Diplomacia

Bloqueio dos EUA é "genocídio", diz diplomata cubano

Em entrevista, responsável por diplomacia no Brasil analisa mudanças promovidas por Trump na relação entre países

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

O republicano Donald Trump, responsável pelo retorno à política de hostilidade a Cuba
O republicano Donald Trump, responsável pelo retorno à política de hostilidade a Cuba - Gage Skidmore

Atualizada às 18h10, para acréscimo de informações

Todos os anos, os países integrantes da Assembleia das Nações Unidas se posicionam em relação ao bloqueio econômico promovido pelos EUA contra Cuba. Nesta quarta-feira (1º), uma nova votação foi realizada na ONU e a medida foi mantida, com os votos de Estados Unidos e Israel, países que, historicamente, se posicionam desta maneira.

Rolando Gómez González, encarregado de negócios interino da Embaixada de Cuba no Brasil, concedeu uma entrevista exclusiva ao Brasil de Fato analisando as mudanças nas relações diplomáticas entre seu país e os Estados Unidos após a eleição de Donald Trump. Desde o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff, Cuba não tem embaixador no país. Assim, González é o representante das relações diplomáticas entre as nações.

Para ele, a administração republicana de Trump é “um retrocesso”, ao retomar a hostilidade e o bloqueio contra Cuba, que ele chama de “genocídio”.

Confira os melhores trechos da entrevista:

Brasil de Fato: Cuba vem passando por mudanças no modelo econômico. Como a mudança no clima político latino-americano e a eleição de Trump podem afetar esse processo?

Rolando Gómez González: Na verdade, Cuba tem passado por uma avaliação e por uma consulta popular sobre o sistema, o modelo econômico e social que o povo deseja. Foi feito um projeto pelo Partido, que foi objeto de análise e discussão popular no que foi, na prática, um plebiscito. Três milhões de pessoas participaram na identificação das prioridades, das projeções, e das políticas da forma que o povo queria.

Esse exercício levou ao que foi denominado como Orientações Econômicos e Sociais da Revolução Cubana. São o guia para o desenvolvimento de um plano voltado para o futuro, a partir do presente, de construção de um socialismo próspero e sustentável em nosso país.

Esse projeto vem se implementando de maneira satisfatória. É complexo, porque implica mudanças e transformações importantes na ordem econômica e na ordem social. Obviamente, há uma questão importante relacionada à busca por um maior bem-estar social, que é o bloqueio econômico, comercial e financeiro promovido pelos Estados Unidos contra Cuba. 

O bloqueio é o principal entrave ao desenvolvimento cubano?

É a principal causa que afeta nosso desenvolvimento econômico e social. Ele implica um enorme sacrifício ao povo cubano, que o qualifica  como genocídio de acordo com o Direito Internacional, pela sua própria intencionalidade de criar fome, escassez e dificuldades para asfixiar economicamente um povo. Sem dúvida, causou prejuízos, segundo os cálculos, maiores do que US$ 8 bilhões, tendo em conta a variação do dólar em relação ao ouro. Ou seja, são danos descomunais, terríveis, que foram provocados à nossa Revolução.

O próprio governo norte-americano, a partir da resistência de Cuba, reconheceu publicamente que esta política era um fracasso. Os Estados Unidos ficaram isolados da América Latina. Isolados do mundo. Por 25 anos, o bloqueio vem sendo rechaçado pelas Nações Unidas. Na última votação, foram 191 votos contra o bloqueio, apenas dois países tiveram uma posição divergente: os próprios Estados Unidos e Israel. Há uma demanda universal, unânime, contra essa política. Além de ser genocida, foi um fracasso, não cumpriu seu objetivo, só causou sofrimento ao nosso povo, que resiste histórica e heroicamente por defender seu projeto independentista e de pleno exercício da autodeterminação ante a pretensões externas que pretendem dominar e controlar nosso país.

E como a questão do bloqueio mudou com a eleição de Trump?

O governo Obama emitiu uma diretiva presidencial que reconheceu o fracasso dessa política e se posicionou pela normalização das relações com Cuba. É difícil e complicado, mas se posicionou em defessa dessa busca. Cuba viu com bons olhos. Obama inclusive defendeu o fim do bloqueio por parte do Congresso dos EUA. As relações diplomáticas foram restabelecidas. 

Com a chegada de Trump à presidência dos EUA, isso mudou completamente. Sua filosofia é um retorno à visão das administrações anteriores a Obama, de hostilidade e de recrudescimento do bloqueio. Todos estamos convocados a lutar para que nossas ideias e princípios prevaleçam. Por um mundo melhor e mais justo, defendendo as causas justas de nosso continente, incluindo Cuba. Em primeiro de novembro, a Assembleia das Nações Unidas vai se posicionar de novo, e os EUA estarão novamente isolados frente a opinião pública internacional, que é a mesma da opinião pública norte-americana, que é contra o bloqueio e quer a normalização das relações com nosso país, seu vizinho.

Até mesmo parte do empresariado dos EUA tem interesse no fim do bloqueio. Do ponto de vista cubano, o que vocês enxergam como justificativa para a manutenção dessa medida por tanto tempo?

Essa política se baseia em uma perspectiva de ingerência e de dominação. Pretensões de voltar a controlar a Ilha, uma vez que perderam o controle dela com a Revolução Cubana em 1959. O objetivo sempre foi destruir a Revolução Cubana. Isso se converteu em uma obsessão de diversos governos dos EUA: acabar com o socialismo a 150 quilômetros deles. Não abandonaram essa intenção até hoje. Essa é a motivação essencial desse bloqueio. 

Os interesses econômicos dos empresários dos EUA são deixados em segundo plano. Eles teriam grandes possibilidades em um mercado tão próximo. O bloqueio impede que a população dos EUA se beneficie de avanços como vacinas contra o câncer e tratamentos especiais que só Cuba desenvolveu. Cuba é o único país do mundo que os cidadãos dos EUA estão proibidos de visitar! Violam o direito dos próprios norte-americanos por uma obsessão política e ideológica de não aceitar um governo socialista em Cuba. Preferem afetar seus empresários, seu povo, que permitir uma Cuba socialista e revolucionária. 

Edição: Vanessa Martina Silva