Pernambuco

Pernambuco

Trabalhadores informais do Recife afirmam sofrer perseguição do poder público

Sindicalista e advogada popular veem processo de criminalização dos ambulantes por parte da Prefeitura

Brasil de Fato | Recife (PE) |

Ouça o áudio:

Enquanto abre espaços para restaurantes no Marco Zero, Prefeitura tem cerceado trabalho dos ambulantes
Enquanto abre espaços para restaurantes no Marco Zero, Prefeitura tem cerceado trabalho dos ambulantes - PH Reinaux/Brasil de Fato

Entre a entrega de uma garrafa d’água e uma passagem de troco, é preciso se manter alerta. Trabalhadores do comércio informal do Marco Zero do Recife relataram que sofrem constante perseguição por parte dos representantes da Prefeitura Municipal do Recife (PCR), que ameaçam os comerciantes e confiscam seus materiais de trabalho. No entanto, apesar dos riscos, a necessidade de conseguir fechar as contas no fim do mês, em meio à onda de crise e desemprego, parece fazer com que os chamados “camelôs” ou “ambulantes” insistam nessa forma de trabalho.
Localizado no bairro do Recife, ou “Recife Antigo”, como é popularmente conhecido, o Marco Zero é um dos principais cartões-postais da cidade. Desde 2013, a gestão do prefeito Geraldo Júlio (PSB) tem realizado na região investimento tecnológico, como o Porto Digital, e turístico, a partir de projetos como o Recife Antigo de Coração. Em decorrência disso, foram desenvolvidas obras como os Armazéns do Porto, espécie de praça de alimentação voltada aos turistas, que conta com franquias de redes de fast food e restaurantes de luxo.
Por outro lado, a Prefeitura tem proibido o trabalho dos tradicionais ambulantes, que comercializam mercadorias muitas vezes idênticas às das lojas, mas a preços mais acessíveis para a população. De acordo com a ambulante Ana Lucia, os fiscais responsáveis pelo controle urbano costumam ser agressivos em suas abordagens dos comerciantes informais.
Já na faixa dos 50 anos, Ana trabalha há cinco vendendo água e refrigerante no Marco Zero. Mãe de família e moradora de um bairro de periferia da região noroeste da cidade, sai de casa pela manhã bem cedo carregando suas mercadorias no transporte público. Costuma ficar no Recife Antigo até o fim da tarde ou início da noite. Aos domingos, quando tem evento e turista circulando na cidade, fica até bem mais tarde, “dependendo do movimento”.

Apesar da rotina exaustiva, o comércio informal foi a saída que encontrou para ajudar no pagamento das despesas de casa: “Está cada vez mais difícil conseguir emprego e ‘tá’ ficando difícil ser informal, também. Consigo fechar as contas no fim do mês com muita dificuldade e nem sempre consigo”.
Na opinião de Ana, a prefeitura deveria se preocupar em organizar os trabalhadores, mas sem afastá-los dos locais privilegiados para a prática do comércio: “Eles só mandam a gente sair e pronto, só que o certo seria arrumarem um lugar pra gente ficar, mas sem ser nessas ruas ‘mortas’ ou desertas”.
Edna Maria, também comerciante no Marco Zero, já teve suas mercadorias confiscadas pelos representantes do poder público. “[Os ficais] tomaram as mercadorias da gente, disseram que não pode trabalhar aqui porque é um ponto turístico”, conta. Para recuperar seu carrinho e produtos, Edna conta que é preciso pagar R$280, quantia alta para seu padrão de vida: “Moro com meus filhos, pago aluguel, água, energia... tudo sozinha”, explica.
Representantes dos Ambulantes
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comercio Informal (Sintraci) Edvaldo Gomes, o poder público realiza um processo de criminalização do comércio informal e não se preocupa em organizar os trabalhadores, mesmo que já sejam mais de cinco mil pessoas nesse ramo só no centro do Recife. “São muitas as queixas [dos ambulantes], a maior delas relacionadas ao abuso de poder e repressão os trabalhadores”, fala. Além disso, Edvaldo falou que é comum o confisco de mercadorias, seguido da cobrança de valor abusivo ao trabalhador que deseja recuperá-la.
Segundo o sindicalista, o Sintraci já apresentou propostas de fazer shoppings populares em locais de comércio popular, como Avenida Conde da Boa Vista e da Dantas Barreto, mas que não foram impulsionadas pela Prefeitura. No entanto, na opinião dele, o Recife Antigo se difere um pouco desses locais por ser um ponto mais turístico, de cultura e lazer, o que poderia exigir outras estratégias, mas um passo importante já seria realizar o cadastramento dos profissionais do ramo atuantes nesse local.
De acordo com Luana Varejão, advogada do Centro Popular de Direitos Humanos, coletivo de assessoria jurídica popular que acompanha alguns trabalhadores informais de determinados pontos do Recife, o Marco Zero tem se tornado um espaço elitizado, daí a tentativa de barrar as formas comércio informal, que não se enquadra nessa ideia de cidade com área turística e portuária que vem sendo produzida.
A advogada reforçou, ainda, que existem casos de violência, ameaça e perseguição aos trabalhadores, além de se criar uma dificuldade para renovar licenças para que alguns ambulantes trabalhem. “A gente tem visto a prefeitura praticas uma ação higienista, de limpeza do espaço urbano, do trabalhador informal tão histórico na cidade do Recife. Principalmente nas áreas de grande circulação, áreas turísticas onde se está fazendo grandes investimentos, como o Marco Zero. Não existe um esforço ou uma tentativa da prefeitura de reordenação do comércio informal”, afirma.
O Brasil de Fato Pernambuco entrou em contato por telefone e por e-mail com a Assessoria de Comunicação da Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano do Recife. No entanto, não obtivemos resposta quanto aos questionamentos apresentados.

Edição: Monyse Ravena