Análise

Eleição na Catalunha: quais os caminhos que levaram à votação de um novo Parlamento

Nesta quinta-feira (21), os 5,5 milhões de eleitores da região decidem a composição dos novos parlamentares

Brasil de Fato | Colaboração especial desde Barcelona (Espanha) |
No último dia 27 de outubro, a declaração do Parlamento catalão pela Independência foi aguardada com expectativa pela população local
No último dia 27 de outubro, a declaração do Parlamento catalão pela Independência foi aguardada com expectativa pela população local - Fotomovimiento

As eleições que definem o novo Parlamento da Catalunha ocorrem nesta quinta-feira (21), com início às 9h da manhã local (6h de Brasília) e com previsão de divulgação do resultado ao final do dia. A partir da decisão, será montado um novo governo (Generalitat), em meio à grande atenção internacional em torno das disputas por independência da região. 

Atualmente, a Catalunha tem pouco mais que 7,5 milhões de habitantes e é a Comunidade Autônoma com maior Produto Interno Bruto (PIB) da Espanha – 223,6 bilhões de euros (em 2016) –, algo em torno de 19% do PIB espanhol. Seu território, situado no extremo Leste do país, fazendo fronteira com o Sul da França, é composto por quatro províncias.

Nas últimas semanas, essa região tem travado uma batalha, institucional e nas ruas, por separar-se da Espanha. Contudo, a luta independentista atravessa séculos. Ao longo do século XX ela ganhou desdobramentos dramáticos, como durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Mas, desde a reabertura política – no final da década de 1970 –, e mais recentemente, nos últimos dez anos, novos capítulos foram adicionados a este conflito. Foram três consultas à população em forma de plebiscito, todos eles favoráveis à criação de um estatuto autonômico, ou defendendo a própria independência.

O conflito polarizou-se ainda mais nos últimos meses, quando o atual governo catalão, dirigido por Carlos Puigdemont, do conservador e liberal PDeCAT (Partido Democrático da Catalunha), declarou independência, em 27 de outubro, cumprindo com a vontade de 90% dos eleitores que foram às urnas três semanas antes, no polêmico referendo de 1º de outubro.

A demora por parte do governo catalão, entre o referendo e a declaração de independência, fez com que o cenário, que já era de polarização, ganhasse a atenção mundial. De um lado os "independentistas". De outro, os autodenominados "constitucionalistas" (ou simplesmente "espanholistas"). Esta demora, na avaliação de Puigdemont e do seu grupo político, baseou-se em um duplo aspecto. 

O primeiro, era a busca de apoio internacional para a declaração de independência, e para a posterior construção de um novo Estado. Sua tática buscava o respaldo, principalmente da União Europeia (UE), respaldo este que não veio. Tão logo a polarização tomou as ruas nos dias posteriores ao referendo, a UE e a Organização das Nações Unidas (ONU) declararam reconhecer apenas o governo espanhol, manifestação idêntica a de boa parte dos países ocidentais. 

O segundo aspecto, decorrente do primeiro, foi que esta demora, ampliando as manifestações de rua no mês de outubro, acabou por gerar um "esvaziamento" da base empresarial em seu governo com posterior pressão por este mesmo setor na região. Nas semanas posteriores ao referendo, algumas empresas (primeiro as do setor bancário, depois as do setor de serviços) declararam que iriam retirar suas sedes da Catalunha, devido à "instabilidade política". Avaliando o caráter cada vez mais à esquerda daquelas manifestações, o empresariado local preferiu o certo ao duvidoso e passou a apoiar a pressão exercida pelo governo espanhol, através do primeiro-ministro Mariano Rajoy, do hoje maior partido no Parlamento Espanhol, PP (Partido Popular), também conservador.

