Indigenismo

Funai não tem verba para políticas públicas essenciais, diz ex-presidente exonerado

Antônio Costa afirmou que autarquia vive crise estrutural e orçamentária; movimento indígena pede compromisso público

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Antonio Costa, durante depoimento à Comissão de Direitos Humanos do Senado
Antonio Costa, durante depoimento à Comissão de Direitos Humanos do Senado - Edilson Rodrigues/Agência Senado

O ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) Antônio Fernandes Costa, que esteve no cargo de janeiro a abril deste ano, disse, nesta segunda-feira (24), que o órgão atualmente não tem verba para executar ações que digam respeito a políticas públicas essenciais aos povos indígenas. A declaração foi feita durante depoimento prestado à Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, ocasião em que o ex-gestor reafirmou e intensificou as críticas que vêm sendo feitas à condução da política indigenista na atualidade.

Segundo dados oficiais, a Funai já vem sofrendo cortes nos últimos anos. Em 2016, por exemplo, foram R$ 53,6 milhões a menos que em 2015 e, para 2017, foram previstos R$ 18,9 milhões a menos que o orçamento de 2016.

O total projetado pela Lei Orçamentária Anual (LOA) para este ano era de R$ 107,9 milhões, o menor valor dos últimos dez anos. No entanto, recentemente, o órgão passou por um novo corte, com anúncio de 44% a menos da verba a ser liberada para as despesas de 2017.

“Agora, há apenas R$ 22 milhões para serem executados ao longo do ano porque, nos quatro primeiros meses, já foram gastos R$ 27 milhões. (...) Isso é só de despesas discricionárias, que envolvem os contratos administrativos – aluguéis, iluminação pública, telefonia, etc. Para o caso de um conflito como o que houve no Maranhão, por exemplo, a Funai hoje não tem verba para executar ações que possam coibir a violência. (...) E não há mais verba para as despesas de investimentos para reformas de coordenações e compra de veículos, por exemplo”, disse Costa.

Política

Exonerado do cargo no início de maio, Costa tem dito publicamente que foi demitido por barrar a nomeação de indicações político-partidárias dentro da Funai e que vinha sendo pressionado pelos líderes do governo. Ele criticou novamente a conduta do ex-ministro Osmar Serraglio, que ocupou o Ministério da Justiça durante sua gestão na Funai.

Costa disse que Serraglio, hoje de volta ao cargo de deputado federal pelo PMDB do Paraná, mantinha uma “agenda ruralista” e agia contra os interesses das comunidades indígenas.  

Além disso, o ex-presidente chegou a dizer que o governo estaria atualmente “comprando parlamentares”, ao oferecer cargos na autarquia em troca de voto favorável às reformas trabalhista e da Previdência.

A declaração provocou reação imediata de membros da oposição. O senador Paulo Paim (PT-RS), que participou da sessão na CDH, disse que vai encaminhar o depoimento do ex-presidente para apuração na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência. Ele classificou a denúncia como “gravíssima”.

“O governo [Temer], de forma covarde, está usando as reformas para os seus interesses, para se manter grudado naquele cargo lá como presidente. Não há limites, e aí o povo indígena paga também, porque, quando se tiram os profissionais e se colocam pessoas que não entendem nada de povo indígena, se está sacrificando a nossa gente e o próprio meio ambiente”, considerou Paim.   

Indígenas

Na avaliação do assessor político da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Paulino Montejo, o depoimento do ex-presidente confirma o que as comunidades vêm trazendo historicamente para o debate público: a política indigenista brasileira precisa ser encarada como uma questão de Estado, não de governo.

“Os povos indígenas precisam de uma atenção estruturada e permanente, não ocasional. Entra governo, sai governo, e eles fazem o que querem, via MPs [medidas provisórias], portarias, instrumentos infraconstitucionais. O que precisa no Brasil é ter governos que levem ao pé da letra o cumprimento da Constituição”, declarou o assessor, acrescentando que as questões indígenas não têm centralidade no que se refere aos assuntos prioritários do Estado.

