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"Somos o retrato do trabalhador de amanhã" diz presidenta do sindicato dos músicos

Após 30 anos sem eleição, entidade mineira elege nova diretoria

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

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Vera Pape:  “A arte é uma questão política de primeira urgência e primeira importância”
Vera Pape: “A arte é uma questão política de primeira urgência e primeira importância” - Larissa Costa

Após um longo processo, envolvendo até questões judiciais, o Sindicato dos Músicos Profissionais de Minas Gerais conquista eleições para decidir sua gestão.

A nova diretoria foi eleita no último dia 30 e à frente do cargo está a musicista Vera Pape, presidenta da entidade.

Nesta entrevista, ela fala sobre os desafios para a representação da categoria e sobre a conjuntura política.

Brasil de Fato - O Sindicato dos Músicos existe há 70 anos e desde 1987 se tornou estadual. Desde então não houve eleições para a escolha da gestão. Agora, com esta renovação na diretoria, quais são as perspectivas para o próximo período?

Vera Pape - Durante esses 30 anos, nunca houve uma chapa de oposição, elas sempre foram impugnadas. A nossa proposta foi a primeira a conseguir disputar as eleições. Tivemos que recorrer à Justiça, porque chegou um momento em que não existia mais como romper a estrutura, que se armou de tal maneira a impedir a democracia, a renovação, a dialética e o debate de ideias. Em maio entramos com o processo, conseguimos uma liminar para ir ao pleito com mínimas condições democráticas. O que eram 40 aptos para votar se tornaram 326. Isto foi possível porque o interior teve a possibilidade de se filiar e de votar por correspondência. Eu acho que a gente conseguiu algo que sempre se negava. Porque sempre dizem que os músicos não se mobilizam, mas não se mobilizam porque nunca foram estimulados, nunca foram chamados ao debate com argumentos que permitissem exatamente fazê-los se mover. Então isso foi super expressivo, histórico e uma sinalização muito clara de que quando a gente quer algo, quer garantir como prioridade política, a gente consegue frutos. 

Você é a primeira mulher a ocupar a presidência do sindicato. Quais são os desafios e a sua expectativa em relação a isto? Como é o espaço das mulheres hoje dentro da categoria?

Existe um problema e uma dificuldade que é o machismo. A questão da relação entre os gêneros é extremamente conflitiva, é uma briga grande e cotidiana. Teremos que ter uma atenção especial para a questão do feminino. Ser uma mulher musicista é muito mais complicado do que para o homem. Temos poucas mulheres aqui no sindicato e precisamos dar o lugar, ouvir, chegar à paridade e estimular a presença dentro do sindicato. É preciso garantir condições para que elas estejam dentro do sindicato, em lugares de mando e de comando. 

Como está a situação do sindicato e quais as perspectivas de luta para a categoria?

Estamos num momento em que as contas estão bloqueadas, não sabemos como está o caixa e com o que podemos contar. Nesta diretoria, somos todos músicos e oriundos de diversos setores, como orquestras, professores, músicos da noite. O intuito é realmente avançar nosso conhecimento sobre a situação de cada um desses setores, para ter nossa voz com relação às políticas culturais. Aprofundar no debate específico de cada demanda. 

Agora, no mês de novembro, começou a valer a reforma trabalhista que vai trazer inúmeros retrocessos para todos os trabalhadores do Brasil. Esta nova legislação vai prejudicar a categoria? Qual é a situação dos músicos no cenário trabalhista atualmente?

Nós músicos, vivemos uma situação de perdas há muitas décadas. Em inúmeros lugares, é muito comum que o músico sequer exista enquanto trabalhador. Tem um círculo vicioso em relação à Lei de Incentivo. Por exemplo, há empresas que criam suas fundações, daí o dinheiro público vai para a autopromoção daquelas fundações e empresas. Via Lei, elas contratam grandes produtoras, que vão contratar grandes donos de bandas e grupos, que, finalmente, vão chegar nos músicos. E o músico não assina nada, não existe para absolutamente nada. Então não é nem autônomo. Nós somos largados, abandonados e invisíveis. Agora, neste contexto político e social, tudo fica mais complicado, todas as setas indicam para o retroceder, mas especificamente, nós, músicos, já estamos nesta situação há muito tempo. Esse quadro geral que virá para todos os trabalhadores do Brasil que é de pejotização e precarização do trabalho, nós já vivemos há muito tempo. Nós somos o retrato do que o trabalhador será amanhã. O que é interessante é que hoje, estamos dando um passo à frente, dentre tantos outros que precisamos dar, que é no sentido de lutar pela valorização da nossa categoria. Então isso para nós é um sentir de esperança.

A música e a arte também estão ameaçadas pela política atual?

Cultura não é só arte, é identidade, é a forma como as pessoas apreendem o mundo. E se você só tem uma visão do mundo, você tem um pensamento único. A arte é uma questão política de primeira urgência e primeira importância.

Hoje, no mundo, 6 grandes corporações detêm as mídias e a indústria cultural. Não se pode falar em mídias sem falar de cultura e indústria cultural. Aqui no Brasil, por exemplo, a Rede Globo controla os meios de comunicação e controla também a produção cultural. Porque ela é dona da Som Livre, que produz música, e da Globo Produções, gravadora de filmes. Ou seja, cria-se o conteúdo cultural e ecoa-se esse conteúdo dentro das suas próprias mídias. Assim eles dão a nota, como se diz, do que vai ser vendido, do que vai ser consumido culturalmente. É um negócio extremamente lucrativo e monopolizador da produção cultural. E fica novamente a história da centralização e monopólio da cultura.

Edição: Joana Tavares