Paraná

Na banca de jornal

Perfil | Pelas mãos de Ruy, leitores sabem o que os jornais não dizem

A banca de Ruy é um dos pontos de distribuição do Brasil de Fato Paraná, no Centro da capital

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
“É, com o Brasil de Fato eu concordo. Esse jornal também é um contraponto com os outros”, pondera Ruy João Staub
“É, com o Brasil de Fato eu concordo. Esse jornal também é um contraponto com os outros”, pondera Ruy João Staub - Júlia Rohden

Para encontrar Ruy João Staub basta caminhar pela Rua Marechal Deodoro até a esquina com a João Negrão e procurar uma banca de jornal rodeada por matérias com comentários anotados à mão. Ali, Henrique Meirelles tem rabiscado na testa “não se enxerga”, na foto que ilustra uma matéria sobre sua pré-candidatura à presidência. Uma manchete com a fala de Geraldo Alckmin sobre uma possível venda da Petrobrás é sublinhada e tem escrita em cima “canalhas”. É ali, na banca que tem há mais de 40 anos, que Ruy passa parte de suas manhãs.

O hábito de recortar as matérias dos jornais veio da época em que trabalhou na Gazeta do Povo como revisor. Foram 43 anos corrigindo erros de português e informações trocadas, como nomes de ministros. “Era quase uma obrigação ler todos os grandes jornais do país, porque eu tinha que estar bem informado. Como não conseguia ler tudo, eu rasgava as folhas para ler depois”, conta Ruy.

O trabalho como revisor veio pouco depois de montar a banca. Ruy cursou a faculdade de letras e fazia parte do movimento estudantil, integrando a organização Ação Popular (AP). Na década de 1970, foi preso pela ditadura e depois teve dificuldade em encontrar emprego – mesmo aprovado em concurso público, ele não podia assumir e nem dar aulas. “Por ter sido preso, eu não conseguia um atestado de bons antecedentes – que a esquerda chamava de atestado ideológico, mas a direita chamava de atestado de bons antecedentes”, diz. Investiu na compra de uma banca, atividade que não exigia o tal atestado. Menos de um ano depois, Ruy conseguiu o emprego na Gazeta do Povo e conciliou os dois trabalhos até 2013, quando saiu do jornal. Sempre trabalhou mais na redação do que na banca, onde conta com a ajuda de um funcionário.

Contraponto

Depois de décadas dentro da redação e da banca, Ruy afirma que a mídia propaga aquilo que interessa ao dono do jornal e à classe social a qual pertence. “Comecei a escrever nas notícias porque era um absurdo o que os jornais colocavam, era o contrário do que estava acontecendo. Às vezes eu só escrevia coisas como ‘é mentira’ em cima do título”, lembra.

Quando perguntam a efetividade de escrever nas matérias que pendura na sua pequena banca se comparado com os milhares de jornais que circulam pelo país, ele responde “quase nada, mas é uma forma de protestar ou de fazer alguém se questionar sobre aquela notícia”.

"'Governo golpista' não tem candidato viável. Por isso querem impedir a candidatura de Lula. Não se enxerga", explica Ruy, contrapondo a matéria de um dos jornais expostos em sua banca (Foto: Júlia Rohden)

Não é só política que se encontra no mural diariamente feito por Ruy. Ele sempre seleciona notícias de futebol e temas que considera úteis, como matérias relacionadas à saúde. “Eu coloco aquilo que acho que seria bom o povo ler”, fala com seu tom calmo, sem pompa. “Não adianta colocar um baita comentário analítico que as pessoas não vão ler”, avalia.

Muitos param na movimentada esquina do Centro de Curitiba para ler as notícias recortadas por Ruy. Nem todos gostam da composição. “Uma vez uma senhora educadamente perguntou quem escrevia aquilo ali. Eu pensei ‘lá vem um elogio’, e disse que era eu. Ela respondeu: mas quanta bobagem!”, lembra, dando risada. Outros não são tão educados. Há quem ofenda Ruy e rasgue as folhas penduradas. “Já até escreveram nos jornais ‘seu petista sujo’, e o pior é que não sou nem petista” diz, e depois explica que é eleitor do Lula, mas também vota no Requião, senador do Paraná pelo PMDB.