Servidores

Outro aspecto levantado na audiência foi a situação do quadro de funcionários da Funai. O ex-presidente afirmou que a instituição opera com contingente insuficiente. “Quando assumi, encontrei um quadro bastante deficitário e com pessoas desmotivadas. A extinção de cargos, por exemplo, é algo que desmantela de vez o órgão”, afirmou Costa.

Ele destacou, por exemplo, a extinção recente de 51 postos de chefe das chamadas Coordenações Técnicas Locais (CTLs), que prestavam atendimento às comunidades em diversas regiões do país. Como consequência, foram extintas também as próprias coordenações.  

“Isso prejudica o atendimento da população indígena, pois eram coordenações posicionadas em áreas estratégicas do país”, afirmou Costa, acrescentando que muitas das unidades ficavam em lugares longínquos, dando apoio aos povos que vivem em lugares mais afastados.

Segundo dados oficiais da Funai, um levantamento feito em abril identificou que havia 2.508 servidores à época, distribuídos em diversas categorias. A reportagem procurou a assessoria de imprensa do órgão para atualizar o dado, mas não foi possível obter o número exato atual até o fechamento desta reportagem.  

A assessoria informou, no entanto, que, em março deste ano, 630 servidores do quadro permanente receberam o abono de permanência, o que significa que eles já alcançaram os requisitos mínimos para a aposentadoria, que pode ser solicitada a qualquer momento.

A Associação dos Servidores da Funai (Ansef) tem denunciado que o número de funcionários corresponde a pouco mais de 30% do contingente necessário para o bom funcionamento do órgão. Com as aposentadorias, que se dão a todo momento, o cenário anuncia uma aparente piora da situação.

“Há uma gritante realidade, que é a penúria que a Funai atravessa, tanto de recursos humanos quanto financeiros, com a enorme quantidade de aposentadorias e a não reposição de seus quadros. Já tivemos mais de 4 mil servidores, hoje são pouco mais de 2 mil”, comparou o presidente da entidade, Rogério Eustáquio de Oliveira, em entrevista ao Brasil de Fato.

Concurso  

Enquanto isso, os cerca de 220 candidatos aprovados no último concurso realizado pela Funai, em 2016, aguardam nomeação por parte do Executivo e se queixam da demora na convocação.

“Nós temos direito de tomar posse, porém, o que está havendo é um protelamento, e a gente vê se construir um cenário que é o da terceirização do serviço público, trazida pela reforma trabalhista. Há uma vinculação clara [da nossa situação] a isso. (...) Parece que o objetivo deles é esvaziar o serviço público”, criticou Vitor Láercio Santos, da associação que reúne os aprovados no certame.

Outro lado

A Funai disse à reportagem, por meio de sua assessoria de imprensa, que, por conta do corte de 44% no orçamento deste ano, foi aprovado inicialmente o repasse de apenas de R$ 60 milhões, mas, na sequência, a autarquia conseguiu a liberação de mais R$ 20 milhões. O incremento se deu após negociações com os Ministérios da Justiça e do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), fazendo com que o total chegasse a R$ 80 milhões.   

A respeito das críticas feitas por Antônio Costa no que se refere à ingerência política do governo no órgão, o presidente em exercício da Funai, Franklimberg de Freitas, disse que não poderia responder as acusações, uma vez que, na época, atuava em outro cargo.   

O Brasil de Fato também procurou a assessoria de imprensa do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), citado nesta reportagem, mas as ligações não foram atendidas.

O mesmo procedimento foi feito em relação à assessoria do MPOG para tratar da nomeação dos aprovados no concurso da Funai, mas o órgão informou que não se pronuncia a respeito de “matérias que se encontram em análise interna”, divulgando apenas informações “sobre projetos que já estão concluídos”.

Edição: Vanessa Martina Silva