O relatório do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) sobre a reforma trabalhista (PLC 38/2017) acabou de ser aprovado na início da noite desta terça-feira (6) pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Foram 14 votos a favor e 11 contra. Em seu parecer, Ferraço não fez nenhuma mudança no texto recebido da Câmara, depois de duas sessões marcadas por intensos embates entre governo e oposição. A estratégia do governo para conseguir votos e aprovar a reforma é vetar pontos considerados mais polêmicos, mas a manobra não é aceita nem pela oposição e nem por especialistas da área.
Para Carlos D’Incao, 42 anos, historiador e empresário, especialista em mercado financeiro internacional, a reforma trabalhista contém uma contundente lógica de submissão aos interesses das grandes empresas e do capital estrangeiro. Ele critica o fato de o governo sinalizar com possíveis mudanças no texto e diz que a reforma causa uma enorme insegurança jurídica. “Enquanto um verdadeiro golpe está em curso, os tucanos (junto com Temer) sinalizam manter alguns direitos como "o horário do almoço de 1 hora" e o imposto sindical”, afirmou.
Brasil de Fato: Você elencou na reforma trabalhista 120 ataques aos direitos dos trabalhadores. É possível apontar quais são os maiores absurdos no projeto?
Carlos D’Incao: Diferentemente daquilo que a grande imprensa está divulgando, essa não é uma simples reforma, mas uma profunda alteração das relações de produção que vão alterar toda a estrutura de funcionamento do Judiciário e das empresas. Tudo isso em benefício único do capital. Há uma contundente lógica de submissão aos interesses das grandes empresas e do estrangeiro. Destacaria as novas formas de organização empresarial. O que se planeja é o início de uma nova era de fraudes tributárias que atingem a Previdência, a seguridade social e o trabalho.
O governo está prometendo vetar pontos e editar medida provisória. Você acha que isso pode melhorar o texto?
As águas profundas da reforma não estão sendo postas à luz do dia. Eu afirmo categoricamente que, de forma maliciosa, o atual governo sinaliza recuar em questões pontuais para aprovar, na surdina, uma nova estrutura produtiva para o país. Para os grandes empresários o valor da força de trabalho é uma variável que pode ser trabalhada ao longo do tempo.
O que interessa de fato a eles é uma nova estrutura empresarial que estabeleça a legalização do "vale tudo", e que permitirá manobras contábeis e jurídicas para declinar de grande parte da carga tributária hoje existente. É isso o que o grande capital almeja. Em uma só tacada essa reforma trabalhista maximiza os lucros das grandes empresas e condena o sistema previdenciário e toda a seguridade social que serão, a partir dessa reforma, necessariamente privatizada. Enquanto um verdadeiro golpe está em curso, os tucanos (junto com Michel Temer) sinalizam manter alguns direitos como "o horário do almoço de 1 hora" e o imposto sindical.
Pela reforma, estão previstas mudanças que podem sufocar o direito do trabalhador de recorrer à Justiça, inclusive com o fim da prerrogativa da jurisprudência. Qual a extensão dessas medidas?
Essas medidas possuem um carácter revogatório, isto é, se aplicará inclusive a processos que estão em andamento. Tudo nessa reforma vai na direção de tornar o processo mais moroso, em detrimento ao trabalhador. Com o fim da prerrogativa da Jurisprudência, além de se abrir uma nova era de insegurança jurídica para o trabalhador, encerra-se também um mecanismo que antes dava celeridade aos processos. Não por acaso, essa reforma trabalhista é chamada por muitos de "reforma empresarial".
Outro ponto muito criticado é a chamada prevalência do negociado sobre o legislado. Na prática, o que pode acontecer com o trabalhador?
Esse ponto é uma gigantesca anomalia porque o texto é claro quando abre inúmeras possibilidades de se negociar inclusive aspectos garantidos na Constituição. Logo, na prática, o próprio Direito Constitucional estará sendo lesado com essa reforma. No fim, tudo estará nas mãos das grandes empresas que, auxiliados por um bom departamento jurídico, poderão fazer uma série de manobras jurídicas.
Na prática será possível se extinguir os direitos constitucionais mais elementares como o 13º salário e as férias acrescidas de 1/3. Isso tudo sem contar o fato de que a própria possibilidade de se estabelecer a chamada "livre negociação" entre trabalhadores e empresários é por si só uma grande farsa. Essa reforma quer retroceder os trabalhadores às condições análogas ao século XIX.
Um dos argumentos do governo para votar a reforma é que ela irá gerar emprego. Qual a sua avaliação sobre isso?
Ao contrário do que o governo proclama, essa reforma tem a tendência de, a curto prazo, precarizar as condições atuais de trabalho e, a longo prazo, aumentar o desemprego. Trata-se de uma relação lógica: se a reforma trabalhista permite aos empresários explorar sua mão de obra por mais tempo e de maneira mais abusiva, haverá cortes e não mais contratações, como alega o governo.
O governo diz que os empresários não contratam porque os custos dos trabalhadores são muito altos. Ao que parece Temer e os tucanos estão observando os trabalhadores de outro país, talvez os trabalhadores franceses... Porque a mão de obra brasileira é uma das mais baratas do mundo... Além disso, é importante salientarmos que essa reforma ocasionará um aumento significativo da rotatividade da mão de obra, uma vez que demitir se tornará um processo ainda mais barato.
A base aliada de Temer tem dito que as reformas previdenciária e trabalhista são importantes para dar um sinal ao mercado financeiro. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deixou isso bem claro. Como você vê um governo preocupado com o mercado em detrimento dos direitos dos trabalhadores?
Se havia alguma dúvida de que esse governo tinha como principal meta atender aos interesses do mercado, parece bem claro que ela já foi há tempos dirimida. A questão é que o suposto "sinal" para o mercado financeiro não atende a todo o capital existente no planeta. Na verdade, é um sinal para um tipo específico de capital financeiro que aposta em um Brasil "mexicanizado", onde o custo-trabalho se torna muito baixo. Trata-se de um capital volátil que não pensará duas vezes antes de se retirar de nossa economia caso haja qualquer possibilidade de mudança dessa atual conjuntura.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque