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Integração

“Venezuela segue resistindo porque temos maturidade política”, afirma diplomata

Edgar González Marín analisa o cenário em seu país e o golpe dado no Brasil

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Marín: "Tem que existir oposição, mas séria, que proponha saídas verdadeiras"
Marín: "Tem que existir oposição, mas séria, que proponha saídas verdadeiras" - Larissa Costa

Há quase dois séculos, os Estados Unidos mantêm uma clara política de ingerência na América Latina, não admitindo que os povos do continente definam seus rumos com soberania e autodeterminação. Não é diferente com a Venezuela, que, desde 2013, enfrenta mais uma tentativa de golpe em seu território, dirigida desde fora, com participação ativa dos grandes meios de comunicação, uma oposição de direita irresponsável, ações violentas de grupos fascistas e guerra econômica, cujo objetivo é impor o caos, inviabilizando o governo apoiado pela maioria da população.

Para discutir essas questões, o Brasil de Fato MG conversou com o cônsul-geral venezuelano, Edgar González Marín.

Brasil de Fato MG - Apesar de conhecermos pouco a história da Venezuela, sabemos que há uma luta muito antiga de libertação do país. Qual a importância de situar a Venezuela na luta por sua soberania nacional?

Edgar González Marín - Nós temos uma história de luta política, quiçá desde nosso libertador, Simón Bolívar, quando, em 1823, se começa a falar da Doutrina Monroe. Essa doutrina falava de América para os norte-americanos. E Bolívar foi o primeiro homem que escreveu sobre a ameaça do norte da América para os outros países, contrapondo a Doutrina de Monroe à Doutrina Bolivariana, a doutrina da integração latino-americana.

Desde então, são 194 anos. Os Estados Unidos, por meio de seus governos, têm desenvolvido políticas para o restante da América Latina. Instalaram governos ditatoriais, os que mais convinham aos interesses norte-americanos. Depois, no século XX, temos visto a ingerência, que vai se aprofundando e tomando a América Latina como pátio traseiro de sua casa. Também há que falar do Plano Condor e do Consenso de Washington. As ditaduras nos anos 70.

Então, a eles preocupa muito que os países tenham líderes que se preocupem em divulgar, de alguma forma, a integração latino-americana, a soberania e a autodeterminação dos povos, a Doutrina Bolivariana. Isso é o que tem acontecido, por exemplo, com os governos progressistas, como o governo cubano, com todo o bloqueio que fazem contra a Nicarágua, Venezuela, Bolívia, Equador, entre outros.

Nós seguimos com o espírito de luta deixado por Simón Bolívar e o resgate feito por nosso comandante eterno, Hugo Chávez, militar revolucionário bolivariano.  Nesse espírito, Chávez com outros companheiros, outros militares também revolucionários e parte do povo tentam em 1992 uma insurreição cívico-militar. A tentativa foi uma resposta ao Cararacazzo de 1989. Houve uma convulsão social porque o governo, naquele momento, aplicou uma medida do Fundo Monetário Internacional e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. E havia gente com capacidade, com visão política, como foi nosso comandante, que foi pela insurreição cívico-militar e, além disso, assumiu a responsabilidade, ante o povo e o mundo, de que, por ora, não tínhamos alcançado nosso objetivo, mas seguíamos na luta.

E o Comandante Chávez se recoloca bem, junto ao que foi Bolívar, Miranda, Zamora, de todos esses libertadores, nossos patriotas, que nos antecederam na história. E nós temos o compromisso de seguir lutando por um país soberano, com autodeterminação.

Como tem sido o boicote dos empresários na economia e os atos terroristas que a direita patrocina na Venezuela hoje?

A guerra econômica começa na época do presidente Chávez, quando, na campanha em 1998, ele propôs um referendo para fazer uma assembleia nacional constituinte e aprovar uma constituição que substituiria a constituição de 1961. Ganhamos as eleições com 58% dos votos e fizemos um referendo consultando o povo. Em tudo se consulta ao nosso povo. E, de fato, são incluídas depois novas leis, como a Lei de Terras, Lei de Pesca, etc. Isso afetou os grandes empresários da oligarquia e os interesses dos Estados Unidos na Venezuela. Aí começa a guerra econômica e, por consequência, o golpe de Estado em 2002. Houve greve petroleira, insubordinação tributária, sequestraram nosso presidente, mas o povo, conscientemente, foi às ruas.

Atuaram os meios de comunicação da oligarquia, como um poder irmão para ajudar o golpe de Estado. Depois, o presidente Chávez desenvolveu uma política de comunicação, abrindo espaços para os meios de comunicação alternativos: as rádios comunitárias, TV’s comunitárias. Então, há um cenário muito diferente de 2002. Já naquele momento, os meios de comunicação atuaram mais juntos, como partido político, para que ocorresse o golpe de Estado.

