Pará

Hidrelétrica Jatobá: Aneel aceita estudo não autorizado por comunidades tradicionais

Autorização vai na contramão do discurso oficial que diz priorizar viabilidade de fontes energéticas, como a solar

Brasil de Fato | Belém (PA) |

Ouça o áudio:

O Complexo Tapajós é um megaprojeto composto de seis usinas hidrelétricas e que pretende transforma um rio de águas correntes em lagos
O Complexo Tapajós é um megaprojeto composto de seis usinas hidrelétricas e que pretende transforma um rio de águas correntes em lagos - Lilian Campelo

Atualizada às 00:16 para acrescimento de informações

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) recebeu os Estudos de Viabilidade da hidrelétrica de Jatobá, publicado na semana passada, dia 2, no Diário Oficial da União, mas os dados coletados nas comunidades foram feitos sem a consulta e a autorização dos povos indígenas e dos ribeirinhos. 

O empreendimento poderá ser instalado no rio Tapajós, na região do município de Itaituba, no sudoeste do Pará, e faz parte do megaprojeto chamado Complexo Tapajós, formando por um conjunto de seis usinas.

Maurício Torres, cientista social que há anos pesquisa sobre conflitos territoriais na Amazônia estava em 2013 no Projeto de Assentamento Agroextrativista Montanha e Mangabal, localizado em Itaituba, e presenciou a forma como os ribeirinhos foram tratados durante a pesquisa de campo para a coleta de dados que compõem o estudo da hidrelétrica.

“A parte da mais tensa em que essas comunidades foram afrontadas na sua forma mais aviltante foi quando a polícia estava lá com metralhadora, entrando no quintal das pessoas e fazendo coleta para o estudo científico nas trilhas de caça das comunidades, o que interferiu na possibilidade de alimentação das famílias. Eu estive lá e vi acontecer em 2013, o que não quer dizer que não acontecesse antes e não tenha continuado a acontecer depois”, recorda.

Outra hidrelétrica também no rio Tapajós que teve estudos de viabilidade foi a de São Luiz do Tapajós, considerada a de maior potencial energético e atualmente arquivada, o licenciamento ambiental da usina foi cancelado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em 2016. Assim como Montanha e Mangabal outras comunidades também tiveram seus direitos a consulta livre prévia e informada desrespeitados. 

A reportagem do Brasil de Fato conseguiu conversar, via aplicativo de mensagens multimídia, com Lúvia Heidy Soares Lima, de 22 anos, moradora de Pimental, uma das comunidades ribeirinhas que poderão ser impactadas pelo megaprojeto e onde foram coletados dados para os estudos da barragem de São Luiz. Lima faz parte da Associação Comunitária dos Pescadores e Moradores de Pimental.

A comunidade fica às margens do rio Tapajós, no município de Trairão, localizada na região oeste do Pará. Por meio de um áudio enviado pelo aplicativo ela narra que um dos impactos causados pela presença das empresas durante a pesquisa de estudos foi romper com os laços de solidariedade.

“Nossa comunidade antes vivia tranquila. Todo mundo era amigo de todo mundo, as famílias eram unidas e com as empresas entrando aqui eles começaram a colocar coisas nas cabeças de algumas pessoas, que muitas também não procuraram saber sobre os seus direitos e o que realmente era isso [barragem] e acabaram sendo manipulados por elas [empresas]”, conta.

Para o pesquisador Philip Fearnside, ganhador do prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas, em 2007, o agronegócio é o setor, atualmente, mais interessando na construção das barragens na bacia do Tapajós. Com as hidrelétricas, enormes lagos se formariam, o que possibilitaria a construção de hidrovias. Logo seria possível escoar a soja do Mato Grosso até os portos em Santarém e Itaituba e de lá para o exterior, explica:

“Então tem uma pressão enorme para fazer isso porque a soja é um carro chefe do PIB [Produto Interno Bruto] brasileiro. Se tem toda a bancada ruralista que envolve 40% do Congresso, Ministro da Agricultura, que é o maior produtor de soja no Brasil, então existe uma força política enorme para fazer isso fora a força por parte da Eletrobrás, é uma situação que tende a ir para a frente sim.”

O pesquisador ainda lembrou que o anúncio da Aneel vai na contramão do discurso feito pelo secretário executivo do Ministério de Minas e Energia e o pelo presidente da Empresa de Pesquisa Energética. Ambos declararam em entrevista ao jornal O Globo, publicada no mesmo dia em que a agência aceitou os estudos, que o país deve investir mais em outras fontes de energia, como a eólica e a solar.

Edição: Vanessa Martina Silva