Judiciário

Análise | Estado policialesco, mídia relatorial: a Lava Jato nos acostumou ao absurdo

Suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, investigado por corrupção, é um retrato do nosso tempo

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Luiz Carlos Cancellier foi preso e impedido de cumprir jornada de trabalho na universidade
Luiz Carlos Cancellier foi preso e impedido de cumprir jornada de trabalho na universidade - Divulgação UFSC

Desde 2014, o brasileiro está se acostumando a viver em um Estado de exceção. As regras do processo penal, uma a uma, foram desprezadas. O Poder Judiciário está acima de qualquer outro. A polícia tem o monopólio da violência e da verdade. E o jornalismo, que poderia ser uma tábua de salvação, tornou-se porta-voz do absurdo.

Em vez de checar, investigar, o jornal apenas repete o conteúdo das acusações como se não houvesse recurso. O espaço dedicado ao “outro lado”, à versão dos advogados de defesa, é só um protocolo no pé da matéria: um simulacro da imparcialidade jornalística.

Antes da operação Lava Jato, essa regra já valia para os pobres, favelados. Agora, nem os ricos e engravatados escapam. Não há nenhum questionamento aos métodos da Polícia Federal nem do Judiciário. Os inquéritos são como peças sagradas, onde se encontra a verdade universal. É como se o direito de defesa e a presunção de inocência fossem obstáculos que precisam ser driblados, e não respeitados. 

O suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que completa uma semana nesta segunda-feira, é produto do Estado policialesco e de uma mídia que legitima e amplifica o alcance da violência. 

O pré-julgamento sofrido por Luiz Carlos Cancellier durante a operação Ouvidos Moucos, em setembro, não parecia digno de nota. Afinal, na Lava Jato, esse tipo de linchamento público acontece todo dia. Até o momento em que o reitor, afastado de suas funções, comete suicídio.

A delegada Erika Marena, que mandou prender o então reitor sem necessidade, participou da força-tarefa da Lava Jato até dezembro do ano passado. Não é coincidência. Ela está acostumada ao espetáculo e à politização da Justiça. Mesmo que a prisão desafiasse o bom senso, Erika Marena sabia que sua ação seria legitimada pelos jornais.

Até quando vamos instigar o ódio e reproduzir a violência?

Se o Poder Judiciário, a Polícia Federal e os barões da mídia não fizeram uma autocrítica até agora, não se pode esperar nada diferente dos leitores e telespectadores. Narcotizados por uma cobertura irresponsável e passiva, muitos brasileiros esquecem, dia após dia, quais são os limites de um Estado de Direito. 

Edição: Mauro Ramos