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Venezuela reivindica certificação da segunda maior reserva de ouro do mundo

Descobertas de novas jazidas nos últimos anos despertou interesse de empresas internacionais

Brasil de Fato | Carracas (Venezuela) |
O fundo de investimento social terá controle da população.
O fundo de investimento social terá controle da população. - TeleSur

Além de ter a maior reserva de petróleo do mundo, a Venezuela pode chegar a ser o segundo país com a maior jazida de ouro. O governo venezuelano solicitou, recentemente, a certificação de suas reservas provadas de ouro junto a agências internacionais do Canadá, África do Sul, Chile e Angola.

A atividade mineira, apesar de suas controvérsias, pode significar uma nova chance para os venezuelanos de recuperar sua economia, estabelecer novos modelos de produção mineira e aprofundar o controle popular sobre as riquezas minerais do país.

Atualmente, segundo informações divulgadas pelo presidente Nicolás Maduro, o país tem uma reserva provada de 4,3 mil toneladas e um potencial que pode chegar a sete mil toneladas de ouro, além de uma grande quantidade de diamantes e nióbio, conhecido popularmente como “ouro azul”. As reservas estão localizadas em uma área de 180 quilômetros quadrados, denominada de Arco Mineiro, ao sul do estado Bolívar, na região central do país.

Por ser um recurso econômico de grande impacto ambiental e social, o Estado venezuelano havia abdicado de fazer sua exploração em grande escala. Até 2016, a exploração do ouro no país era feita de forma artesanal e informal. A estimativa é que o país produza atualmente cerca de 26 toneladas de ouro por ano, de acordo com dados do Ministério do Poder Popular para o Desenvolvimento Mineiro Ecológico, criado em junho de 2016.

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“Essa é a primeira vez que a Venezuela tem um ministério dedicado unicamente à mineração e foi criado para atender o setor de forma prioritária. Esse ano captamos mais de cinco toneladas de ouro, comprados de pequenos mineiros. Antes disso, toda a produção de ouro era vendida por meio de contrabando e saia do país”, afirma o presidente da Missão Piar, José Ortiz. Missão Piar é o órgão dedicado à promoção do desenvolvimento social e ecológico da região explorada e está ligado ao Ministério Mineiro.

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Atualmente, 99% das 26 toneladas produzidas é feita por mineiros informais e pelo menos 21 toneladas são retiradas do país de forma ilegal, por maio das fronteiras com o Brasil e a Colômbia.

Para acabar com essas ilegalidades e transformar a atividade mineira em uma economia rentável, o governo do presidente Nicolás Maduro lançou o plano de desenvolvimento do Arco Mineiro. Além de criar uma legislação tributária específica para o setor, o governo pretende implementar uma série de iniciativas que diminuam os impactos sociais e ambientais da atividade.

Com recursos limitados devido à crise econômica e o baixo preço do petróleo, o governo venezuelano foi buscar investimentos fora do país. “Alguns países já estão fechando acordos para investir no setor, entre eles estão Rússia, China, Canadá e Angola. Já estamos na fase final das negociações para grandes projetos de exploração da atividade mineira”, afirma o presidente da Missão Piar.

No entanto, Ortiz garante que os recursos naturais continuarão no controle do Estado. “A Venezuela fixou uma posição bem clara, de que não vai entregar suas riquezas minerais para o controle de empresas estrangeiras. Os investidores que estão interessados vão fazer a exploração juntamente com o Estado venezuelano, através dos mecanismos de empresas mistas. A participação do Estado será de pelo menos 55%, o que nos garante o controle sobre as reservas”, esclarece.

Estabelecidas essas condições, as empresas continuarão interessadas, pois segundo Ortiz, a margem de lucro que permite uma recuperação do investimento é aceitável.

Ele afirma ainda que a rentabilidade da atividade mineira possibilita uma exploração com impacto ambiental controlado. Sobretudo, porque trata-se de uma das atividades econômicas com um dos maiores níveis de degradação do meio ambiente.

Outra preocupação é que no mundo inteiro, a principal característica ao redor do setor mineiro é a pobreza, apesar de ser uma atividade que gera riquezas. Cerca de 85% do ouro produzido no mundo é destinado à fabricação de joias e às reservas mundiais de riqueza de países e de famílias. Cerca de 8% é destinado à indústria de fabricação de equipamentos e aparelhos tecnológicos. O restante é dividido entre várias atividades.

A justificativa dos níveis de pobreza ao redor da produção de ouro são explicadas por Ortiz. “Acreditamos que essa questão está ligada ao nível de responsabilidade do Estado com a atividade mineira. Por isso o governo venezuelano definiu um conjunto de planos. Em primeiro lugar, 60% dos benefícios que a atividade mineira gerar serão destinados ao desenvolvimento social, quando os grande projetos começarem a ser implementados”, garante.

Novo modelo

O governo venezuelano tem o desafio de desenvolver a atividade de mineração sem causar os impactos vistos em outros lugares do mundo. “O principal fator da degradação ambiental é o ritmo insano de produção da empresas mineiras. Isso foi o que causou o acidente de Mariana, em Minas Gerais. Portanto, o governo da Venezuela tem a oportunidade de estabelecer um novo modelo de produção, onde as empresas precisam assumir sua responsabilidade, recuperar as áreas degradadas, e o Estado controlar o ritmo de produção e seus impactos”, afirma o Márcio Zonta, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), do Brasil.

Segundo Zonta, a experiência da mineração no Brasil, Peru e Guatemala é um exemplo de como a atividade mineira pode causar mazelas sociais, destruição ao meio ambiente e até mortes, devido às disputas econômicas nessas regiões. “A mentalidade que rege a mineração na América Latina é a mesma nos últimos 500 anos. Não há uma preocupação das empresas mineiras em diminuir os impactos ambientais. O uso do mercúrio e as enorme crateras abertas pelas mineradoras são deixadas para trás como uma herança maldita dessas empresas capitalistas”, observa Zonta.

Mecanismo

Em algumas regiões do estado de Bolívar, na Venezuela, a atividade mineira era controlada por algumas máfias e grupos armados que usavam a exploração do ouro como uma fonte de autofinanciamento. Por isso, o governo vem fortalecendo os mecanismos de organização popular dos trabalhadores mineiros, para retomar o controle da zona.

“Apostamos no empoderamento do poder popular para diminuir a influência dos grupos armados. Isso teve bons resultados”,  afirma José Ortiz. Ele explica ainda que, na medida em que os movimentos populares de cada uma dessas áreas mineiras avançam, os grupos armados recuam.

O segundo elemento é o controle das Forças Armadas Nacional Bolivarianas que tem um plano de criação da zona de segurança do Arco Mineiro. “Estamos avançando nesse sentido. O Estado precisa ter o controle das armas nessa região e o poder popular o controle político e produtivo dessa área. Estamos trabalhando muito forte para isso”, diz Ortiz.

Outro desafio é eliminar o corrupção sobre esse setor que pode ser o segundo motor econômico do país, depois da atividade petroleira. Além dos mecanismos de fiscalização já estabelecidos pelo Estado, o governo venezuelano está criando “controladorias populares”.

O fundo de investimento social terá controle da população. “O povo precisa participar do planejamento e da execução dos investimentos sociais. Por isso estamos estabelecendo as controladorias populares, para que a população possa ter o controle real desses recursos”, ressaltou Ortiz.

 

Edição: Simone Freire