A banca de Ruy também é um dos pontos de distribuição do Brasil de Fato Paraná. As páginas do jornal, que tem edição semanal, costumam compor o “mural” dele. Ao contrário de outros jornais, o Brasil de Fato não recebe os comentários à caneta de Ruy. Pergunto se é um bom sinal. “É, com o Brasil de Fato eu concordo. Esse jornal também é um contraponto com outros jornais”, responde.

“Sempre brinco que minha banca vai acabar, porque meus clientes estão morrendo”

Ruy fala de forma despretensiosa, quase tímida, enquanto conta sobre sua vida. Pai de três filhos, avô, aposentado, dono de banca e de duas lojas de doces. “Acordo às 3h da manhã e faço um café para o pessoal de rua, umas oito garrafas, e vou para minha loja de doces que é perto de onde busco os jornais. Chego na banca umas 5h45 e fico até às 9h. Depois venho para a loja de doces e fico até o meio dia. Mas não é obrigatório, porque hoje em dia tenho tempo livre, vou a hora que quero, tenho funcionário e meus filhos tocam a empresa”, conta. Sobre o café que oferece para moradores de rua, ele fala sem se vangloriar. “Foi uma coincidência. Eu levava café para o funcionário e um morador de rua pedia também, e aí fui fazendo mais e mais”, diz.

Nascido no pequeno município gaúcho Venâncio Aires, a 140 quilômetros da capital Porto Alegre, Ruy veio jovem para estudar em Curitiba. As idas para Porto Alegre se tornaram mais comuns depois da aposentadoria. Ele viaja para ver os jogos do seu time, o Internacional. Também estava lá no dia 24 de janeiro para manifestar apoio ao ex-presidente Lula durante o julgamento do TRF-4.

Entre um e outro gole de café, Ruy revela que foi editor de um “jornalzinho” dentro da Gazeta, o Diário da Tarde. Na época, o jornal circulava apenas uma vez por semana, com 500 exemplares e era totalmente feito por uma única pessoa: Ruy. Ele editava, revisava e escrevia algumas matérias. “Eu sempre fui um cara de esquerda e trabalhava em um jornal de direita. Como trabalhava em uma função técnica, vendo os erros de português, não tive problemas. E quando assumi a edição do Diário da Tarde, o jornal era tão pequeno, mas tão pequeno, que não tinha problema eu escrever, porque nem o patrão lia o jornal”, explica rindo.

Ruy fala da diminuição do número de páginas e de periodicidade dos jornais. Ele é exemplo de uma geração que lia as notícias impressas e teve que aprender a conviver com a alta velocidade das informações, muitas de qualidade duvidosa, disponíveis em apenas um clique. Mas Ruy não se importa. “Sempre brinco que minha banca vai acabar, porque meus clientes estão morrendo”, diz. “Tinha clientes de 40 anos que compravam, regularmente. Essa nova geração não está comprando jornal, porque vê na internet.... mas tem um pessoal que não tem acesso à internet e compra o jornal”, pondera. “Quando eu trabalhava na Gazeta do Povo a gente sempre tinha essa discussão, mas é inconclusiva, ninguém sabe”, finaliza Ruy, sobre o possível fim do jornal impresso.

Depois de duas horas de entrevista, Ruy faz comentários sobre as notícias do dia. Fala sobre a perseguição ao Lula, a seletividade da Lava Jato e a opção da Justiça de não ver os crimes de outros partidos, como do PSDB. Convencido de que é um sujeito comum, Ruy estranha o interesse de um jornal escrever sobre sua vida. Mal posso esperar pelos rabiscos de Ruy neste perfil.

Edição: Ednubia Ghisi