em Divulgação Científica e Cultural.

Edição: Próprio autor