Tem sido uma luta permanente. E se aprofundou ainda mais a guerra econômica, em função de que havia maior boicote econômico, desenvolveram um plano de “golpe suave”, em várias etapas: ignorando os poderes, tomando e incendiando as ruas.

A comunicação também é uma etapa desse “golpe suave”?

Claro! Os meios de comunicação têm um papel fundamental.

Entretanto, mesmo com todo o boicote, com a baixa induzida dos preços do petróleo, que chegou a 24 dólares por barril, com empresários que são apátridas, com uma oposição de direita fascista, o governo segue investindo na área social e chamando ao diálogo. Desde Chávez até agora, chamamos a oposição ao diálogo para dar uma saída ao nosso país. Tem que existir oposição, mas oposição séria, que proponha saídas verdadeiras, não este tipo de oposição, que chegou ao extremo do fascismo. Foram 110 dias nas ruas, em regiões muito específicas da burguesia e classe média, onde se concentravam nas guarimbas [protestos violentos, espalhados por áreas residenciais, com fechamento de ruas]. Este ano, foi preocupante ver que essa atitude da direita levou a queimar um hospital, uma creche. Queimar pessoas é um ato fascista!

E qual a importância da Assembleia Constituinte?

O presidente Maduro, seguindo a Constituição, chamou uma Assembleia Nacional Constituinte. Realizaram-se eleições no dia 30 de julho, amparadas no artigo 348 da nossa Constituição, onde se convoca o poder originário, buscando uma saída para termos paz em nosso país, soberania, novos objetivos, uma economia pós-petroleira, aprofundar a democracia participativa, entre outras coisas. E bem representativa, pois temos 545 deputados constituintes, dos quais 365 são deputados territoriais, o que significa que cada município do nosso país tem um representante. Além disso, 176 deputados por setores, e, inclusive, o setor empresarial está representado aí, os indígenas, agricultores, camponeses, pescadores, aposentados e pensionistas, os jovens, que cumprem um papel fundamental. Uma assembleia nacional bem representativa do nosso povo. E estão trabalhando, lutando, implantando saídas, com um plano proposto pelo presidente, com 15 motores econômicos, para desenvolver uma economia que não dependa da renda do petróleo.

E não é obrigatório votar na Venezuela, não é?

Não é obrigatório o voto, mas as pessoas vão. Na Assembleia Nacional, tivemos uma vitória com 8.320.000 votos. Agora, teremos outro processo eleitoral, em 15 de outubro, para eleger governadores patriotas, que lutem por nosso país. Não se pode falar de ditadura onde temos um país com tantos processos eleitorais, onde os jornalistas inclusive ofendem nosso presidente e nem por isso são censurados. É orquestrado e, detrás disso, o império norte-americano e as oligarquias do país. Como a oligarquia do Brasil e a oligarquia colombiana, as oligarquias venezuelanas têm muitos recursos para manipular os meios de comunicação.

Morando aqui no Brasil, como você avalia a cobertura da mídia brasileira sobre o que acontece na Venezuela?

Os meios de comunicação da América Latina estão agrupados na Sociedade Interamericana de Imprensa, que é um organismo privado que reúne todos os meios de comunicação das oligarquias dos diferentes países. Os meios tradicionais, como Globo, Band, têm a mesma linha editorial, que pode ter El Mecurio, no Chile, Clarin, na Argentina, etc.

Isso é preocupante, pois o que chega aos brasileiros, por exemplo, é essa notícia da Globo sobre a Venezuela. Eu creio que o fundamental em um canal de televisão ou rádio ou jornal seria escutar um lado e outro lado também. Quando vem um opositor da Venezuela, dão cobertura grande, dizem que há ditadura, entre outras coisas. Como há ditadura em nosso país se, em 18 anos, fizemos 22 processos eleitorais?

Mas qual a perspectiva, na sua avaliação, das ameaças de Trump?

É imprevisível o que diz o presidente dos Estados Unidos, ameaçando os povos do mundo. Vimos como, na última reunião da ONU, em um cenário multilateral, se deveria falar de paz e ele fala de guerra, invasões, Coreia do Norte, Venezuela... Estamos preparados para qualquer coisa. A Venezuela segue resistindo porque temos maturidade política. Muitos países estão ao nosso lado e há muita solidariedade, como da China, Rússia e Índia. Temos intercâmbios nas áreas alimentar e farmacológica, entre outras.

Como você avalia o Brasil, que está vivendo um golpe e, diferentemente da Venezuela, não teve aqui governos que politizaram o povo?

Na minha opinião muito particular, há gente de muito valor no Brasil, muita consciência e que seguirá lutando. Vemos como este governo [Temer], que emite opiniões contra nós, não tem vergonha de falar a um país onde ele deu um golpe. Todos sabem disso. Entretanto, há um povo que segue lutando, um país muito grande e importante para toda a região, para a América do Sul, a América Latina e todo o mundo. É importante fortalecer os organismos de integração dos povos, respeitando a soberania e a autodeterminação de cada um.

Edição: Frederico Santana