Moradia

Empresa pública ameaça despejar mais de cem pessoas em Riacho Fundo, no DF

Há mais de 20 anos, moradores esperam regularização de terreno; desalojamento não tem data definida

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Localizada a 20km de Brasília, área é reivindicada pela agência de terras do governo distrital
Localizada a 20km de Brasília, área é reivindicada pela agência de terras do governo distrital - Arquivo pessoal

Todos os dias, o motorista Darlan Pereira da Silva, morador da região administrativa de Riacho Fundo II, a cerca de 20 km de Brasília, sai de casa para o trabalho sem saber em que situação estará a própria residência quando retornar. Ameaçados de despejo, ele, a mulher, os dois filhos e outras 150 famílias lutam há cerca de 20 anos pela regularização dos imóveis onde residem, um caso ainda sem solução por parte do poder público.

“Essa situação existe desde 1996. Antes tinha um compromisso da administração de que os lotes seriam doados para os familiares dos pioneiros de Brasília, porque a maioria foi morar na região. Tem família que mora lá há 30 anos e, entra ano e sai ano, o governo fala que vai regularizar, que vai dar estrutura pra gente, mas fica na promessa”, conta o motorista.

Localizado especificamente no Conglomerado Agrourbano de Brasília (Caub) II, o terreno onde ficam os imóveis é alvo de questionamento judicial por parte da Terracap, empresa pública que opera como companhia imobiliária do governo.

Em 2005, o órgão ingressou com uma ação na Justiça para solicitar a reintegração de posse, alegando ser proprietário dos lotes. Em 2010, uma decisão judicial deu ganho de causa à empresa, que, apesar disso, não executou a reintegração, até que, cerca de 15 dia atrás, os moradores receberam uma visita de agentes do Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciops) informando sobre um possível despejo, ainda sem data definida. A ação seria referente a uma parte do terreno, que abriga 38 famílias, abrangendo cerca de 100 pessoas. 

“Teve um pessoal que conversou com a gente e disse que isso era uma ordem que vinha lá de cima. A gente ficou sem saber o que fazer”. Todo mundo que está aqui construiu sua casa, sua família, tem sua moradia, teve seus gastos, todo um empenho em construir um lar pra colocar e filhos e depois chega uma pessoa, de uma hora pra outra, e fala isso, dizendo que a gente corra atrás se achar que tem algum direito”, desabafa Silva.

Defesa

Depois do susto inicial, os moradores contrataram um advogado e ingressaram com uma ação com pedido de liminar na Justiça, mas, na última segunda-feira (17), a demanda foi rejeitada. Na sequência, eles entraram com um novo recurso judicial e aguardam uma decisão. 

O advogado de defesa, Adilson Valentim, afirma que as famílias não foram chamadas para se defender ao longo da tramitação do processo. Ele alega ainda que a área é passível de regularização — entre outras coisas, por não se tratar de zona de proteção ambiental — e que, além disso, existe previsão legal para que a Terracap possa desistir de ações em áreas com esse perfil.

“E, acima de tudo, tem a função social porque ali tem 38 famílias, são mais de 100 pessoas que não têm para onde ir”, acrescenta.

O advogado destaca ainda que a necessidade das famílias precisaria ser priorizada diante da atitude do órgão, que não buscou a reintegração de posse ao longo dos anos, depois de obter uma decisão judicial favorável.

“Ela alegou que não tinha condições de retirá-los de lá e pagar as custas. Se ela, que é uma empresa pública, não tem condições de fazer isso, imagina se quem mora lá vai poder sair pra outro lugar”, argumenta.

Negociação

Na noite desta quarta-feira (19), os moradores e o pároco da comunidade devem se reunir com o vice-governador do Distrito Federal, Renato Santana, e representantes da Terracap. A expectativa é a assinatura de um termo de compromisso para evitar a derrubada das casas e dar início ao processo de regularização da área.

Para o militante Eduardo Borges, do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), que está acompanhando o caso, a situação das famílias do Caub II estamparia a falta de prioridade por parte do governo de Brasília, comandado por Rodrigo Rollemberg (PSB) , no que se refere ao déficit habitacional.  

“Demonstra que eles nem se importam nem pretendem se importar com o direito do trabalhador. (...) Por mais que o governo sinalize algumas melhorias positivas, nada ocorre de concreto, e as famílias ficam a ver navios. Enquanto o povo é despejado, passa fome ou sua pra pagar aluguel caro, o governo se preocupa em derrubar a casa das pessoas e não dá retorno em termos de moradia digna”, critica o dirigente.

Segundo dados da Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab) do governo, o déficit habitacional do Distrito Federal atualmente é de 120 mil unidades. Cerca de 90 mil pessoas das que aguardam na fila são de baixa renda.    

Outro lado

 O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa da Terracap para tratar das críticas feitas pelas fontes ouvidas nesta reportagem, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria. O espaço continua aberto, caso a empresa queira se manifestar para exercer o direito de resposta. 

Edição: Vanessa Martina Silva