Nesta longa espera, a direita espanhola valeu-se das redes sociais para convocar massivas manifestações nas ruas de Barcelona. E fez isso através de perfis vinculados aos dois principais partidos que representam institucionalmente esta direita: o próprio PP e o C’s (Ciudadanos), partido ultraliberal surgido recentemente, mas que assistiu um crescimento eleitoral muito grande na Catalunha nos últimos anos.

Essas manifestações chegaram a ultrapassar, em número de manifestantes, as também massivas manifestações independentistas, e tinham a cara das manifestações pelo impeachment de Dilma Roussef no Brasil, em 2016. Ou, em outras palavras, eram os "coxinhas" que saíram às ruas com as camisas da seleção da Espanha atrás de trios elétricos. 

Composição institucional dos Independentistas

O bloco independentista é bastante amplo. Diferente dos "espanholistas", que são, em sua maioria, de direita, ao menos na Catalunha. Dentro da Generalitat, no dia da declaração final de independência (27 de outubro), das 135 cadeiras do Parlamento Catalão, 70 parlamentares votaram pelo "sim" (eram necessários apenas 68 votos a favor para que ela fosse aceita).

Entre os votos favoráveis, estavam os de integrantes do bloco "Juntos pelo Sim" (encabeçado pelo PDeCAT), da ERC (Esquerda Republicana, mais conhecida como "Esquerra") e das CUP (Candidaturas da Unidade Popular). Além destes, os independentes e integrantes do Catalunya en Comú (da prefeita de Barcelona, Ada Colau) acabaram por votar pela independência. Esta mudança,na reta final deveu-se também à forte truculência com que o governo espanhol tratou a questão nas semanas anteriores.

Violência essa que só viria a aumentar do dia 27 em diante, quando o governo acabou por prender praticamente todos os membros do primeiro escalão da Generalitat, baseando-se no polêmico e comentado artigo 155 da Constituição Espanhola. Este artigo suprime a autonomia das Comunidades Autônomas, passando o governo espanhol a controlar diretamente as instituições governamentais autonômicas. Vale destacar que este dispositivo não era utilizado desde os tempos do ditador espanhol Francisco Franco (1936-1975). Rajoy, saudoso, fez lembrar o conhecido ditador do passado.

Mas, além desta composição institucional, é necessário destacar, também, a base social por trás das manifestações, antes e depois do referendo. As CUP, a organização mais à esquerda dentro do parlamento catalão e que tem uma estrutura organizativa bastante horizontal, é um partido que surgiu há mais de vinte anos e havia hesitado, anteriormente, em participar das eleições em nível da comunidade autônoma.

No lugar, a aposta das CUP foi a de ocupar espaços nos governos municipais, pois acreditavam que estes eram locais "legítimos" de exercício do poder popular. Esta estratégia ficou conhecida como "municipalismo" e seus espaços de decisão são as assembleias de bairro.

Sob o lema de "Socialismo, Independência e Feminismo: , esta organização convocou milhares de pessoas nas semanas posteriores ao referendo pelo sim à Independência. Depois da prisão dos membros da Generalitat, por mais que as CUP não tivessem nenhum membro entre eles (afinal de contas ela não participava deste governo, apenas o apoiava), convocou mobilizações e trancamentos de rua, além de impulsionar uma greve geral, que não foi à frente. 

Campanha para o 21D (21 de Dezembro)

Nesta campanha, evidencia-se um posicionamento extremamente conservador que se apoia em uma narrativa que oscila entre o ódio e a desinformação por parte dos "espanholistas". Nela, a principal porta voz é a grande mídia empresarial. Neste campo, concorrem três partidos que, com pequenas diferenças ideológicas, estão fechados quanto ao principal tema da campanha: a unidade espanhola.

Além do PP e dos C’s, também integra o grupo espanholista o histórico partido social democrata, o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol). Na Catalunha, eles são o PSC (Partido Socialista da Catalunha). Pedro Sanchez, principal nome do PSOE nos últimos anos, mantém um discurso voltado às próximas eleições nacionais. Suas intervenções dirigem-se mais a uma opinião pública espanhola cada vez mais conservadora que ao problema em questão.

