Curitiba

Juristas renomados realizam Tribunal Popular para julgar a Lava Jato

"Discurso barato esconde estrago que sua cruzada moralista tem causado às instituições", diz Eugênio Aragão sobre Moro

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Os juristas brasileiros Eugênio Aragão, Sergio Moro e Antônio Carlos Castro, conhecido como Kakay
Os juristas brasileiros Eugênio Aragão, Sergio Moro e Antônio Carlos Castro, conhecido como Kakay - Reprodução

“Todas as questões relativas ao apartamento triplex foram objeto de longa análise da sentença. Mais de uma vez consignou-se que, na apreciação de crimes de corrupção e lavagem, o Juízo não pode se prender unicamente à titularidade formal. Assim não fosse, caberia, ilustrativamente, ter absolvido Eduardo Cosentino da Cunha na ação penal 5051606-23.2016.4.04.7000, pois ele também afirmava como álibi que não era o titular das contas no exterior que haviam recebido depósitos de vantagem indevida, mas somente ‘usufrutuário em vida.”

Assim o juiz Sérgio Moro rechaçou os embargos de declaração da defesa de Lula no dia 18 de julho, após os advogados afirmarem que haviam omissões na condenação de nove anos e seis meses dada no dia 12.

A sentença gerou revolta em alguns círculos jurídicos.

Um grupo de juristas renomados realizará um Tribunal Popular sobre a Lava Jato em Curitiba no dia 11 de agosto, uma sexta-feira. Beatriz Vargas Ramos, Marcello Lavenère, Antônio Maues, Juliana Teixeira, Gerson Silva, José Carlos Portella Júnior, Michelle Cabrera, Claudia Maria Barbos e Vera Karam Chueiri estão no corpo de jurados.

O juiz de direito em Alagoas Marcelo Tadeu Lemos será o presidente da sessão, enquanto o ex-ministro da Justiça e procurador Eugênio Aragão será responsável pela acusação contra a operação neste evento.

O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay, ficará com a defesa crítica e irônica da Lava Jato. Ele atendeu já Demóstenes Torres, José Sarney, José Dirceu e Aécio Neves.

O DCM entrou em contato com a organização do evento, o Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (CAAD), para saber detalhes de como vai funcionar.

O evento deveria ter ocorrido numa data anterior. No dia 2 maio, antes do depoimento de Lula diante de Sérgio Moro, uma aula sobre questões jurídicas da Lava Jato foi realizada no Sindicato dos Jornalistas (SINDIJOR).

Em 9 de maio, ocorreu outra reunião pública na Praça Tiradentes de Curitiba. Depois da mobilização, os encontros ocorreram em 13 de junho no Moradias 23 de Agosto, associação que fica na periferia da capital do Paraná.

Se o Tribunal Popular for bem-sucedido, a ideia dos organizadores é levá-lo ao STF em Brasília, seguindo o mesmo modelo de trabalho voluntário com investimento dos próprios advogados.

Segundo os organizadores, considerando o trabalho de Marcello Lavenère com Kakay no Tribunal Popular que julgou o massacre de Carajás dentro do Senado, a ideia dos magistrados é julgar a Operação Lava Jato — sem “fulanizar” para aumentar a compreensão e o alcance sobre o que realmente se passou.

Questionamos se o grupo teme ser associado com o PT ou com simpatizantes de Lula. “A associação indevida já acontece, queiramos ou não. Na página do Tribunal Popular no Facebook já existem insinuações, mas não há o que temer. Associações do Eugênio Aragão que foi ministério da Justiça de Dilma, assim como de outros membros do coletivo, é a primeira apelação que os veículos golpistas costumam fazer. O CAAD abriga juristas progressistas. Se alguma associação direta tivesse que ser feita, deveria ser consideradas as as centrais sindicais e os movimentos sociais populares de mulheres e feministas, negros, LGBTs e outras legendas, como PCdoB, o PDT, o PCO e PSOL”, responde a advogada Tânia Mandarino, uma das organizadoras diretas do evento.

O local ainda será definido nos próximos dias e será divulgado na fanpage do evento no Facebook. A previsão de início será às 14 horas do dia 11 de agosto para acabar às 22 horas em Curitiba.

Kakay falou ao DCM sobre o julgamento de Lula. “Eu concordo em linhas gerais com a defesa do ex-presidente. A acusação é que tem que fazer a prova, que não foi feita. Durante as audiências de instrução que pude acompanhar na imprensa e nos vídeos, o juiz Sérgio Moro se comportou mais como um juiz da Inquisição do que como deveria ser. As perguntas feitas de maneira agressiva e completamente fora do contexto seriam indeferidas se partissem de um dos advogados”, diz.

“Deveríamos, há muito tempo, saber que o juiz que faz a instrução [que ouve as partes] não deve ser o que vai julgar a causa. O doutor Sérgio Moro fez durante todo o primeiro procedimento uma série de medidas que já inviabilizaria a condução técnica e imparcial do processo. O que ocorre no julgamento dentro da 13ª Vara de Curitiba é um acordo entre a acusação, o juiz, o Ministério Público e a Polícia Federal. Sérgio Moro não tem a imparcialidade para julgar o ex-presidente Lula num processo deste porte”.

O ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, Eugênio Aragão, resume os principais problemas da Lava Jato: “Moro é um ‘Rechtsbeuger’, uma burocrata que distorce conscientemente a norma jurídica em detrimento dos direitos de investigados e acusados. O que ele produz deixou há muito tempo de merecer o nome de ‘Direito’ para ingressar na seara da política rasteira, persecutória de inimigos ideológicos. O discurso barato e simplório esconde o estrago que sua cruzada moralista tem causado às instituições e à democracia. É da natureza do fascismo servir-se de falsos truísmos para mobilizar massas no reforço de interesses latentes”.

Aragão colocará que a operação chefiada por Sérgio Moro quis impulsionar o Ministério Público e do Judiciário dentro de um projeto político corporativo.

“Defender a democracia no Brasil passa necessariamente pelo enquadramento da operação dentro dos limites do regramento do Estado Democrático de Direito”, finaliza o ex-ministro.

Edição: DCM