Minas Gerais

Saúde

Governo de Minas não repassa dinheiro ao Ipsemg e usuários ficam sem atendimento

Salário dos servidores segue sendo descontado todo mês; no entanto, cresce número de serviços cancelados e recusados

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Desde fevereiro de 2018, servidores e trabalhadores do Ipsemg intensificam as mobilizações, que acontecem há aproximadamente 2 anos
Desde fevereiro de 2018, servidores e trabalhadores do Ipsemg intensificam as mobilizações, que acontecem há aproximadamente 2 anos - Reprodução

"Há algum tempo, pesquisei dentistas credenciados no site do Ipsemg e marquei uma consulta com uma profissional. Chegando lá, fiquei sabendo que ela não estava mais atendendo pelo plano. Procurei por outro e foi a mesma coisa. No fim, tive que pegar dinheiro emprestado e pagar tudo do meu bolso: peças, radiografias, restaurações", relata Débora Lacerda*, que no Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg) é dependente de sua mãe, servidora pública do estado.

"Tive que pagar R$ 200 para receber dois resultados de exames sérios que fiz em um laboratório teoricamente credenciado pelo Ipsemg. Era para ser R$ 400, mas a sorte foi que o laboratório aceitou me atender por um preço menos alto. Eles cortaram o atendimento porque o governo não está pagando o que deve", conta Sônia Martins, que é servidora do estado aposentada.

Trabalhadores em dia

Tanto ela quanto a mãe de Débora continuam pagando o Ipsemg, que prestava assistência médica, farmacêutica, odontológica e hospitalar. Todo mês são retirados 3,2% dos salários dos servidores, mesmo que eles não usem qualquer serviço do plano. Quando utilizam, eles pagam um valor adicional referente ao procedimento que será realizado – de consultas simples a cirurgias.

Cabe ao governo inteirar mais 1,6% na verba. No entanto, de acordo com as denúncias, o estado não só não estaria complementando a quantia, como destinando o dinheiro que é pago pelos servidores para outros setores. “A contribuição do governo e o que é pago pelos trabalhadores deveriam ir para o caixa do Ipsemg, mas estão indo para o caixa único do estado. E não há repasse deste valor para o plano. Ou seja, no nosso entendimento, o estado usa esse valor para fazer o pagamento da conta que ele acha que cabe naquele momento", declara o presidente do Conselho de Beneficiários do Ipsemg (CBI), Alexandre Pires.

É por causa da falta de repasse ao Ipsemg que acontece o atraso no pagamento dos fornecedores (clínicas, laboratórios e hospitais credenciados). Assim, aumenta cada vez mais o número de servidores que têm o atendimento negado nestas unidades e também a quantidade de trabalhadores que não encontram alternativa além de recorrer ao setor privado de saúde.

Desde fevereiro de 2018, servidores e trabalhadores do Ipsemg intensificam as mobilizações, que acontecem há aproximadamente 2 anos, exigindo melhorias. O governo chegou a admitir que "enfrenta dificuldades" para cumprir com os pagamentos, mas afirmou que a estimativa era de que até março tudo estaria regularizado. Porém, as informações que o CBI e o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público do Estado de Minas Gerais (Sindpúblicos-MG) possuem é de que nem os últimos meses de 2017 foram quitados. “É uma situação que eu nunca vi acontecer. Os hospitais que ainda atendem fazem por questão de humanidade”, ressalta o diretor do Sindpúblicos, Geraldo Henrique.

Hospital precarizado

Além da rede credenciada, que são as instituições privadas que fazem convênio com o Ipsemg e realizam uma parte dos atendimentos, o plano possui uma rede própria que engloba consultórios de médicos concursados, pronto-socorro e um hospital. A situação vivida pelos funcionários e usuários de lá é um caso à parte.

De acordo com o último informe do governo, em fevereiro, a fila de espera para as cirurgias no local chegava a 7 mil pessoas. Elas foram suspensas, segundo o Ipsemg, por uma greve dos médicos anestesistas que reivindicavam melhores salários e condições de trabalho. A unidade começou, então, a realizar apenas cirurgias em pessoas com problemas graves, que já estavam na UTI e dependiam dos procedimentos. "O pior é que o hospital atende todo o estado, então o beneficiário saía lá de Uberlândia, por exemplo, pegava 10h de estrada, chegava lá e recebia a notícia que a cirurgia estava cancelada”, afirma Alexandre.

Ele denuncia que, em alguns casos graves, o atendimento também não ocorreu. É o caso de uma usuária, recuperada de câncer, que deveria fazer uma reconstrução mamária e não conseguiu. O Ipsemg também declarou que iria contratar 14 novos anestesistas que não teriam vínculo com o sistema e sim com a rede credenciada, mas até o momento o instituto não se manifestou sobre as admissões.

Outras denúncias seriam a respeito dos elevadores do prédio, que estragariam com frequência. Alexandre conta que já aconteceu de usarem o mesmo para transportar pessoas que faleceram e a comida do restante dos pacientes. “Senhor de idade tem que subir escada. No pronto-socorro, os servidores esperam em média de 5 a 7 horas por atendimento, quando são atendidos. Já vi um idoso ficar dois dias sentado em uma cadeira esperando alguém avaliar se ele precisava ser internado", reitera o presidente.

O Ipsemg declarou à reportagem que iniciou os pagamentos aos prestadores de serviço no primeiro dia útil de março, visando quitar os débitos do final de 2017 e início de 2018, e que o atraso foi “devido ao bloqueio da União, que atrasou o repasse de recursos ao Governo de Minas Gerais”. 

O governo prometeu que até o final de abril “a normalidade dos pagamentos será restabelecida”. Até o fechamento da matéria, o órgão não informou sobre as contratações do quadro de funcionários.

*Nome fictício

Edição: Joana Tavares