Argumentos frágeis

Delações devem ser mais checadas e menos seletivas, dizem juristas

Criminalistas, acadêmicos e políticos dizem que anúncio de Janot, de que pode cancelar delação de empresário, mostra fal

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Episódio mostrou que as suspeitas de que tribunais e MP têm feito um jogo com delatores tendem a ser verdadeiras
Episódio mostrou que as suspeitas de que tribunais e MP têm feito um jogo com delatores tendem a ser verdadeiras - Antônio Cruz/ Agência Brasil

O anúncio feito na segunda-feira (4) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de que abriu investigação para apurar os últimos trechos dos áudios e informações repassadas por Joesley Batista e que pode vir a cancelar a delação premiada dos donos da empresa JBS por apresentarem omissões, foi o grande tema na capital do país hoje (5). Tanto entre parlamentares, como entre advogados e juristas, as principais constatações foram de que o caso fragiliza ainda mais o instrumento da delação premiada, revela que é preciso acabar com a seletividade política das apurações e, principalmente, mostra que todas as informações repassadas por delatores precisam ser investigadas a fundo, como exige a lei – o que nem sempre tem sido observado.

De acordo com advogados e juristas ouvidos pela RBA, o episódio mostrou, principalmente, que as suspeitas de que tribunais e o Ministério Público Federal têm feito uma espécie de jogo com supostos delatores, usando a prisão como moeda de troca para que falem apenas o que delegados e procuradores desejam, tendem a ser verdadeiras.

Segundo o advogado Luiz Fernando Pacheco, mais que nunca, os trabalhos da Lava Jato precisam ser continuados, daqui por diante, “baseados na verdade real e não no que querem que seja tido como verdade a partir de interesses políticos de qualquer lado”.

“Sempre vi a delação premiada com reservas.  É um instrumento em que a forma como vem sendo aplicado, embora nenhuma autoridade admita, mas os fatos que aí estão demonstram, é o uso de ameaças de que os delatores podem ser presos indistintamente se não disserem o que os delegados e procuradores desejam. Há uma moeda de troca com a negociação das delações e o delator termina sendo impelido a falar o que a autoridade quer que ele fale”, afirmou Pacheco, que em entrevistas anteriores já chegou a afirmar que “na tentativa de destruir uma corrente de pensamento, estão destruindo os fundamentos da democracia no Brasil”, ao se referir a investigações e posições de magistrados diversos.

O advogado destacou que uma prova disso são investigações arquivadas recentemente, porque as informações prestadas por delatores não foram comprovadas. De acordo com ele, “o instrumento da delação premiada não pode ser tratado de maneira açodada pelo Procurador da República, nem qualquer outra instituição.

Pacheco analisa que a credibilidade do MPF e dos demais operadores da Lava Lava Jato também está abalada, mas ele espera que a partir desse fato que levou a desgastes nos trabalhos, as atividades da operação tendam a tomar um novo rumo.

‘Divisor de águas’

O diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), criminalista Fábio Tofic Simantob, afirmou que o ocorrido revelou a distinção grande existente entre o que é delação premiada e o que é verdade.

“A conclusão a que se chegou com os últimos acontecimentos é de que não podemos confiar somente nos delatores. Infelizmente, a regra da lei não se aplica na prática, de que a delação serve apenas como um caminho para que sejam feitas as investigações. Essa distorção corrobora a versão das seletividades das investigações. Vejo o episódio, portanto, como um divisor de águas”, disse.

Já o advogado criminalista e professor de Direito Penal da Universidade de Brasília (UnB), Pedro Paulo Castelo Branco, juiz federal aposentado, considera que o caso fragiliza a delação feita por Joesley Batista, mas não as anteriores. O criminalista acha que houve precipitação por parte da PGR em relação ao episódio e também pelo próprio procurador-geral.

“Em primeiro lugar, Janot deveria ter periciado o áudio divulgado lá atrás da conversa entre Joesley Batista e o presidente Michel Temer. Depois, deveria ter analisado com todo o cuidado a situação do ex-procurador, Marcelo Miller – que deixou o cargo para trabalhar num escritório de advocacia que atua junto às empresas JBF – que atuou por muito tempo como seu assessor direto. E por fim, ter checado todas as informações”, observou.

Para ele, “tudo leva a uma situação de dúvidas atrozes contra a delação, embora eu concorde em parte que o que está acolhido em termos de provas deve ser contido. O que foi feito anteriormente, deve continuar valendo”, ressaltou.

O criminalista também destacou a situação do Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que na gravação revelada no fim de semana, uma conversa flagrada entre Joesley Batista e um dos seus assessores, cita quatro ministros do tribunal. “O STF ficou à baila, virou um alvo. É preciso que se esclareça quem são estes ministros para que o Judiciário possa voltar a atuar em sua normalidade”, destacou ele.

“Mais que qualquer coisa, o episódio mostrou que é preciso cautela quando se fala em delação premiada, seja para quem for, se o presidente da República ou outra pessoa”, acrescentou.

Do STF, o único ministro a se pronunciar foi Marco Aurélio de Mello que disse querer saber o nome dos citados na gravação. “Quero os nomes. Simplesmente dizer que há envolvidos deste ou daquele órgão não basta, isto precisa ser esclarecido”, ressaltou.

Por parte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o presidente da entidade, Claudio Lamachia, disse considerar gravíssimos os fatos relatados nas últimas 24h pelo procurador-geral Rodrigo Janot.

‘Lei para todos’

“A sociedade ficou, por muito tempo, indignada com os benefícios concedidos aos empresários que admitiram cometer diversos crimes contra o Estado e contra a sociedade brasileira. A OAB “espera que a lei possa valer igualmente para todos”, afirmou. “Não existe processo válido sem que a lei seja respeitada”, acrescentou.

No Congresso, foi instalada hoje a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar irregularidades e pagamentos de propinas nos contratos formalizados pelo grupo JBS nos últimos anos por meio de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Os parlamentares da base do governo e da oposição se dividiram em declarações sobre o caso. Por parte do governo o entendimento é de que há alívio no Palácio do Planalto e que a divulgação das últimas gravações pode reduzir os efeitos da próxima denúncia a ser apresentada por Janot contra o presidente Michel Temer. Por parte da oposição, uma coisa nada tem a ver com a outra.

“O fato de Janot ter admitido a possibilidade de irregularidade no processo de delação dos executivos da JBS e defendido que provas comprovadamente infundadas não sejam usadas no processo mostra que é preciso ter cautela no oferecimento da denúncia contra o presidente Temer daqui por diante’, disse o deputado Sóstenes Cavalcanti (DEM-RJ).

Cavalcanti foi rebatido por Henrique Fontana (PT-RS). “O que dá veracidade a uma delação é o conjunto de provas e não apenas alguma falha na delação e os aliados de Temer se apressam sempre em tentar retirar a credibilidade, tanto do procurador geral da República como dos delatores.

“O Joesley é um grande criminoso, mas os fatos que ele tem relatado estão se confirmando com provas robustas”, afirmou Fontana, ao afirmar que o episódio citado por Rodrigo Janot na última sexta-feira consistiu em apenas um caso – tanto é que o procurador-geral deixou claro que as informações anteriores continuam todas válidas.

Fontana citou como exemplo “a mala de dinheiro que saiu de dentro daquela pizzaria, na mão de um deputado federal que é da estrita confiança de Michel Temer”, referindo-se ao ex-deputado Rocha Loures, que até pouco tempo atrás foi assessor do Palácio do Planalto.

Edição: RBA