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Artigo | Sair do espeto para cair na brasa

EBSERH foi aprovada para gerir o Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
O HC-UFU será o 40º hospital universitário no Brasil a ser gerido pela empresa e a previsão é que 1300 funcionários da Faepu sejam demitidos
O HC-UFU será o 40º hospital universitário no Brasil a ser gerido pela empresa e a previsão é que 1300 funcionários da Faepu sejam demitidos - Reprodução

Foi entre o final de 2013 e início de 2014 que a comunidade universitária da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) ouviu falar pela primeira vez da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH)**.

Se anunciava, na ocasião, um embate histórico no Conselho Universitário (Consun), uma reunião que ocorreria em janeiro de 2014 em que se debateria pela primeira vez se o Hospital de Clínicas da UFU deveria ou não passar a ser gerido pela EBSERH. 

A tarefa não era nada simples, tratava-se de decidir sobre a gestão de um dos maiores hospitais universitários do Brasil, com seus mais de 500 leitos, que atende a uma população de 2,5 milhões de pessoas e que passava por uma crise financeira sem precedentes. Era preciso, portanto, estudar, compreender do que se tratava exatamente a proposta.

E foi isso que o movimento estudantil fez. Estudantes dos mais diversos cursos, organizados em centros e diretórios acadêmicos, no Diretório Central de Estudantes, em movimentos ou coletivos, passaram a ser vistos andando pela universidade com os braços cheios de pesquisas, artigos, decretos, estatutos. 

Nos corredores, várias dúvidas e cochichos: se é uma empresa, então a lógica é de produtividade? Como funciona na prática uma empresa pública de direito privado? Quem está por trás de suas decisões? Está garantida a gratuidade do atendimento? Qual compromisso a empresa possui com o SUS? Quais são as garantias de que haverá espaço e incentivo para ensino, pesquisa e extensão?

 A EBSERH vai aprofundar a precarização do trabalho no hospital? O que vai acontecer com os mais de mil trabalhadores que serão demitidos, caso a proposta seja aprovada?

O que logo de início ficava evidente, era a grande quantidade de perguntas que permaneciam sem respostas, mesmo após vasculhadas páginas e páginas de documentos. Era, no entanto, um consenso no movimento estudantil que o modelo empresarial e de parceria público-privada passava longe do ideal e do que é preconizado pelo SUS. Diante disso era necessário se posicionar.

Naquela época, se iniciou o burburinho, passagens em sala, cartazes, intervenções. Estava vindo à público: o movimento estudantil da UFU era contra a adesão à empresa brasileira. Foram várias reuniões do Consun antes que se chegasse a uma decisão, e muitos atos e manifestações acompanhando todas elas. Por fim, em março de 2014, o Conselho assinou a pré-adesão da UFU à EBSERH.

Passaram-se, no entanto, quatro anos até que a questão chegasse ao seu desenlace, devido a problemas burocráticos e contratuais entre a empresa e o hospital. O que ninguém poderia prever é que, nesse período historicamente tão curto, o Brasil mudasse tanto.

Se a crise dos hospitais universitários já era uma realidade desde 2010, nesses últimos anos por vezes a situação tomou feições de calamidade, e o desmonte do SUS tornou-se uma realidade palpável após o golpe de 2016. Cirurgias eletivas canceladas, unidades fechadas, falta de medicamentos básicos, pacientes amontoados em corredores se tornaram cenários cada vez mais cotidianos.

Foi então que uma outra pergunta que sempre figurara como pano de fundo dos debates se tornou mais evidente: ser contra a EBSERH seria, na prática, defender que o HC-UFU continuasse sendo gerido pela Fundação de Assistência, Estudo e Pesquisa de Uberlândia (FAEPU)?

Pois se a EBSERH não corresponde ao modelo de gestão pública idealizado na criação do SUS, tampouco uma fundação de direito privado, uma autarquia, como é o caso da FAEPU, poderia corresponder.

A FAEPU nos últimos anos passou a ser conhecida pela sua má gestão, pela obscuridade de suas contas e seus processos de decisão, e por promover a promiscuidade das relações entre público e privado, deixando a gestão de saúde municipal impotente diante do maior e mais importante hospital da cidade de Uberlândia.

Seja como for, o fato é que, na sexta-feira, dia 23 de março de 2018, em uma reunião extraordinária do Consun que se iniciou às 9h e terminou às 16h, foi aprovada definitivamente a adesão a EBSERH.

O HC-UFU será o 40º hospital universitário no Brasil a ser gerido pela empresa e a previsão é que 1300 funcionários da Faepu sejam demitidos nos próximos três anos. Manifestaram-se contra a decisão técnicos administrativos, estudantes e alguns professores.

Sobre a aprovação é possível dizer, sem medo do equívoco, que grande parte das perguntas que foram feitas quatro anos atrás ainda não estão respondidas. Há pouquíssima sistematização sobre como concretamente tem sido a gestão da EBSERH nos hospitais que aderiram a ela.

Nessa tempestade de dúvidas que circunda a gestão dos hospitais universitários, não só em Uberlândia, mas no Brasil, talvez seja possível estabelecer dois pilares que nos sirvam como faróis: em primeiro lugar, é necessário estimular a produção de conhecimento sobre a experiência concreta da EBSERH nos hospitais universitários, em segundo lugar, trabalhadoras e trabalhadores do hospital, usuárias e usuários do SUS e estudantes da UFU precisam manter a vigilância e a atenção, para conjuntamente reivindicar seus direitos e pressionar a gestão para que seja o melhor possível. Um povo consciente é a melhor arma que existe para mudar a realidade.

*Sofia Alves é estudante de Medicina na UFU e militante do Levante Popular da Juventude.

**A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) foi criada em 2011 pelo Governo Federal. É uma empresa pública de direito privado vinculada ao Ministério da Educação para gerir os Hospitais Universitários e as verbas do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf) de 2010.  A proposta veio como uma tentativa do governo de solucionar a grave crise financeira pela qual passavam os HUs no Brasil.

Edição: Larissa Costa