Venezuela

Assembleia Constituinte instalada é esperança de paz para a população venezuelana

Desde sexta-feira (04), o povo venezuelano esta representado por 545 deputados e deputadas

Caracas, Venezuela |
A cerimônia de posse dos membros da Assembleia Constituinte foi realizada no Palácio Federal Legislativo, em Caracas.
A cerimônia de posse dos membros da Assembleia Constituinte foi realizada no Palácio Federal Legislativo, em Caracas. - Divulgação

O povo venezuelano, a partir de sexta-feira (4), está representado por uma Assembleia Nacional Constituinte, composta por 545 deputados e deputadas e presidida por uma mulher, a deputada Delcy Rodriguez, ex-ministra das Relações Exteriores do país. 
A previsão é que eles já comecem a trabalhar, primeiramente em questões regimentais do funcionamento da própria constituinte, para depois debater e legislar sobre questões nacionais, como vêm dizendo, para “definir novas bases políticas, econômicas, sociais e culturais” para o país. 

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Segundo o periódico Ciudad Caracas, a Assembleia Constituinte trabalha neste sábado (5). “Aos violentos, aos fascistas, aos que travam uma guerra econômica contra o povo, a justiça chegará para vocês. Não se surpreendam porque chegou o poder constituinte originário da Venezuela”, disse a presidenta da câmara revisora.  

A solenidade aconteceu no Palácio Federativo, sede da Assembleia Nacional do país. Nos arredores, milhares de militantes chavistas se espalharam pela Praça Bolívar e arredores como a Avenida Urdaneta, Baralt e México. Nelas, havia palanques com música, locutores e lideranças populares dando seu apoio aos deputados constituintes que tomavam posse. 

As insígnias da eleição, “A Constituinte, sim, vai!”, em banners e cartazes espalhados pelas ruas, davam uma resposta direta a gigantesca oposição que o processo eleitoral sofreu por parte dos partidos de oposição e de dezenas de governos liderados pelos Estados Unidos, dentre eles, o do Brasil. O ex-presidente Hugo Chávez, falecido em março de 2013, também se fazia presente em fotos, camisetas e palavras de ordem. “Chávez não morreu, Chávez não morreu, Chávez se fez milhões, Chávez sou eu”, diziam militantes diante das câmeras as emissoras RT e Al Jazeera em Espanhol. 

Os deputados e deputadas levaram em mãos dois grandes quadros, um com a foto de Simón Bolívar e outro com a foto do ex-presidente Hugo Chávez, que foram retiradas do Palácio no início de 2016, quando tomou posse a maioria opositora no legislativo nacional do país. Ainda é uma incógnita como as duas câmaras trabalharão concomitantes. 

O padre Numa Molina foi convidado para abençoar o legislativo constituinte. “Bendizer significa que Deus pronunciou uma palavra sobre alguém, sobre um grupo, sobre um povo ou um país. (...) Dou a minha bênção para esses 545 constituintes para que Deus os ilumine e lhes dê a sabedoria necessária para que escutem sempre o povo”, disse.

O discurso presente entre os deputados eleitos, lideranças nos palanques e as pessoas nas ruas é que a Constituinte vai trazer “paz” para os venezuelanos, que viram seu cotidiano extremamente afetados pelos constantes protestos da oposição, liderada pelos partidos agrupados na MUD (Mesa da Unidade Democrática). “A Venezuela quer paz. O império ianque, nos tempos de hoje, não conseguiu deter nossa luta”, disse em seu discurso de abertura dos trabalhos, o deputado mais velho, Fernando Soto Rojas.

Neste mesmo dia da instalação da Constituinte, novamente houve protesto no Leste de Caracas, mais especificamente na Avenida Francisco de Miranda, nos arredores da Praça Altamira, tradicional foco de manifestações opositoras. Ao contrário do que vinha ocorrendo nos últimos 100 dias, os manifestantes não conseguiram fechar a maioria das ruas, embora motoristas evitassem o local por conta do histórico de ônibus queimados e apedrejados, além de ataques com explosivos a policiais em motocicletas. O metrô também funcionou normalmente em todas as suas linhas. O canal online de televisão, AYL percorreu ao vivo, de motocicleta, os protestos opositores.

COMPOSIÇÃO

A Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela é composta por 545 deputados e deputadas. Desses, 364 representam os municípios venezuelanos, sendo que as capitais têm mais de um deputado, enquanto o restante dos municípios têm um representante cada. As outras 181 cadeiras da câmara revisora são ocupadas por setores da sociedade. 

Os estudantes têm 24 cadeiras, subdivididas em estudantes de universidades privadas (3), universidades públicas (11) e estudantes das missões (10). Camponeses e pescadores têm oito cadeiras. Pessoas com deficiência e empresários têm cinco cada. Conselhos Comunais (espécie de associação de vários bairros) e aposentados têm duas fortes bancadas de 24 deputados, cada. Os indígenas elegeram, segundo suas tradições, oito representantes. A maior bancada setorial é a dos Trabalhadores, com 78 cadeiras, subdivididas em 10 categorias, que são os trabalhadores do transporte (2), serviços (14), sociais (12), comércio e finanças (11), industriais (6), independentes (10), petróleo e mineraria (2), construção civil (4) e administração pública (17). 

