Justiça

Com policiais soltos, sobreviventes do massacre de Pau d'Arco temem represálias

PMs são acusados de homicídio qualificado, constituição de milícia privada e tortura; pedido de prisão feito pelo MP

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Cena do crime onde ocorreu o Massacre de Pau d'Arco, há seis meses, continua intacta
Cena do crime onde ocorreu o Massacre de Pau d'Arco, há seis meses, continua intacta - Júlia Dolce

Os sobreviventes e familiares das vítimas do massacre de Pau D’Arco (PA) estão receosos com a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Pará que determinou, nesta segunda-feira (18), a soltura dos policiais envolvidos na ação.

Os 15 policiais responsáveis diretamente pelos assassinatos haviam sido detidos no final de setembro, com o término da investigação da Polícia Federal (PF).

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De acordo com Paulo Silva Diniz, integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na região, os familiares das vítimas estão preocupados com represálias.

“Conversando hoje com um representante dos familiares, ele disse que já viviam essa situação de insegurança, mas essa decisão reforça mais ainda esse medo de algum tipo de repressão, porque eles conviviam e convivem com uma pressão psicológica que pode resultar em uma pressão física. Isso reforça mais ainda a questão da impunidade. Reforça mais ainda que o poder público é totalmente pró-latifúndio em detrimento dos trabalhadores e da luta pela reforma agrária", denunciou.

O crime ocorreu no dia 24 de maio, quando uma ação da Polícia Militar (PM) e da Polícia Civil do estado do Pará terminou com a tortura e assassinato de dez trabalhadores rurais sem-terra, nove homens e uma mulher, na ocupação da Fazenda Santa Lúcia, em Pau D'Arco. A operação foi conduzida pela Delegacia de conflitos Agrários - DECA, com o objetivo de supostamente cumprir mandados de prisão contra os ocupantes da fazenda.

A brutalidade do crime ganhou repercussão nacional em poucas horas, levando à abertura do inquérito pela PF. Acusados de homicídio qualificado, constituição de milícia privada, fraude processual e tortura, os policiais aguardavam em prisão preventiva o julgamento em júri popular do caso. Para o advogado José Batista Afonso, que acompanha o caso, a soltura dos policiais pode atrapalhar a continuação do processo.

"Nenhuma testemunha de acusação foi ouvida ainda em juízo. Então, com a liberdade dos policiais que vão ficar agora no mesmo município onde ocorreu os crimes, a segurança e a liberdade dessas testemunhas para prestarem depoimento ficará, sem dúvida, comprometida. Algumas testemunhas estão na região, então com certeza terão resistência em comparecer em juízo para prestar a informação que tem a respeito do ocorrido", afirmou.

O advogado destacou ainda que a decisão do Tribunal de Justiça prejudica também a investigação de um inquérito suplementar, aberto para apurar possíveis mandantes do crime.

"Ele está em curso, andando muito lentamente, e não tem previsão de conclusão. Com todos os policiais em liberdade, certamente muitas dificuldades serão impostas, o que pode comprometer a conclusão desse inquérito e a investigação de possíveis mandantes do crime", disse.

Batista afirmou também que a abertura de um recurso sobre a decisão do TJ cabe apenas aos promotores do Ministério Público. A Comissão de Direito Agrário da Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB) do Pará lamentou, em nota, a soltura dos policiais.

Nesta quarta-feira (19), a decisão será analisada pelos sem-terra do acampamento Jane Julia — nome dado para a ocupação em homenagem a uma das vítimas — em uma celebração de natal organizada pela CPT e pela Liga dos Camponeses Pobres.

Edição: Vanessa Martina Silva