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"Não se trata de um julgamento, mas do terceiro ato de um teatro político"
"Não se trata de um julgamento, mas do terceiro ato de um teatro político" - Lula Marques
O que está em jogo não é a derrota de Lula, mas das instituições

De um lado uma mala de dinheiro. E mais outra mala. E recibos carimbados por empreiteiras. Para completar, telefonemas bisonhos gravados e depósitos em contas em paraísos fiscais. Por obra dos pares no Congresso e de decisões do Supremo, os responsáveis lustram a blindagem de sempre. Aécio flana, meio na moita, mas com as canelas livres.

Do outro lado, muitas delações e nenhuma prova. Acusações feitas sob constrangimento e chantagem. Muito domínio para pouco fato. Depoimentos, como de Tacla Duran, desprezados. Com o processo acelerado pela eficiência da máquina de justiçamento, furando fila para apressar a entrega combinada, Lula está nas barras do tribunal.

O julgamento do ex-presidente na segunda instância, programado para dia 24, em Porto Alegre, é dessas histórias com final anunciado. Na verdade não se trata de um julgamento, mas do terceiro ato de um teatro político.

O primeiro foi o afastamento de Dilma Rousseff sem fundamento legal, como hoje reconhecem até mesmo os paneleiros da anteontem. O segundo foi a condenação pelo juiz Moro, depois de um processo informado pelo ódio de classe, contestado por juristas até mesmo fora do país. A articulação do sistema judicial é um marco humilhante para o país: não é preciso mais uma ditadura para se implantar o arbítrio.

O terceiro ato será a confirmação da pena e o impedimento da candidatura de Lula. O anúncio de que a Lava Jato encerra este ano seus trabalhos é uma confirmação de que a encomenda final já está garantida.

Por que é preciso melar o jogo agora, já que os golpistas têm o poder, a mídia e a caneta para levar adiante seu projeto regressivo, entreguista e antipopular? A palavra que ameaça se chama democracia. Não a democracia substantiva, socialista, feita de participação social, distribuição de renda e poder. Mas a mais limitada das definições, que aponta apenas para a maioria de votos em eleições de quatro em quatro anos.

O governo atual não tem respaldo popular. Levou, mas não ganhou. Sabe que se equilibra às custas de chantagens e o dinheiro começa a escassear. Sua podridão não esconde mais o cheiro de fraude, seus sequazes não têm a sutileza da humildade nem a paciência dos dissimulados. Temer se deu ao vexame de virar moleque amedrontado por Sarney e Roberto Jefferson. Sua turma quer tudo e agora. Mesmo seguindo à risca o plano da desmontagem do estado - e com isso conquistando o apoio do capital financeiro e dos mercados internacionais -, precisa se prevenir de uma derrota certa nas eleições deste ano.

Lula está na frente nas pesquisas e cresce a cada rodada. Em segundo lugar está Bolsonaro, que deixou de ser uma piada para ser uma ameaça. Inflado como anti-Lula de ocasião, se tornou um problema para o próprio campo conservador, que rejeita o monstro que cevou com o ódio nas redes sociais. O possível candidato do governo se esforça para mudar geometria política, chamando de centro o que é a mais radical experiência de direita já vivida no país. São muitos e fracos, desunidos e sem carisma.

O julgamento de Lula, por isso, vai muito além do tribunal, de figuras menores como Moro e Dallagnol, de uma corja abjeta aboletada em volta de Temer ou do esforço da mídia em naturalizar o golpe.

O que está em jogo é mais profundo. Não será a derrota de Lula, mas das instituições. Com os votos dos revisores computados, os carregadores de malas não precisarão dar corridinhas ridículas, a justiça ficará livre para praticar seu ativismo deslavado, os políticos tradicionais poderão descansar depois do sétimo dia da destruição do país. A mídia vai contar seu vil metal.

Há duas posturas possíveis para a cidadania, os movimentos sociais e os democratas de corpo e alma. Aceitar a consagração do arbítrio ou colocar em ação o plano A, ocupando as ruas, disputando todos os espaços reais e simbólicos e exigindo justiça. 

Se tudo der errado, sempre há o plano B. Saber a hora certa de agir, esgotando todos os apelos da paz, é sinal de maturidade. Em alguns momentos, no entanto, a defesa da democracia obriga a coragem a puxar a fila da história.

Edição: Joana Tavares