São Paulo

Fechar período integral das escolas incentiva trabalho infantil, diz MPT a Doria

Órgão federal considera que encerrar essa modalidade trará imensos prejuízos a crianças e famílias

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Doria vem sendo contestado pela proposta de fechar períodos integrais desde setembro, mas ainda não abriu mão da ideia
Doria vem sendo contestado pela proposta de fechar períodos integrais desde setembro, mas ainda não abriu mão da ideia - Eduardo Ogata/SECOM

O Ministério Público do Trabalho (MPT) encaminhou recomendação ao prefeito da capital paulista, João Doria (PSDB), para que não seja encerrado o período integral de, pelo menos, sete escolas municipais de educação infantil – para crianças de 4 e 5 anos – na região do Bom Retiro e da Barra Funda. Para o MPT, a medida coloca em risco as crianças, deixando-as vulneráveis, por exemplo, à exploração do trabalho infantil. Situação que é combatida justamente com a educação em período integral, conforme o Plano Municipal de Educação e o Plano Municipal de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, aprovados em São Paulo nos anos de 2015 e 2016.

“A suspensão do turno integral em escolas de educação infantil trará prejuízos incomensuráveis às famílias e comunidades atingidas, violando direito fundamental das crianças à educação e das famílias à proteção à maternidade, podendo ensejar o agravamento e elevação do trabalho infantil no Município de São Paulo e outras violações de direitos de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, no período em que estão fora da escola”, diz a recomendação do MPT, assinada pelas procuradoras Elisiane dos Santos e Eliane Lucina.

Segundo MPT, São Paulo é um dos municípios com maior incidência de exploração de trabalho infantil e que a cidade não tem enfrentado o problema adequadamente. “As crianças que estão fora da escola, no contraturno escolar, estão sujeitas ao trabalho nas ruas ou em outras atividades, e também vulneráveis ao trabalho doméstico na própria família. Há muitas mães que trabalham durante todo o dia e se não tiverem escola integral assegurada às crianças de mais tenra idade, terminam por prejudicar o desenvolvimento saudável dos próprios filhos, transferindo a responsabilidade pelas atividades domésticas aos maiores, em sua maioria meninas”, explicou a procuradora Elisiane.

As procuradoras destacaram ainda que “a medida veiculada nos meios de comunicação, caso adotada, viola as diretrizes e estratégias traçadas no Plano Municipal e Nacional de Enfrentamento do Trabalho Infantil, os Objetivos do Milênio da ONU, a Convenção dos Direitos da Criança, os artigos 6º, 205, 208, I e 227 da Constituição Federal, os artigos 4º e 53 do ECA e o princípio de vedação de retrocesso social ancorado no Pacto de São José da Costa Rica”.

A medida da gestão Doria visa a abrir espaço para a criação de mais salas de aula, reduzindo o período de aulas de oito horas contínuas para seis horas, em dois turnos: as 7h às 13h ou das 13h às 19h. As Escolas Municipais de Ensino Infantil (Emei) Antonio Raposo Tavares, Paulo VI e Rodolfo Trevisan, na Diretoria Regional de Educação (DRE) de Pirituba, Antonio Figueiredo Amaral e Alceu Maynard, localizadas na DRE do Ipiranga vão perder o período integral. Já os Centros Municipais de Ensino Infantil (Cemei) Dom Gastão e Coração de Maria vão deixar de atender crianças no ensino infantil integral (4 e 5 anos).

Conforme a RBA denunciou em setembro, a medida preocupa os pais que hoje têm as crianças atendidas em período integral e organizaram a rotina de trabalho e cuidados nessa condição. O zelador de condomínio João Lima de Souza, pai de um aluno do Cemei Dom Gastão, avalia que a prefeitura não deveria prejudicar crianças para conseguir vagas para outras. “Não é justo fazer isso. O correto é abrir mais vaga construindo creche. E não tirando o pouco atendimento integral que já tem”, criticou.

Doria prometeu zerar a fila da creche até março de 2018. No entanto, limitou o número de vagas a serem criadas a 65 mil. O número de crianças na fila chegou a 132 mil em setembro deste ano, mais que o dobro da meta do prefeito.

Para as procuradoras, a prefeitura deve “abster-se de suspender turnos escolares na educação infantil ou ensino fundamental nas escolas da rede municipal, integrantes ou não do Programa São Paulo Integral, assegurando às famílias a continuidade das atividades escolares em turno integral”; e “efetivar o Programa São Paulo Integral, ampliando as vagas da educação integral previstas para o ano 2018”. Além disso, exigiram que a prefeitura apresente as medidas adotadas para o cumprimento da notificação, em 15 dias, e um plano de ampliação da educação integral no Município de São Paulo, em 45 dias.

O MPT ainda notificou a prefeitura sobre a gestão ter ignorado o pedido de esclarecimentos feito em 6 de novembro e que não está descartada a abertura de inquérito e ingresso com ação judicial. “O descumprimento da recomendação poderá caracterizar inobservância de norma de ordem pública, cabendo ao Ministério Público instaurar procedimento investigatório, firmar termo de compromisso de ajustamento de conduta, (...) ou propor a ação judicial cabível, visando à defesa da ordem jurídica e de interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como à reparação de danos genéricos causados pela conduta ilícita, sem prejuízo da apuração de responsabilidade civil e criminal”, conclui o documento.

O Ministério Público do Estado de São Paulo também abriu procedimento e solicitou informações à gestão Doria sobre a medida, na semana passada. 

Em nota, a Secretaria Municipal da Educação informou que já respondeu aos questionamentos do Ministério Público do Trabalho. "O número de pré-escolas de tempo integral na rede municipal permanecerá o mesmo no próximo ano. Esta modalidade de atendimento é prioritária na atual gestão e é oferecida sempre que a demanda permite".

Edição: RBA