Golpe de 2016

Entrevista | Enciclopédia analisa papel da grande mídia no avanço conservador

Para Maria Inês Nassif, organizadora da obra, mídia hegemônica serviu "até para pressionar Justiça em direção ao golpe"

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Ato de contra os 50 anos da rede Globo na sede em São Paulo, marcada como “50 anos de manipulação” - 26/04/2015
Ato de contra os 50 anos da rede Globo na sede em São Paulo, marcada como “50 anos de manipulação” - 26/04/2015 - Roberto Parizotti

A produção de conhecimento sobre o golpe que depôs a presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016 deve ganhar, no próximo mês, mais uma contribuição. Escrita por jornalistas e outros especialistas, a "Enciclopédia do Golpe – Volume 2" surge no cenário para lançar luz mais especificamente sobre o papel da grande mídia no processo de avanço conservador e de deterioração de direitos que caracteriza atualmente o país. 

Em entrevista ao Brasil de Fato, a jornalista Maria Inês Nassif, umas das organizadoras da obra, aborda as preocupações dos especialistas com o tema. Confira a seguir os principais trechos.

Brasil de Fato: Você diz no livro que, neste período do golpe, o "padrão Globo" contaminou as outras emissoras e que nunca a prática do mau jornalismo foi tão comum no país. Qual seria o recorte principal desse olhar contemporâneo que vocês nos trazem sobre o papel da mídia? 

Maria Inés Nassif: Foi altamente central. No livro, tem olhares de várias especialidades sobre o papel da mídia no golpe, e todos eles acabam convergindo pra ideia de que a má informação, a manipulação de informações e o clima que foi moldado em torno dessa má informação foram uma coisa fundamental não apenas pra preparar o golpe, mas, em alguns momentos, até pra empurrar a Justiça em direção ao golpe. Como jornalista, acredito que existem interpretações divergentes dependendo da sua posição ideológica, politica, mas o fato é um. Então, a manipulação da realidade não vira fato por essa manipulação ter sido feita por diversas mídias tradicionais que monopolizam a informação.

Olhando pra esse comportamento dos grandes jornais, é possível afirmar que eles lançaram mão de "fake news" nesse período, que é algo que eles mesmos apontaram como um problema, por exemplo, durante as últimas eleições nos EUA?

Se você pega todas as capas da Veja ao longo desses anos, desde a primeira eleição do Lula, [e se pegar] o que foi confirmado e o que é mentira, elas exerceram esse papel de gerar factoides, [você vê que] a imprensa levava a especulação como se fosse o fato, e essa especulação era desmentida ao longo do tempo, mas o período em que essa especulação foi levada como verdade ao público servia pra consolidar um juízo sobre a pessoa que justifica a Justiça condená-la sem provas. Então, você tem um serviço aí de construção do fake news que vira prova na Justiça que é uma loucura, um atentado completo à garantia de defesa de qualquer cidadão. 

Levando em conta a complexidade do golpe e a necessidade de tempo pra que a sociedade brasileira e vocês especialistas, em particular, possam compreender todas as entranhas desse processo, qual a importância de profissionais do jornalismo e de outros especialistas como os do livro para a produção de conhecimento sobre essa história?

É que nós somos testemunhas. O nosso papel é repor os fatos como eles são. A interpretação, o que vai acontecer nesse processo e que Brasil vai sair disso daqui a alguns anos, isso aí a gente vai saber daqui a um tempo – de repente, décadas. Nós estamos depurando e dando o nosso testemunho do papel que a mídia teve neste processo da nossa vida, da vida do país – que eu esperava, aos meus 60 anos, que jamais pudesse ver de novo. 

Edição: Mauro Ramos