Minas Gerais

Análise

Alvo de diversas acusações, Aécio vira réu no caso JBS

Entenda melhor os detalhes e motivos do processo contra o tucano e outras denúncias que não tiveram continuidade

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

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Receio é que a investigação contra Aécio seja usada apenas para legitimar a prisão do ex-presidente Lula
Receio é que a investigação contra Aécio seja usada apenas para legitimar a prisão do ex-presidente Lula - Wilson Dias/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou a denúncia de corrupção passiva e obstrução de Justiça contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG) nesta terça-feira (17). Por unanimidade, os ministros Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e Alexandre de Morais admitiram a abertura do processo por corrupção. Por obstrução de Justiça foram 4 votos a 1, já que Alexandre de Moraes votou contra.

O caso teve início por conta da Lava-Jato e se refere às delações dos executivos do grupo J&F Investimentos, que controla a JBS. É a primeira vez que um tucano vira réu no contexto da operação.

O que acontece agora?

A aceitação da denúncia levará à abertura de uma ação penal que investigará o ex-governador de Minas Gerais. Quando o passo for concluído, o STF poderá iniciar a fase de depoimentos de testemunhas de acusação e defesa. Depois disso, o réu é ouvido e o Supremo apresenta sua decisão final. Não existe um prazo para essas etapas do processo.

Pela lei, a ação de tornar Aécio réu não afeta o mandato do senador, que mantém prerrogativas e imunidades do cargo. E se por ventura o político for condenado, cabe ao Senado decidir se ele permanece ou não no posto. No final de 2018, Aécio termina a sua atuação como senador, perdendo o foro político se não for reeleito. O seu processo seria, então, enviado à primeira instância.

Porém, no âmbito das relações políticas, a reeleição de Aécio pode ficar um pouco complicada. O pré-candidato a presidente e ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB-SP), declarou que seria melhor se o senador não disputasse as eleições deste ano. "É claro que o ideal é que ele não seja candidato, é evidente", disse em entrevista à rádio Bandeirantes.

Aécio respondeu sugerindo que a decisão caberia a ele e ao PSDB mineiro. "É uma decisão coletiva que vamos tomar no momento certo em função do quadro eleitoral de Minas Gerais", argumentou.

Para o deputado estadual Rogério Correia, a proteção a Aécio é cada vez menor. "Ele não é e não tem condições de ser candidato. As pesquisas mostram uma rejeição enorme em Minas, só perde para o Temer. E os próprios políticos do PSDB estão fugindo dele igual o diabo foge da cruz", diz o parlamentar.

Investigação pode ser estratégia

Para Renan de Carvalho, do Quem Luta Educa, articulação de sindicatos e movimentos populares criada para lutar contra as irregularidades do governo tucano em Minas Gerais, o anúncio do inquérito deve ser analisado com cautela.

“Pra gente de Minas, é impossível não sentir prazer ao ver o Aécio começando a pagar pelo que cometeu, o que denunciamos há mais de 10 anos. Mas a questão é quando isso acontece e o que está por trás disso. Ele é um político da direita que não tem expressão eleitoral quase nenhuma, já é queimado, carta fora do baralho. E é uma esperteza que usem o Aécio para mostrar que a Justiça é para todos e que todos vão ser igualmente julgados", defende.

Renan explica que os crimes cometidos devem ter punição, mas o receio é que a investigação contra Aécio seja usada apenas para legitimar a prisão do ex-presidente Lula. "Precisamos pensar se esse processo do Aécio vai mesmo pra frente, se ele vai chegar a ser julgado, condenado e preso, e se ele vai ser o único. Porque a gente sabe que ele não é o único político que cometeu crimes e não queremos que ele seja só um exemplo, uma maneira de justificar o processo de golpe que acontece no país", ressalta.

Além disso, o deputado Rogério Correia chama a atenção para as diversas vezes que Aécio foi acusado, mas as investigações não caminharam. Muitas delas chegaram a prescrever. "Ir até o final é outra história. É preciso ver isso com desconfiança, porque a Justiça tem dados sinais de 'tucanagem’ explícita. Também querem vincular o caso de Lula com o do Aécio e não tem nada a ver. Um é inocente comprovado e o outro era um político protegido, mas que agora não serve para nada".

Outras denúncias

Além dessa acusação, Aécio é alvo de outros oito inquéritos no STF – cinco baseados nos depoimentos de delatores da Odebrecht por supostas solicitações de propina e doações do caixa dois da empreiteira.

O tucano é também o mais citado na Lista de Furnas, documento que revelou os nomes que participaram do esquema de caixa dois na empresa estatal. A Polícia Federal (PF) o declarou como inocente e o arquivamento total do inquérito depende de um parecer favorável da Procuradora Geral da República (PGR) e do ministro Gilmar Mendes.

Aécio é, ainda, o principal agente no escândalo do aeroporto da cidade Cláudio, no interior de Minas, que foi construído com dinheiro público dentro de uma fazenda do tio-avô do tucano. O empreendimento custou quase R$ 14 milhões e, de acordo com a PF, servia para atender a família Neves.

O político também descumpriu o artigo 54 da Constituição Federal, que estabelece que parlamentares não podem ser proprietários, diretores ou controladores de empresas concessionárias de serviço público.  Por quase seis anos, ele foi sócio da Rádio Arco-Íris, que opera em Belo Horizonte como Jovem Pan (FM 99,1 MHz), e suas cotas correspondiam a 44% do capital social da empresa. Desde o início do seu mandato como governador de Minas até o término da era tucana no governo do estado, os gastos com publicidade aumentaram 900%. Só a Arco-Íris chegou a receber R$ 1,6 milhão. Aécio também é conhecido por censurar programas e reportagens da mídia mineira, além de influenciar na demissão de jornalistas que criticavam a sua gestão.

Aécio também tem o nome envolvido em um dos maiores casos de desvio de dinheiro do país. Nos períodos em que ele e seu sucessor, Antonio Anastasia (PSDB-MG), atuavam como governadores de Minas, a Emenda 29 – que obriga o investimento mínimo de pelo menos 12% do PIB estadual no Sistema Único de Saúde (SUS) – não foi cumprida. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), de 2003 a 2011 foram desviados R$ 14 bilhões da área da saúde.

Edição: Joana Tavares