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Literatura

PR: Biblioteca popular abre “mundos novos” para crianças e jovens da CIC

Prateleiras da biblioteca Carolina Maria de Jesus disponibilizam livros às 1.200 famílias da ocupação Tiradentes

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
 “Voltar a ler abriu muitos mundos novos para mim”, disse um dos bibliotecários, Edgar Gonçalves Teluski
“Voltar a ler abriu muitos mundos novos para mim”, disse um dos bibliotecários, Edgar Gonçalves Teluski - Vanda Moraes

Uma biblioteca construída em meio aos caminhos da Ocupação Tiradentes, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), leva literatura e conhecimento às 1.200 famílias que vivem no território – principalmente jovens e crianças. Com mais de dois mil títulos disponíveis para empréstimo e consulta local, a biblioteca Carolina Maria de Jesus também conta com um espaço externo para atividades de leitura, reforço escolar, contação de histórias e programações culturais, como o cineclube da ocupação.

A biblioteca surgiu a partir da necessidade de garantir às famílias locais o direito à cultura e à educação. Foi erguida no improviso, como as demais habitações do território – que aos poucos ganham corpo, tijolos e cimento.

Moradores e militantes se revezam na função de abrir o estabelecimento e executar os serviços necessários ao empréstimo e ao catálogo dos livros disponíveis. “Todos os dias vêm crianças e o funcionamento tem corrido bem. Temos alguns problemas com a rede de energia elétrica, que, por enquanto, resolvemos com anotações manuais”, explica o estudante e um dos bibliotecários que participam do rodízio no atendimento, Edgar Gonçalves Teluski, de 16 anos, do movimento Levante Popular da Juventude. “Eu mesmo não era muito de leitura e retomei esse hábito depois que assumi essa tarefa. Voltar a ler abriu muitos mundos novos para mim”.

Foto: Edgar Gonçalves Teluski

Uma das frequentadoras assíduas da biblioteca Carolina Maria de Jesus é Estephany dos Santos, de nove anos. Segundo a mãe, Priscila dos Santos, a pequena vai bem na escola e inclusive incentivou seus pais a retomarem os estudos. “Eu e meu marido estamos em um curso supletivo para concluir o Ensino Médio”, conta. Na sexta-feira à noite e no sábado, Estephany já chega em casa perguntando se os pais têm lição de casa a fazer. “Sentamos no sofá e estudamos todos juntos”, relata Priscila dos Santos.

A garota gosta tanto de emprestar livros na Carolina Maria de Jesus que mal chega à sua casa e corre para a biblioteca escolher um novo título. “Moramos bem aqui ao lado. Se ela vê que a janela está aberta, a Estephany vira o risco e corre para lá”.

Reformas na estrutura

Para aprimorar o trabalho desenvolvido na biblioteca, uma campanha de financiamento coletivo foi lançada pela plataforma Kickante. A expectativa é arrecadar recursos no valor aproximado de R$ 3 mil para empreender uma reforma no local e fortalecer a rede de energia elétrica, fundamental ao uso do computador que facilita o catálogo e controle dos livros.

Brasil afora

As experiências que geram o Levante Popular da Juventude começaram na periferia de Ponto Alegre (RS), em 2006, em ações realizadas por jovens universitários no Morro Santa Tereza. Desde 2011, o movimento se espalhou Brasil afora e atualmente está em 25 estados, mais o Distrito Federal. No Paraná, a juventude do Levante está presente em Curitiba, Foz do Iguaçu, Mandiritura, Londrina, Paranaguá, São José dos Pinhais, Quedas do Iguaçu, Adrianópolis e Lapa.

Caminhos comuns

O nome da biblioteca homenageia uma escritora negra, brasileira, que escreveu versos e romances na pobreza da sua juventude. Fez poesia em cadernos e papéis que encontrava no lixo, quando trabalhava como catadora de papel, em meio a um cenário de angústia, miséria, amplo analfabetismo e acesso precário à educação.  

Carolina de Jesus levou às palavras um retrato de todas essas condições. Numa favela em São Paulo, em referência ao aposento em que morava, escreveu o livro Quarto de Despejo – uma denúncia da exploração sofrida por ela e outras milhões de pessoas no país. Na obra, reflete sobre a brutalidade do cotidiano, sobre a preocupação com a falta de alimento, sobre o machismo, o racismo e a pobreza. Por fim, mostra como o mundo (mal)trata nossas crianças. Sem oportunidades, surgem poucas Carolinas de Jesus. A maior parte delas tem o grito sufocado na luta pela sobrevivência.

Em Quarto de Despejo, Carolina se recusa a ser despejada pela sociedade. E deixa público um recado:

 

Edição: Ednubia Ghisi