Minas Gerais

Alerta geral

Níveis de água para abastecimento em Minas Gerais são piores que 2015

População de 59 cidades mineiras já passam por rodízio, chegando a cinco dias sem água

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Diversos municípios vivem rodízio de 48 horas sem água
Diversos municípios vivem rodízio de 48 horas sem água - Reprodução/Paracatu News

"Hoje é um dos dias que eu fico 36 horas sem água”, conta William Santos Nascimento, morador de Pedra Azul, no Vale do Jequitinhonha. Parece brincadeira, mas William começou a contar seus dias em 36 horas. Pedra Azul está em racionamento desde 4 de outubro e implantou o sistema de rodízio nas residências de 36 horas com água e 36 horas sem. Essa realidade atinge 60 munícios mineiros incluindo, ironicamente, a cidade de Água Boa. 

Em Paracatu, no Noroeste de Minas, o cenário é “caótico”, segundo o agricultor familiar Joaquim Carlos Mendes. No revezamento da Copasa na cidade, a população recebe quatro horas de água por dia, mas muitos cidadãos reclamam que estão sem abastecimento há mais de uma semana. “Eu trago água para a cidade porque tem gente há cinco dias na seca”, conta Joaquim. 

Já em Montes Claros, no Norte do estado, as residências ficam 48 horas sem abastecimento, sob o rodízio de dois dias sem e um dia com água. “Moram aqui em casa cinco pessoas e a caixa não é suficiente”, indigna-se o morador Guilherme da Rocha. Na cidade, aumentaram as perfurações de poços artesianos como solução individual do problema. “Quem tem condição perfura poço. Quem não tem, fica na seca”, diz Guilherme.

Raio-x: 59 cidades sem água

Segundo informação da Companhia de Abastecimento e Saneamento (Copasa), 33 municípios mineiros abastecidos pela empresa estão em rodízio de água. As piores situações são das cidades de Iapu e Engenheiro Caldas, que recebem água apenas um ou dois dias por  semana, dependendo do bairro. Já em Teixeiras, Entre Folhas, Catuti, Sobrália, Tarumirim e Montes Claros, a população passa por até 48 horas sem água.
Das cidades do Norte e Nordeste de Minas, atendidas pela Copanor, são 11 cidades em sistema de rodízio. Outras 15 cidades mineiras, que possuem sistema próprio ou privado, também estão em racionamento ou no seu prenúncio, segundo denúncias de moradores ou declarações das prefeituras. 

O motivo da falta de água seria, segundo a Copasa, o longo período sem chuvas e a diminuição do volume de água nos mananciais para captação de água. 

Níveis de água mais baixos que 2015

O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) aponta que 50% das estações de abastecimento em Minas Gerais estão abaixo do volume mínimo esperado para este mês e são classificadas em estado de “restrição”. Nesses casos, a captação para consumo humano e animal deve ser reduzida em 20%, a irrigação em 25%, consumo industrial e agroindustrial em 30% e demais finalidades em 50%.

A comparação com o ano de 2015, quando Minas Gerais enfrentou uma de suas maiores crises hídricas, assusta. O estado passa hoje por níveis de água ainda mais baixos que em outubro de 2015. A Região Metropolitana de BH ganha destaque, pois tem suas três estações “no vermelho” - em situação de restrição. A mais importante delas, a Estação Santo Hipólito, que capta água no Rio das Velhas, esteve em setembro com a média de 16 metros cúbicos por segundo, o que significa um terço do mínimo necessário. 

Indignação bate à porta e cidadãos se mobilizam

Em Arcos, a população organiza um abaixo-assinado cobrando soluções do serviço municipal de água. Eles pedem que o Ministério Público interceda e exija o abastecimento urgente das residências. Em Paracatu, a população foi às ruas em protesto no dia 18 de outubro.

Já em Montes Claros, a Frente Brasil Popular solicita uma audiência pública em caráter regional, envolvendo municípios que serão afetados pela nova obra da Copasa, que vai captar água no Rio São Francisco. Organizam também um projeto de lei municipal para diminuir a plantação de eucalipto na região. 

