REFIS

"Aprovação do Refis é moeda de troca com o governo golpista", diz presidente da ANFIP

A medida pode representar uma perda de recursos para o Executivo da ordem de R$ 220 bilhões

São Paulo | Brasil de Fato (SP) |
O deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), que incluiu novas mudanças no REFIS, deve mais de 50 milhões aos cofres públicos
O deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), que incluiu novas mudanças no REFIS, deve mais de 50 milhões aos cofres públicos - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O Planalto busca aprovar com urgência na Câmara o novo sistema que possibilita a renegociação de dívidas de pessoas físicas e jurídicas com a Receita Federal e com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. A ideia é acelerar a votação a partir do início dos trabalhos do Legislativo, na próxima semana, com previsão de votação no Senado até início de setembro.

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A Medida Provisória 783/2017 compõem o Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), conhecido como Refis, e prevê descontos de até 99% em juros e multas para os devedores que, após o pagamento de entrada de 20% da dívida, neste ano, liquidem o valor integral até janeiro de 2018. O relatório do deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG) traz mudanças profundas no que diz respeito aos juros e parcelamentos para o empresariado.

O deputado Newton, que propôs a inclusão das novas medidas no texto é presidente da Companhia Siderúrgica Pitangui, que deve aos cofres da união R$ 48,7 milhões, segundo dados do Estadão/Broadcast. Além disso ele é diretor da NC Participações e Consultoria, que possui dívida de R$ 2,3 milhões. Pelas estimativas feitas por técnicos da liderança do PT, a medida pode representar uma perda de recursos para o Executivo da ordem de R$ 220 bilhões. A Unafisco, entidade representativa dos fiscais da Receita, também aponta vários prejuízos com a proposta.

O Brasil de Fato entrevistou o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), Vilson Antonio Roméro.

"Estamos preocupados com essa Medida Provisória, junto com outras medidas que estão sendo negociadas no Congresso, que estão servindo de moeda de troca, não só para garantir a manutenção do atual governo, mas também para consolidar a aprovação dessas reformas (trabalhista e previdenciária), que têm sido extremamente cruéis", aponta Roméro.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Como você avalia as medidas do novo Refis? E como elas prejudicam as contas do Estado?

Vilson: A inadimplência sempre houve. Desde o primeiro programa de refinanciamento, ocorrido há 17 anos, nós já tivemos 31 programas de refinanciamento das dívidas. Não são as corporações de servidores, de trabalhadores que tomam de assalto o Estado brasileiro, são as corporações empresariais.

Essa é uma medida extremamente perniciosa, porque além de não recuperar efetivamente o crédito tributário, incentiva exatamente ao mau pagador, que isso se prolifere, que continue. Além de obviamente ser um incentivo à concorrência desleal, porque o empresário ou o cidadão, que endividado deixou de pagar suas contas - e que tem o refinanciamento como rotina -, ele sabe que ali na frente vai ter uma benesse.

Como você avalia as reformas e medidas do governo golpista de Michel Temer (PMDB), incluindo o mais recente aumento nos combustíveis?

O governo justifica o aumento aplicado aos combustíveis, para alterar as alíquotas do piso da Cofins, mas na realidade me parece que ele erra a mão, até porque havia um compromisso de não elevar a carga tributária. Não sei se isso não terá um impacto muito violento e em pouco tempo no bolso do contribuinte, do cidadão.

Ao onerar os combustíveis, nós vimos a avidez dos comerciantes, que antes de terem adquirido os combustíveis a um novo preço da distribuidora, eles já estavam elevando o preço, atentando até contra o próprio código do consumidor. Mas acima de tudo, o impacto nos combustíveis é imediato na inflação. Porque ele impacta no frete, impacta no custo da produção agrícola, no transporte público, na aviação. Ocasiona um efeito cascata em toda a economia.

Como você avalia o fato do relator do novo REFIS, deputado Newton Cardoso Júnior, dever mais de 50 milhões à União?

Nós temos uma preocupação muito grande porque mesmo com a crise que abate parte da arrecadação no país, temos congressistas que devem mais de R$ 3 bilhões. Temos informações de que 291 deputados devem R$ 1 bilhão em nome próprio, uma parte dessa dívida. Outros R$ 700 bilhões engloba 190 deputados e temos 46 senadores que têm débitos com a fazenda nacional, da ordem de R$ 2 bilhões.

É profundamente lamentável, deixa muito escancarada essa situação que eles estão aprovando medidas legislativas em proveito próprio. Em benefício de seus próprios débitos. Mas essa medida tem tido a própria objeção da estrutura do Ministério da Fazenda e nós nos aliamos a isso, porque primeiro: fugiu de todo escopo do texto inicial da medida provisória que pretendia efetivamente apresentar uma renegociação, mas o relator, o senhor Nilton Cardoso Jr. botou uma série de "jabutis", ampliando em demasia essas benesses.

Mas principalmente com o fato de que essa Medida Provisória, junto com outras medidas que estão sendo negociadas no Congresso, estão servindo de moeda de troca, não só para garantir a manutenção do atual governo, mas também para consolidar a aprovação dessas reformas, que têm sido extremamente cruéis, desde o teto de gastos, agora a reforma trabalhista e com certeza o governo quando voltar do recesso, na próxima semana, virá com toda carga para aprovar a reforma da Previdência.

Quais são as alternativas para essas medidas? Quais são os próximos passos e como isso se refletirá no país a longo prazo?

Acima de tudo tem que ter mobilização, unidade, tem que ter convencimento e trabalho de quem está contra as medidas. Caberá ao poder executivo vetar ou não a medida. Nos preocupa tremendamente a crise que o nosso país está vivendo, que gera uma estabilidade política tanto para os operadores econômicos, quanto para os trabalhadores em geral e toda essa crise política que foi deflagrada com a delação do empresário do setor de proteína animal. 

Parece-me que gerou uma insegurança que vai fazer com que o Brasil sangre, não só o governo, mas que o Brasil fique sangrando por algum tempo, até ter condições de haver uma recuperação da estrutura toda de financiamento, de investimento e da economia como inteiro.

Edição: Vanessa Martina Silva