Cinema

Êxodo, agronegócio e transformações no campo são mote de documentário

'Paulistas', de Daniel Nolasco, acompanha as mudanças ocorridas em uma pequena cidade no sul de Goiás por meio do olhar

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'Paulistas' registra uma forma de cultura que está prestes a desaparecer diante de tantas transformações
'Paulistas' registra uma forma de cultura que está prestes a desaparecer diante de tantas transformações - Divulgação

Os irmãos Samuel, Vinícius e Rafael tiveram de se mudar da pequena e campesina cidade de Paulistas para a região urbana de Catalão, no sul de Goiás. Todas as férias, eles voltam para visitar os pais e reviver uma cultura e os costumes que estão aos poucos morrendo. É o que acompanha o filme Paulistas, de Daniel Nolasco, que estreou esta semana no projeto Sessão Vitrine Petrobras em mais de 20 cidades brasileiras.

Primeiro longa-metragem de Nolasco, o filme resgata também a própria história do diretor, que nasceu em Paulistas e passou pelo mesmo processo de migração que vivem os três irmãos e todos os jovens da cidade. “Paulistas é a busca por deixar registrada uma forma de cultura que também me pertence e que está prestes a desaparecer diante de tantas transformações. O filme acompanha a dupla contradição entre o retorno e a partida, entre a tradição e modernidade, por meio dos três personagens. Jovens que se mudaram para a região urbana de Catalão e retornam à casa da família durante as férias. As férias de julho são o momento em que futuro e passado encontram-se completamente presentes em Paulistas“, afirma o diretor.

Até a década de 1970, a região era formada por pequenas fazendas que praticavam a agricultura de subsistência até que, no final dos anos 1980, a monocultura da soja passou a dar cada vez mais espaço ao agronegócio e aos latifúndios. E assim a população foi aos poucos migrando para a região urbana de Catalão. Segundo a equipe do longa, desde 2014, não existem mais jovens morando em Paulistas.

O filme registra o contraste entre os antigos costumes locais em vias de desaparecer e a modernidade homogeneizadora que vai tomando cada vez mais espaço. Imagens das casas abandonadas e invadidas pelo mato e pela soja, a floresta morta ao redor do rio, a hidrelétrica que transformou de forma irreversível a geografia da região são intercalados com cenas cotidianas dos irmãos e da população local.

Sem entrevistas nem vozes em off, o filme acompanha silenciosamente Samuel, Vinícius e Rafael e não parece ter intenção de se intrometer no desenrolar das férias dos três. A não ser pela sequência em que Wander, o pai dos jovens, se senta em frente à câmera para tocar violão, as cenas são, em sua maioria, ações corriqueiras que não parecem dirigidas nem posadas. É como se o diretor quisesse contar a história de todas as transformações que a região vem passando apenas pela forma de agir dos campesinos e pelos sons, ricamente registrados.

“O documentário pretende mostrar através de imagens e sons toda esta contradição. É buscando isso que a câmera sempre manterá uma distância dos personagens, assumindo a posição de observador. Um observador que mantém determinada distância para não ser invasivo, mas que ao mesmo tempo é afetuoso e respeitoso. Que buscará não só registrar a visualidade da região, mas a sonoridade e seu tempo. Esse tempo do campo que é diferente de uma cidade, mesmo das pequenas. Um tempo quase sempre governado pela luz do dia, no qual as pessoas acordam com o nascer do sol e vão se recolher no cair da noite“, conta Daniel Nolasco.

“Morei até os dois anos na região – minha mãe foi uma das primeiras a deixar Paulistas e se mudar para a cidade de Catalão, no interior de Goiás. Vi ao longo dos anos e do passar do tempo atransformação pela qual passou a região e as pessoas que se mudaram para áreas urbanas. Comecei a observar o fim daquela cultura e daquele modo de vida“, afirma.

Paulistas tem uma escolha narrativa corajosa, que não opta pelo didatismo e que tenta deixar as imagens falarem por si só. Uma das cenas mais potentes do documentário talvez seja a de Wander ao telefone com o que parece ser um revendedor agrícola. Ele pede ao interlocutor uma ajuda para conseguir vender sua soja a um preço melhor. Sinal dos novos tempos, em que os pequenos produtores imploram para desovar sua produção por preços miseráveis.

Todas as sessões de Paulistas serão abertas com a exibição do curta-metragem de animação Quando os Dias Eram Eternos, dirigido por Marcus Vinicius Vasconcelos, sobre a história de um filho que volta para a casa de infância para cuidar da mãe em seus últimos dias de vida.

Paulistas 
Direção: Daniel Nolasco
Produção: Estúdio Giz e Panaceia Filmes
Gênero: Documentário
Duração: 76 minutos

Edição: Redação