Entrevista

"Mataram ele na minha casa. Ainda o vejo no chão", diz testemunha do crime do Moinho

Ação policial realizada em favela em São Paulo ontem resultou na morte de Leandro, de 18 anos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Barraco onde morava Leandro de Souza Santos; Favela fica em local valorizado por especulação imobiliária
Barraco onde morava Leandro de Souza Santos; Favela fica em local valorizado por especulação imobiliária - José Bernardes | Brasil de Fato

*Atualizada às 15h01 para acréscimo de informações

Uma das testemunhas da ação policial comandada pela Rota (Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar) na última terça-feira (27), na Favela do Moinho, comunidade localizada no centro de São Paulo, que terminou com o assassinato de Leandro de Souza Santos, de 18 anos, foi a dona do barraco onde jovem foi morto, Lucimar Oliveira Santana.

O crime aconteceu por volta das 10 horas da manhã, durante uma operação militar em busca de traficantes, que supostamente estariam abastecendo usuários da Cracolândia. Santos foi morto com cinco tiros e apresentava sinais de tortura. Ele perdeu os dentes, segundo familiares, por conta de marteladas desferidas pelos policiais.

Na hora do crime, a moradora da Favela do Moinho ouviu o som de helicópteros e saiu de sua casa. Ela conta ter visto um vulto e, quando seu companheiro tentou entrar novamente na residência, foi impedida por policiais, que já acuavam Leandro de Souza Santos na cozinha de sua casa.

Veja o vídeo com as declarações exclusivas de Lucimar:

"Os policiais ficaram na porta e não deixaram ninguém entrar. Eu e meu marido ficamos aqui fora", afirma.

Cerca de 15 minutos depois, ela e o companheiro ouviram o aparelho de som ser ligado pelos policiais. Com o barulho que fazia o helicóptero sobre sua casa, Santana conta não ter ouvido "mais nada".

"Ficamos esperando para ver o que ia acontecer, quando ele saíram com a maca e o menino. Eles levaram ele lá para o fundo [da comunidade]", lembra a moradora.

Depois, os policiais voltaram para levar Santana para depor. A moradora só retornou para casa por volta das 17 horas, como afirmou seu companheiro. 

Ela foi levada primeiro para o 77 DP. Em seguida para o 23 DP e ao DHPP (Departamento de Homicídios) da Polícia Civil. De lá, Santana ainda foi com os policiais até o batalhão da Rota, na avenida Tiradentes, no centro da cidade. Lucimar foi dada como desaparecida até o início da tarde de ontem, pois ninguém sabia para onde ela havia sido levada.

A moradora diz estar abalada com os acontecimentos: "Foi dentro da minha casa que eles mataram uma pessoa. Eu não consigo entrar na cozinha, porque parece que ainda vejo o menino deitado no chão", conta.

Santana revela ainda que os policiais da Rota entraram em diversos barracos, estourando portas ou quebrando cadeados. Segundo a moradora, policiais militares estão constantemente na comunidade, mas a cena de invasão dos barracos não é comum. 

Em nota, a Polícia Militar “informa que todos os fatos que ocorreram na operação realizada pela Rota na Comunidade do Moinho, estão sendo investigados em Inquérito Policial Militar, instaurado pela Corregedoria da PM”. 

Segundo a Secretaria de Segurança Pública, o “DHPP instaurou IP (Inquérito Policial) e investiga a morte que ocorreu durante a intervenção dos policiais. Duas pessoas foram presas na operação. Uma delas com uma motocicleta furtada e a outra com entorpecentes e um celular roubado”, aponta a nota.


Leandro de Souza Santos, de 18 anos

Velório

O corpo do jovem Leandro de Souza Santos ainda está no Instituto Médico Legal de São Paulo (IML). Segundo o padre Júlio Lancellotti, o problema é nas digitais do jovem.

Sua mãe, Maria Odete, ainda cumpre procedimentos de reconhecimento do corpo e terá que assinar documentos que atestam a identidade de Leandro de Souza Santos.

O velório do corpo acontecerá na capela instalada na comunidade da Favela do Moinho, comandado pelo próprio padre Lancellotti. 

Após o velório, o jovem será enterrado no cemitério da Vila Formosa, na zona leste da cidade.

Leandro de Souza Santos tinha 18 anos e, segundo familiares, era usuário de drogas. Apesar do uso, moradores afirmam que Chiclete, como era conhecido, não participava de qualquer ação de tráfico de drogas.

Edição: Vanessa Martina Silva