A campanha midiática, de natureza quase fascista, tem conseguido o desgaste da narrativa independentista. De acordo com as últimas pesquisas, todos os partidos independentistas, à exceção da Esquerra, parecem indicar uma redução no número de cadeiras no Parlamento. 

Os C’s aparecem na frente com 23 a 25% das intenções de voto. Seguidos pela Esquerra, com 20 a 23%. O Juntos pela Catalunha (bloco encabeçado pelo PDeCAT, de Puigdemont ) aparece com 14 a 20% (variação muito grande, a depender da empresa que realizou a pesquisa). Na mesma faixa de intenções de voto, aparece o PSC (PSOE da Catalunha). E atrás deles, as CUP e o PP, empatados com 5 a 7% cada um. 

Se este quadro se confirmar, nem os independentistas nem os espanholistas, sozinhos conseguirão atingir a almejada maioria parlamentar. Contudo, na última legislatura, antes da deposição do atual governo, os independentistas tinham a maioria de 72 cadeiras. Neste cenário o desempate pode ser alcançado pelo apoio do Catalunya em Comú-Podem, bloco catalão vinculado ao Podemos. 

O Podemos, vale lembrar, é uma organização jovem surgida das manifestações de 2011, do emblemático 1M5, também conhecido como Movimento dos Indignados. Surgiu em uma onda de mobilizações populares, com uma forte crítica à globalização e aos estragos causados pela crise econômica manifestada em 2008. O Podemos manteve-se, desde então, como um partido de posicionamentos mais à esquerda. Naquela altura as principais expressões do movimento, bastante amplo e difuso, eram, além do 15M, na Espanha, o Syriza, na Grécia.

No tema da Catalunha, no entanto, o Podemos vem tentando se manter neutro, em uma posição que não desagrada parte de seu eleitorado no restante da Espanha, que se opõe à independência. Nesta polarizada conjuntura, terão uma excelente oportunidade para se reaproximar de um posicionamento à esquerda, abandonado nos últimos anos, onde as eleições ocuparam mais suas ações que a construção de um projeto de transformação para a Espanha. E essa reaproximação se daria em total coerência com um afastamento desta neutralidade, que é bastante funcional ao reacionarismo do PP e de boa parte da direita espanhola na questão em jogo.

Se os espanholistas vencerem as eleições será a confirmação de um golpe, que iniciou-se pelo Judiciário, com enorme participação da mídia empresarial, e poderá sacralizar-se com a legitimação do voto. 

A repetição dos inúmeros golpes institucionais que temos assistido pelo mundo nos últimos anos pode não ter chegado ao fim. Ao contrário, parece que esta é uma tendência em aberto e que as esquerdas terão de analisar com mais atenção a partir de agora.

A forma como o capital e os seus agrupamentos de direita encontraram para derrubar governos eleitos, sem ter de passar pela violência de ditaduras abertas, parece argumentar mais em favor das tragédias que das farsas históricas. A novidade, desta vez, é que, se tiver sucesso, o golpe terá ocorrido em um país do centro da economia capitalista, e não em um país do Sul.

Entretanto, mais novidades podem acontecer no enredo desse país, ainda sem Estado, chamado Catalunha. Nele, todos os atores estão presentes, liberais e conservadores, trabalhadores e juventude, empresários, antes divididos e que, agora, parecem unir-se novamente, e uma palavra de ordem ainda com muita força: independência.

Depois dessas eleições, poderemos saber o final do enredo: se o impasse vai continuar, ou se a Catalunha, finalmente, começará uma nova etapa de construção da sua tão almejada independência. Ou se conheceremos mais um capítulo da tragédia. Ou, talvez, da farsa?

*Pedro Rozales é professor de sociologia da rede pública estadual do Espírito Santo e doutorando em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Edição: Vivian Fernandes