Cinema

Corte na Cultura é tentativa de sufocar a voz da periferia, diz Alessandro Buzo

Cineasta e escritor apresenta o seu segundo longa. "A arte liberta, mas não temos acesso; é tudo contra", diz

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Filme "Fui!" foi rodado no final de 2017, parte dele no litoral Norte de São Paulo
Filme "Fui!" foi rodado no final de 2017, parte dele no litoral Norte de São Paulo - Divulgação

O diretor de cinema e escritor Alessandro Buzo vai apresentar neste domingo (15) o filme Fui!, em uma pré-estreia na Galeria Olido, às 14h, no centro de São Paulo, com ingressos esgotados. O lançamento oficial do longa será em janeiro de 2019.

Este é o segundo filme de Buzo que já havia escrito e dirigido o longa Profissão MC, em 2010, com o rapper Criolo como protagonista. Buzo, que é uma referência na literatura marginal e na cultura periférica brasileira, também comanda a livraria Suburbano Convicto, onde acontece um sarau semanal para lançamentos de livros e agitação cultural.

"A arte liberta, mas querem que nós periféricos não tenhamos acesso, é tudo contra", disse.

No novo filme, totalmente independente e com atores que nunca tinham atuado em cinema antes, o cineasta aborda a história de uma garota que termina um relacionamento abusivo em São Paulo e parte para uma vida nova em São Sebastião, no litoral Norte do estado. Lá a vida da protagonista passa por diversas reviravoltas. O roteiro também aborda, como pano de fundo, as reviravoltas vividas no Brasil nos últimos anos.

Confira trechos da entrevista do Brasil de Fato com o cineasta:

Brasil de Fato: "Fui" é um filme sobre 'busca' e 'recomeço'. Qual é a visão hoje sobre recomeço?

Alessandro Buzo: Recomeço é se dar a chance de um novo final, é tentar o novo.

Como foi a relação com os atores? E essa sua opção por lançar pessoas que não tinham atuado antes? No seu filme anterior, rolou a mesma coisa com o Criolo não foi?

Convidei o [rapper] Brenalta Mc para ser um dos dois protagonistas e disse: 'No meu primeiro filme, o protagonista foi o Criolo... [e a carreira dele teve estouro], risos. A opção por atores não-profissionais é porque eu acredito que todo mundo é capaz. Precisa só ele acreditar.

Você desenvolveu o roteiro e filmou de forma independente numa cenário de golpe político no Brasil e muita incerteza, além de uma guinada brutal para a direita. De algum modo isso tudo influenciou no seu jeito de dirigir o filme?

Fizemos [as filmagens] no início do ano passado, quando eu estava com muito tempo livre e quase nenhum dinheiro. Valorizando o tempo livre sem olhar as dificuldades. Montei uma equipe técnica de 10 pessoas, só de atores foram 33 além dos figurantes. Usamos três câmeras, drone, tem até cenas aéreas de helicóptero. Restaurantes locais deram almoço pra equipe em dias de filmagens, fomos eliminando etapas até estar pronto. Foi uma batalha de resistência. Não deixar o golpe influenciar e lapidar nosso talento, a nossa liberdade,  foi uma forma de fazer acontecer.

A obra também aborda a questão do feminismo e da liberdade?

Falamos de feminismo, uma mulher [interpretada pela Camila Lobato] mudando de área, de cidade, pra se livrar de um ex- marido, mesmo acreditando que ele nunca chegaria longe demais. Essa é a realidade de muitas mulheres e no filme ela dá a volta por cima.

O que mudou no Buzo como diretor do filme Profissão MC para o filme Fui?

Estou bem mais experiente, lancei o Profissão Mc em 2010, quando estava na TV Cultura. Entre 2011 e 2014, apresentei o quadro cultural no SPTV da Globo, foram 147 quadros, eu produzia e apresentava, virei craque em contar histórias e me familiarizei com áudio visual.  O diretor do Fui! é um Buzo bem mais preparado, o filme foi mais organizado, mais pensado. A única coisa igual é que não captamos dinheiro e isso atrapalha um pouco, mas eu sabia o que queria e estava fazendo, no Profissão MC não sabia se daria certo.

Com o golpe de 2016 muitos projetos culturais ficaram inviabilizados pela falta de política públicas para a cultura. Como você avalia um governo que não investe em cultura e que por outro lado congela os gastos em educação e saúde?

É triste, incentivo a cultura salva vidas, muda trajetórias, combate a violência. A arte liberta, mas querem que nós periféricos não tenhamos acesso, é tudo contra. Mas a gente capota mais num breka, eu não espero nada, dou a cara a tapa e vou pro arrebento. Mas sem a minha credibilidade [nos movimentos culturais de periferia], não iria a lugar nenhum, vale mais que dinheiro.

O Brasil está em um ano eleitoral cheio de incertezas e com uma retomada da luta por democracia. Na literatura marginal, que é a sua praia, também está rolando um movimento de união por mais espaço e incentivo à produção?

Na literatura marginal e saraus, vejo um monte de artistas descapitalizados. Veja bem, eu com toda visibilidade que a TV um dia me deu, é complicado, imagina pro cara lá no fundão, desconhecido do grande público. A literatura marginal é resistência, mas o corte de verbas públicas pra cultura, tenta sufocar nossa voz.

Faço um sarau semanal há 8 anos, as vendas na livraria,  onde o sarau acontece não banca as portas abertas, se não for contratações, acaba. Porque semanal é por amor, já fazemos no dia a dia, mas é fazer fora, contratado, ajuda a bancar a cena, mas é sempre difícil, na crise, muitos não investem em cultura e querem com isso, fazer a gente desistir, vão continuar esperando, o bonde não para.

Confira o trailler do filme Fui!, Suburbano Convicto Produções e da DGT Filmes.

Edição: Juca Guimarães