CONJUNTURA

“A organização em torno de um projeto nacional é passo fundamental”, diz Eduardo Mara

O dirigente da Consulta Popular destacou a tentativa de privatização da Eletrobras como um crime contra o povo

Brasil de Fato | Recife (PE) |

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Retomar a organização popular em torno de um projeto nacional
Retomar a organização popular em torno de um projeto nacional - Consulta Popular

Eduardo Mara é cientista social, doutor em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e integrante da Direção Nacional da Consulta Popular.

Na entrevista concedida ao Brasil de Fato Pernambuco ele aborda temas importantes da conjuntura nacional, como a saída de pauta da Reforma da Previdência, o novo pacote de maldades de Temer e a intervenção militar no Rio de Janeiro. Confira.

Brasil de Fato: Na sua opinião o que significa a retirada da Reforma da Previdência da pauta do Congresso?

Eduardo Mara: Significa, mais do que qualquer outra coisa, uma vitória das forças democráticas e populares em nosso país. Considere que o governo golpista tenta votar o tema desde março do ano passado. A retirada da pauta do congresso deve-se à persistência dos movimentos populares e sindicais, com destaque para a unidade das centrais sindicais e à Frente Brasil Popular, em não recuar um milímetro na luta contra a reforma. Desde a greve geral realizada em abril de 2017, uma das maiores de nossa história, passando pelas diversas mobilizações unitárias, chegando até os dias atuais. O carnaval deste ano comprovou que a luta contra a retirada de direitos e contra o governo Temer conquistou a hegemonia nos setores populares. Soma-se a isso a expressiva aprovação da candidatura Lula, mesmo com toda a perseguição que este vem sofrendo. Acredito que esse é o conjunto de elementos que melhor explica o recuo do governo.

O governo anunciou uma "pauta prioritária" que inclui algumas propostas de privatizações. Qual deve ser o centro da crítica dos movimentos e organizações populares para o próximo período?

As propostas elencadas não são novas. As que merecem maior destaque são a retomada da autonomia do Banco Central, a extinção do fundo soberano e a entrega da Eletrobras ao capital estrangeiro. A primeira medida já existe na prática mas não na lei. Trata-se de desvincular a gerência do Banco Central de qualquer controle soberano por parte do povo brasileiro. A segunda proposta é um saque de R$ 24,6 bilhões dos recursos oriundos da exploração do pré-sal e que se destinariam a projetos de crescimento da economia nacional. Em outras palavras, o governo planeja sacar toda a reserva de recursos que visava a recuperação econômica do país para pagamento de dívidas com banqueiros.
Por último, destaco o maior crime de todos: a entrega da Eletrobras. A empresa é responsável por um terço da geração de energia no Brasil. Todos os especialistas no ramo atestam que o resultado imediato da medida será um enorme encarecimento da tarifa de energia para o conjunto do povo brasileiro. Dessa forma, a luta contra a privatização do sistema Eletrobras-Chesf ocupa o principal desafio no plano imediato da luta. Para além disso, o que devemos fazer desde já é colocar a soberania nacional e um novo projeto de desenvolvimento para o país no centro do debate com o conjunto do povo brasileiro. Retomar a organização popular em torno de um projeto nacional é passo fundamental para derrotar a barbárie que está sendo implementada pelo atual governo.

Qual sua análise sobre a intervenção militar no Rio de Janeiro?

Acredito que, para entendermos o significado da medida, há três fatores interdependentes que devem ser considerados. O primeiro deles é uma mudança na tática da classe dominante brasileira e de seu governo. A intervenção no Rio foi preparada não apenas por Temer e seu ministério, mas principalmente pela grande mídia com o claro intuito de, percebendo a derrota no tema da previdência, deslocar o debate para o tema da segurança pública. Tal tema vêm sendo explorado há décadas pelos setores mais conservadores e retrógrados da sociedade brasileira e é, de fato, um tema sensível ao conjunto da população que vive diariamente o impacto da violência e do crime organizado nos grandes centros urbanos. Nesse sentido, a medida visa abrir um flanco de legitimidade ao governo golpista, menos pelo seu impacto real no combate à criminalidade e mais pela espetacularização da intervenção potencializada pela grande mídia.

O segundo aspecto importante dessa medida é o evidente aprofundamento do estado de exceção que vivemos no país. Trata-se da definitiva ruptura do pacto da nova República. Por último, é importante perceber o problema real que assola a população e que está sendo manipulado para legitimar a medida. O caos na segurança pública é uma realidade na maioria das grandes cidades e os setores progressistas têm tido pouca formulação para o problema. A política de segurança que temos hoje é uma importação da famosa “política de tolerância zero” implementada nos Estados Unidos no início do século e que já comprovou ser desastrosa em próprio solo norte-americano. E isso porque é uma política de criminalização da população preta e pobre, baseada em falaciosos argumentos de identificação de “perfis criminosos” a partir de pequenos delitos. Essa é a política que pautou a maior parte dos programas de segurança no Brasil nos últimos anos.

Essa política errônea, conservadora e racista é responsável pela enorme superlotação dos presídios e por poupar o crime organizado, que - como sabemos - não é comandado pela população pobre. Tampouco o emprego de militares é novidade para se lidar com o problema. As sucessivas ações da Força Nacional no Rio de Janeiro não diferem dessa política de criminalização da pobreza. Não se trata de uma ação combinada entre inteligência de Estado, ação policial e políticas sociais, mas uma ação midiática para manter a violência do crime organizado longe do asfalto, ou seja, impedir que a violência do narcotráfico se amplie para além dos territórios onde vive a população mais pobre do Rio de Janeiro.

Edição: Brasil de Fato PE