Rio de Janeiro

CARNAVAL

Para cantor, manifestações populares sofrem processo de criminalização no Rio

Cultura de matriz africana tem sido a mais afetada pela gestão da Prefeitura carioca

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Lucio Sanfilippo durante um show.
Lucio Sanfilippo durante um show. - Foto: Bel Acosta

Às vésperas do Carnaval, a Radioagência Brasil de Fato traz uma entrevista com o cantor e pesquisador Lucio Sanfilippo sobre a situação da cultura popular na cidade do Rio de Janeiro, religiosidade e o intercâmbio entre os saberes ancestrais e a Academia. Com mais de 20 anos de carreira, Sanfilippo realiza um trabalho dedicado à valorização da cultura de matriz africana, seja nos palcos ou na universidade. A presença do Samba, Jongo, Afoxés, Cocos e Cirandas dão base à identidade musical do cantor que não esconde a paixão pelo seu ofício. 

Brasil de Fato: Como que você vê este cenário atual do Rio de Janeiro, a gente está às vésperas do Carnaval, a cidade está passando por uma crise econômica e também temos visto a dificuldade de alguns espaços sobreviverem, principalmente os que são ligados à cultura africana. Qual o seu panorama com relação a isso? 

Lucio Sanfilippo: O panorama não é para comemorar. Na verdade é um panorama que está voltando àquela época em que tudo era proibido, tudo era criminalizado, havia a criminalização da vadiagem, da capoeira, do candomblé no início da República e agora, com essa aura evangélica, que é fundamentalista na Prefeitura, o Tambores de Olokun não consegue fazer com sossego o ensaio no aterro do Flamengo; o Tambor de Cumba não consegue fazer o Jongo, o Samba de Roda e a Capoeira no Cais do Valongo; o Afrolage não consegue fazer a sua roda no Meier. O Carnaval está sem verba, quer dizer está sem verba para ensaio e escola de samba, mas tem verba para fazer na Zona Sul um encontro de baterias. Então, a gente vê que há a priorização da Zona Sul em detrimento da ocupação das praças, das ruas pelas culturas populares que na verdade são a vocação da população. Na verdade, tem um projeto que visa minar as forças das culturas populares. A gente sabe que se der essa consciência para a nossa população, do poder que tem essas manifestações para a valorização da identidade, para as lutas, para a tecitura de acessos, será difícil a dominação que estão pretendendo. 

E falando um pouco mais sobre o seu trabalho musical, você traz uma valorização muito grande da cultura africana. Você pode falar um pouco da mistura que faz com o Candomblé? Qual a influência da religião nas suas composições? 

O Candomblé é a minha vida desde que eu me entendo por gente. Eu passei mal de santo, apesar de ser filho de dois italianos. E desde então isso nunca mais saiu de mim, ainda bem. Eu sou raspado, catulado, pintado, adoxado, vestido e feliz no Candomblé com as minhas obrigações todas pagas e isso naturalmente se manifesta nas minhas aulas, no meu canto, nos meus discos, nas minhas pesquisas. Então, eu canto os ritmos, as manifestações, complexos culturais que eu chamo de transbordamentos que transbordam dos terreiros e ai a gente faz as Ijexás, Agérés....A minha dissertação de mestrado foi sobre o Agéré, os meus discos todos têm esses transbordamentos de terreiro, as manifestações todas de matriz africana. Então, tem sempre Jongo, Coco, Ciranda, Maracatu. 

Lucio, você é formado em Jornalismo e também é educador físico, inclusive o seu trabalho final na Educação Física resultou num livro: Interdisciplinando a Cultura na Escola com o Jongo, da Editora Multifoco. Você pode falar um pouco desta sua relação com o Jongo, como que ele permeia o seu trabalho? 

Eu conheci o Jongo na década de 90. O Mestre Darci do Jongo foi dar uma aula para a gente na sala de folclore a convite da Zezé do Folclore e falou sobre o Jongo, ensinou os passos, os toques, as danças, falou um pouco dessa manifestação, desse complexo cultural e, paralelamente a isso, eu estava cantando com o Dobrando a Esquina, que era um grupo maravilhoso que a gente tinha na década de 90 formado pela Luciana Menezes, Marcelo Menezes, Paulino Dias e Lenildo Gomes. E eles tinham contato com o pessoal do Jongo da Serrinha, eu visitei a Serrinha e ela me acolheu. Resolvi fazer para a conclusão de curso do Jornalismo a análise de conteúdo das letras do Jongo. A partir daí, o desdobramento desta monografia foi esse livro paradidático em que a gente supõe que um professor de Ed. Física, como eu, desse aula de Jongo na escola e a gente se virando para que a escola pudesse fazer com que as disciplinas formais interagissem com esse universo, produzindo atividades que girassem em torno desse tema, desse universo do Jongo e o resultado foi  maravilhoso. A gente fica vendo como a criatividade dos professores é imensa e como isso é aproveitado nas escolas. 

Você pode passar a sua agenda? Acredito que muitos ouvintes/leitores tenham se interessado pelo seu trabalho, em conhecer um pouco mais, ir num show. Como está a programação às vésperas do Carnaval? 

A gente tem um minibaile no Ernesto, que fica no Largo da Lapa 41,  às 8h do dia 7 de fevereiro. O baile vai conjugar o 'Galinha d´Angola' que é o meu bloco e o 'E tu vai com quem?' É como se fosse um baile ensaio porque depois do Carnaval a gente vai fazer a ressaca na rua. Eu também estou terminando de gravar um novo disco, que vai se chamar Rio de Cantar. Estou concentrando as minhas forças e as minhas energias neste disco. 

Para conhecer mais sobre o trabalho de Lucio Sanfilippo e sua agenda de shows, acesse o site luciosanfilippo.com.br. 

Edição: Mariana Pitasse