Uns economizam, outros destroem água: a mineração pode ser uma tragédia em MG

 

Com a falta de chuva, Minas Gerais chegou a um estágio de alto risco de desabastecimento de água, e economizar o recurso pode se tornar uma questão de sobrevivência. As pessoas passam a vigiar o vizinho lavando a calçada, o carro e desperdiçando água. Mas quem se preocupa em vigiar a mineração, que gasta e também “destrói” as águas no estado?

As mineradoras de ferro e bauxita utilizam água em duas fases. A primeira delas para lavar o minério, separá-lo dos rejeitos e britá-lo. Essa água fica contaminada e passa a ter um alto custo de tratamento para servir ao consumo humano. A segunda é a retirada de águas subterrâneas para chegar ao minério mais profundo.

As mineradoras literalmente quebram os reservatórios de água que existem embaixo da terra. Elas bombeiam a água limpa para fora e retiram o minério que funcionava como uma caixa d’água, destruindo essa reserva natural. “Ao fazer isso, muitos córregos e nascentes secam. Diminui a produção de água que vai para os rios e por isso o Rio das Velhas e o Rio Paraopeba estão com muito pouca água”, segundo explica o ambientalista Gustavo Gazzinelli. 

Três centavos por metro cúbico

E causando essa destruição toda, a mineradora paga muito pela água, certo? Errado. Segundo a Agência de Bacia Hidrográfica Peixe Vivo, que determina a cobrança pela água na Bacia do Rio das Velhas, os empreendimentos de mineração pagam a mesma quantia que qualquer indústria e que a Copasa: em média R$ 0,03 pelo metro cúbico. O valor é 280 vezes menor que os R$ 8,30 pagos pelos consumidores no preço final da Copasa.

A realidade é ainda pior na maioria das bacias de Minas Gerais. O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) afirma que apenas 12 Unidades de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos cobram algum valor pela água. Empreendimentos minerários não pagam nada pelo uso e extração da água em 24 bacias hidrográficas de Minas. 

O IGAM não informa a quantidade de água que a mineração utiliza atualmente no estado. No entanto, o integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) Luiz Paulo Guimarães, conta que essas empresas planejam retirar 20 mil metros cúbicos de água por hora, através de oito dutos construídos até o mar – os minerodutos. Quatros desses projetos já estão construídos, um da empresa Anglo American, que sai de Conceição do Mato Dentro, e três da Samarco, que saem de Mariana. A quantidade pretendida poderia abastecer 3 milhões de pessoas, segundo Luiz Paulo, além de causar mais diminuição da “produção” natural de água.

“Todas as nascentes em volta do manancial onde o mineroduto capta água são prejudicadas. Várias secam ou diminuem a vazão”, explica. Além disso, as cidades que estão no trajeto do mineroduto teriam seus brejos, córregos e nascentes também impactados. “O mineroduto precisa fugir dos morros e vai andando sempre pelas baixadas. Isso traz consequências que vão desabastecer comunidades ao longo da trajetória do duto”, completa o militante.

Um caso de vitória: a população que barrou o mineroduto

Assim que começaram a receber visitas de funcionários da mineradora Ferrous Resources, moradores de Viçosa passaram a se preocupar. Os funcionários anunciavam a construção de um mineroduto que iria atravessar o terreno ou a casa de moradores de 22 cidades de Minas e Espírito Santo, saindo de Congonhas (MG) e chegando a Presidente Kennedy (ES). 

A população, indignada, se organizou através da “Campanha Pelas Águas e Contra o Mineroduto da Ferrous” com apoio de movimentos populares, prefeituras das cidades atingidas e da Universidade Federal de Viçosa. Foram seis anos de inúmeras assembleias e manifestações. E enfim, em junho de 2016, as prefeituras de Viçosa e Paula Cândido revogaram a autorização do mineroduto.

Essa história foi documentada no vídeo “Eu Estou Aqui”, recém lançado, e pode ser visto aqui.

Edição: Frederico Santana