Minas Gerais

GOLPE

Temer representa o alto empresariado brasileiro, afirma deputada federal Jô Moraes

Governo golpista tenta rebaixar papel das forças armadas e acabar com soberania nacional

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
“Há sinalização de que o governo está disposto a abrir áreas estratégicas para privilégio dos Estados Unidos”, diz deputada
“Há sinalização de que o governo está disposto a abrir áreas estratégicas para privilégio dos Estados Unidos”, diz deputada - Richard Silva/PCdoB na Câmara

O golpe de 2016 é, além de antipopular, antinacional. Prova disso é que o programa do governo golpista implica entregar as riquezas nacionais a empresas estrangeiras, rebaixar o papel das Forças Armadas e da Agência Brasileira de Inteligência, abrir o território nacional à ingerência dos Estados Unidos, submeter o Estado, por completo, às ingerências do setor financeiro internacional e do alto empresariado brasileiro. Como escapar dessa óbvia insanidade, recuperando a soberania do povo brasileiro?

Para discutir essa questão, o Brasil de Fato MG conversou com a deputada federal Jô Moraes (PC do B). Ela acredita que, entre outras coisas, é preciso intensificar a pressão sobre os parlamentares que apoiam o governo, intervindo em suas bases eleitorais. 

Brasil de Fato MG: O que temos hoje na direção do país é um projeto antinacional? De que maneira ele está corroendo a soberania do Brasil? 

Jô Moraes: O golpe, realizado por meio de um impeachment sem crime de responsabilidade, tinha como objetivo mudar o projeto político de desenvolvimento que era construído no país, apesar das limitações que ele apresentava. Logo que se instala, toma providência para, tanto na composição do governo quanto nas primeiras iniciativas legislativas, dizer a que veio. Monta um ministério sem mulheres e negros, excluindo as causas sociais e manda para o Congresso a PEC dos gastos públicos. Essa PEC congela por 20 anos os gastos que o Estado deve ter com saúde, educação, segurança pública, assistência social, entre outras atividades relacionadas com o bem estar da população. Por outro lado, deixa inteiramente livres os gastos com o sistema financeiro. 

Em seguida, esse governo toma medidas alterando as conquistas da soberania que o Brasil vinha tendo, começando com a abertura da exploração do Pré-sal para o capital estrangeiro e não autorizando a Petrobras a manter o controle mínimo que ela vinha tendo, a partir do qual ela conseguiria impulsionar a exploração de petróleo. Tramitam também projetos para liberar inteiramente a venda do território brasileiro para empresas e cidadãos estrangeiros. 

Somado à política de descapitalização da Petrobras, o governo expressa inteiramente um compromisso com a completa abertura do país, a serviço do capital internacional. Esta é a terceira grande abertura dos portos, a exemplo do que Dom João VI e Fernando Collor fizeram. 

Recentemente, o ministro Raul Jungmann disse que o governo permitiria a atuação dos Estados Unidos na base de Alcântara. Isso é mais uma expressão dessa política antinacional? 

O ministro da Defesa anunciou o propósito de o Brasil construir parceria privilegiada com os Estados Unidos na base de Alcântara. É evidente que isso depende da autorização do Congresso, mas há uma sinalização de que está disposto a abrir aquilo que é mais sagrado, que são suas áreas estratégicas para privilégio dos Estados Unidos. Isso é extremamente grave, pois, no esforço de contratação do acordo, em 2000, os Estados Unidos apresentavam exigências absurdas, como a proibição de que o governo brasileiro usasse o recurso previsto em um possível aluguel da região em investimentos para sua área aeroespacial. Era algo tão grave, que o Congresso não permitiu e, logo em seguida, quando Lula assumiu o governo, suspendeu esse acordo. 

Nós defendemos a exploração comercial da base de Alcântara, por ser uma localização estratégica, com potencial econômico, e o Brasil necessita disso. Mas tem que se dar sob absoluto controle do país, em relação à gestão, e com diversidade de utilização, não com privilégio dos Estados Unidos. 

E qual a relação das Forças Armadas com o governo golpista atualmente?