A cientista política venezuelana, Maria Alejandra Díaz, defende o processo, acrescentando que em seu país se está construindo um novo modelo de democracia, para ela, “mais importante que a democracia representativa”, diz. 
“A base é a democracia participativa e protagonista, com a participação de setores que historicamente eram invisibilizados. Para nós, a importância é histórica e transcendental, porque permite incluir, de maneira plural, amplos setores da sociedade que tem algo a dizer na construção do país”, explicou.

Alejandra refere-se aos deputados setoriais, que discutirão as suas temáticas específicas. “Uma democracia soberana, direta e decisória, deve ter representação de amplos setores da sociedade. Somos 3,5 milhões de aposentados, setor que se visibilizou com a revolução bolivariana. Eles vão fazer propostas para melhorar e blindar o processo democrático”, consigna a cientista política.

POVO FALA

A reportagem do Brasil de Fato acompanhou a festa chavista desde a Praça Bolívar e avenidas em redor da Assembleia Nacional. Com a alegria de quem retomou um cotidiano mais previsível sem paralisações e protestos, pelo menos nos últimos cinco dias, a população foi às ruas com suas camisetas tricolores, amarelo, vermelho e azul, da bandeira nacional. 

“Este é um processo inédito que aconteceu na Venezuela, um exemplo para o mundo. Só aqui temos democracia participativa e protagonista”.
(Carmen Ângulo, do Estado Trujillo e candidata não-eleita do setor de Aposentados)

 

“Nossa Constituinte de 1999 é uma das mais perfeita do mundo, no entanto, vamos ampliá-la e aperfeiçoá-la para acrescentar mais espaços de poder para as pessoas com deficiência. Eu como pessoa com deficiência auditiva, assim como os cinco constituintes representantes das pessoas com deficiência, apoio o processo. A comunidade de pessoas com deficiência deve estar incluída, integrada, em todos os sistemas produtivos, políticos, sociais e culturais do país”. 
(Anibal Coltat. Candidato não-eleito do setor Pessoa com Deficiência, nomeado assessor da bancada na Assembleia Constituinte.)

 

“Esses jovens que estão aqui, estão dispostos a resgatar uma pequena minoria que foi enganada com a conversa de que iriam salvar o país. É o contrário. Estão trabalhando com a pós-verdade. Aqui não poderão. Os jovens da Venezuela têm o sangue dos povos originários”. 
(Andres Uchoa, professora da Universidade Bolivariana de Venezuela. Treinador de Futebol.)

 

“Estamos aqui celebrando, contentes desse feito histórico. Nós estamos na rua, mas também buscando trabalhar, produzir, esclarecendo o tempo todo sobre essas paralisações e barricadas, dessa pequena fração de juventude da direita que está destruído nossas ruas. Nós temos diferença, queremos construir, trabalhar, produzir, para seguir em frente, não depender dos empresários que não produzem, que só sabem empacotar produtos e querem vender a preços altos para desvalorizar nossa moeda. Nós estamos claros dessa estratégia e por isso estamos aqui, na luta, com paz, harmonia, trabalho social, construindo e criando uma pátria nova”. 
(Humberto Duque. Movimento Revolucionário de Ciclismo Urbano e Movimento Ecológico Venezuelano.)
 

 

"Quero dar a conhecer a juventude do Brasil: é muito distorcida a informação que está chegando da Venezuela para outros países. Não acreditem completamente no que cai nas redes sociais, inclusive nos meios de comunicação do seu país, porque são capazes de mudar as informações. Nós aqui estamos fazendo a luta, fazendo na parte cultural, nos fazendo conhecer e ressaltando o ciclismo urbano e a capoeira que vem dessa terra tão bonita que é o Brasil "
(José Perez. Movimento Revolucionário de Ciclismo Urbano e Frente Francisco de Miranda)

 

"A Constituinte é muito importante porque no dia das eleições ganhamos coisas muito importantes para o país como a paz entre pessoas que querem o bem para o país. A Constituinte nos abriu muitos campos, quando temos várias representantes. Esperemos que façam bem seu trabalho."
(Jessica Cavallera, 25 anos, designer gráfico)

 

“Mando uma mensagem a Trump, que não se mete nunca mais com Venezuela, porque nós não somos títeres. Queremos nossa pátria, que respeite a Venezuela”.
(José Carlos, militante político)

 

“Nestes 18 anos vemos que nosso comandante Chávez era feminista e nos deu muitas tarefas na revolução. Em nossa assembleia, esperamos delas, o trabalho constante”.
(Rebeca Hernández, lutadora da Frente Francisco de Miranda)

 

"Estamos contentes, aqui na Venezuela, vamos constitucionalizar todas as conquistas que logramos realizar nesses 17 anos e que nos deu nosso comandante gigante, Hugo Chávez Frias".
(Enrique Aguero, militante do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela))


 

Edição: Camila Salmazio