Eu diria que, neste momento, o comando da Forças Armadas, que é o mesmo da época do governo Dilma, tem o compromisso com a Constituição. Os comandantes, evidentemente, não tinham o papel de intervir no impeachment, e mantiveram o respeito às instituições que os dirigem. O comandante do Exército, inclusive, tem dito em suas mensagens que não há atalhos fora da Constituição. Esta é uma salvaguarda com a qual contamos. 

O que temos percebido é uma mudança na orientação do Ministério da Defesa, com prejuízos para o papel estratégico das Forças Armadas. Um dos primeiros movimentos do governo Temer foi tentar passar tarefas de segurança pública para o Exército, chegando ao cúmulo de baixar o decreto de controle da lei e da ordem no dia 24 de maio, de forma inconsequente, sem uma discussão madura com as Forças Armadas. Eu diria que foi a posição firme dos comandantes de recusarem, com toda a cautela que a hierarquia lhes propõe, que fez com que Temer revogasse o decreto no dia seguinte. 

A própria insistência do governo em mandar o Exército para aquelas rebeliões em presídios, na crise de segurança pública da Maré, no Rio de Janeiro, caracteriza um rebaixamento do papel constitucional das Forças Armadas. Por isso, a nossa preocupação não está nos comandantes, mas na orientação do Ministério da Defesa, ao qual eles estão vinculados. 

No dia 13 de junho, você repercutiu uma nota dos trabalhadores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), na qual eles afirmam que nenhum governo ou autoridade vai quebrar seu compromisso com o Estado de direito. A partir do golpe, você percebe alguma tentativa de conferir às atividades de inteligência um caráter policialesco?

Eu presidi a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI). Existe um órgão no Congresso que tem o papel de fazer um controle para que os profissionais da inteligência não ultrapassem sua função constitucional de assegurar informações necessárias para auxiliar a Presidência da República a tomar decisões. Nesse período, eu tive uma relação intensa com os profissionais da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que precisavam de estruturação, que têm um quadro ainda limitado, mas que têm contribuição a dar. Na Copa do Mundo, houve uma experiência muito importante na relação com os serviços de inteligência dos demais países. Nesse período, não havia nenhum interesse em empregar processos antigos de investigação dos movimentos sociais. Eu, inclusive, questionei diretamente se havia movimentações nessa atividade. 

No governo Temer, duas ações nos deixaram preocupados. Um deles foi a espetacularização da prisão de dez pessoas que eles diziam terem sinais de práticas terroristas, levando o assunto para a televisão, divulgando os nomes. Isto não se faz na atividade de inteligência. Quanto mais escondida a atividade, mais eficaz. Seria um uso político para uma estrutura que tem que ser muito sigilosa. 

O segundo movimento que nos assustou foi essa história falada pela Veja, de que teriam investigado o ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin. Embora a revista não mereça crédito para muitas coisas, onde se vê fumaça, é preciso ver se não há fogo. Eu pedi à liderança da minoria um requerimento à CCAI para que a Abin prestasse informações. É sempre preocupante nesse ambiente de ameaças democráticas que o governo use para outros fins uma estrutura que constitucionalmente deixou de ter a marca do período autoritário. A atividade de inteligência teve uma regulamentação. Por isso, há uma comissão mista para controlá-la, tamanha a importância dela. A Associação dos Oficiais da Abin produziu essa nota. 

Nesta semana, o Senado aprovou o regime de urgência para a reforma trabalhista. Como ela afeta a vida das mulheres?

Um juiz do trabalho me disse: “Deputada, pode ser que, nesta semana, vivenciemos um retrocesso de 76 anos de conquistas”. A descontrução da CLT, com modificação de mais de 100 artigos nesta reforma trabalhista, é a maior crueldade com quem produz riqueza no país. Para além dos efeitos sobre os trabalhadores como um todo, há situações de vulnerabilidade das mulheres. Por exemplo, a insegurança da mulher em contratos intermitentes. Ela que, no mercado de trabalho, ocupa mais postos de menor qualificação e remuneração. Isso tira toda a expectativa de melhores salários e direitos com esse tipo de contrato. Se não fica estabelecido quantas horas vamos trabalhar, também não fica estabelecido quanto vamos ganhar. Se o patrão chamar e você tiver pego um bico e não for trabalhar, você paga multa. 

Mais grave, simbolicamente, é a norma para as mulheres grávidas. A proposta de acordo que Temer enviou para que não houvesse alteração da legislação no Senado para poder ser sancionado o projeto é um acinte. O texto aprovado na Câmara dizia que a mulher grávida que trabalha em ambiente insalubre, se quiser continuar trabalhando, pode trazer um atestado de seu próprio médico autorizando. Isto já é grave. A proposta da carta de Temer é que seja não o médico da gestante, mas o médico da empresa. Imagine que a mulher grávida, se o patrão quiser, vai passar orientação para seu médico para que a deixe trabalhar em ambiente insalubre, prejudicando a mulher e o filho que vai nascer. 

Outras inúmeras agressões graves: ampliação da jornada para 12 horas, fracionamento de férias em seis vezes, tudo isso estabelecido não por lei, mas por um entendimento entre patrão e trabalhador. Em um momento de crise como este, qual é o trabalhador que tem condições de recusar as exigências que o patrão fizer?

Temer vive o seguinte paradoxo: para não cair, precisa ser cada vez mais antipopular, governando de costas para o povo. O que fazer, então, para enfrentar esse governo?

O Temer não representa a si mesmo, mas uma correlação de forças do alto empresariado brasileiro e do sistema financeiro, que quer manter seus lucros altos e garantir que o país pague por isso. Temer também é a expressão de um setor da mídia que busca ser outro partido político a serviço das elites. Temer também é mantido por um setor do Judiciário, cujas benesses criaram uma casta de pensamento corporativo. Foi sustentado nisso, a fim de criar um projeto econômico de garantia de lucros, que o Temer foi para lá e, para se manter, ele precisa pagar a conta, reduzindo gastos do Estado brasileiro com o povo e liberando todo o recurso para o pagamento de juros e da dívida. 

Ele não teve voto. Se o projeto que ele está implementando fosse apresentado ao povo, ele não teria nenhuma chance de ser eleito. Ele só tem as forças que o estão sustentando. Quanto mais cruel com o povo, quanto mais antinacional com o país, melhores condições de se manter, independentemente dos absurdos de seu governo. 

Já que a reforma trabalhista encontra-se em fase final de votação, em um ambiente pouco suscetível a pressão, que é o Senado, a sociedade tem que concentrar suas baterias na denúncia e mobilização contra a reforma da Previdência. Isso deve ser feito pressionando os deputados na sua base. É importante mandar e-mail, mas o que funciona mesmo é a pressão organizada na base, para que o deputado veja que o voto dele contra os trabalhadores, contra a Previdência, tem que representar a cassação dele. 

Um dia eu escutei em uma reunião de líderes, em ano eleitoral, um deputado dizer: “Eu não quero a minha cara no poste”. O que mais um deputado tem medo é da cara dele no poste. Nós temos que fazer essa mobilização para derrotar Temer na reforma da Previdência. 

Devemos também debater com o povo os caminhos e saídas. Precisamos retomar um governo que passe pelo voto popular e tenha compromisso. Vamos garantir minimamente emprego. Em outros momentos de crise no Brasil, governos criavam frentes de trabalho, frentes de combate à seca no Nordeste. Em Minas, criavam-se frentes de trabalho nas estradas. Tudo isso para criar alternativas. Não retirar direitos do povo, mas criar impostos sobre grandes fortunas, pegar os sonegadores da Previdência, que chegam ao montante de mais de R$ 400 bi, e exigir o pagamento. Que os que ganham mais façam sacrifícios. Ao discutir um projeto, ir para as ruas, organizar todas as áreas, com um programa novo, democrático, para alimentar a certeza de que está na mão do povo a decisão de tirar esses políticos. 

Por fim, eu diria que a sociedade brasileira se sente muito impotente e está descrente com a política. Os grande órgãos de comunicação contribuem muito com essa descrença. Nós devemos passar para o povo que ele tem o poder do voto. E, mesmo que esteja desencantado, só a política pode criar uma nova situação, tirando os maus políticos e assegurando que políticos sérios ocupem o Estado. Não é possível um país funcionar pelos tanques. É necessário que o país por meio de suas instituições democráticas, o que é o centro da nossa preocupação. A política é uma necessidade, mas a política autoritária impede que o país avance.

Edição: Joana Tavares