Justiça

STF criminaliza a política ao aceitar denúncia contra Aécio, diz jurista

Marco Aurélio de Carvalho, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, denuncia ilegalidades da Lava Jato

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O senador Aécio Neves é réu em processo penal por corrupção e obstrução de Justiça
O senador Aécio Neves é réu em processo penal por corrupção e obstrução de Justiça - Reprodução

O Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou, nesta terça-feira (17), denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral de República (PGR) contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG). No âmbito da Operação Lava Jato, o senador foi acusado pelos crimes de corrupção passiva e obstrução de Justiça. Para juristas, entretanto, a aceitação dessa segunda denúncia constitui uma criminalização da atividade parlamentar de Aécio.

É o que afirmou Marco Aurélio de Carvalho, advogado integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), em entrevista ao Brasil de Fato. O jurista considera que ação faz parte de uma série de arbitrariedades que a Lava Jato vem cometendo ao longo dos últimos anos e que vêm sendo denunciadas pela ABJD.

“O que queremos, sem mais nem menos, é que a justiça seja aplicada para todos. Então esquecendo que é o Aécio, ele, em nenhum momento, poderia ter sido acusado de obstrução de justiça por exercício regular de atividade parlamentar”, afirmou.

Carvalho destaca também que o processo contra Aécio tem sido utilizado para passar uma imagem de suposta neutralidade da Operação, que é acusada de perseguir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso no último dia 7 de abril.

“Estão querendo legitimar a justiça penal do inimigo, aplicada contra o Lula, para adversários políticos de Lula, exatamente para passar a impressão para os leigos que estamos diante de um processo penal isento. Isso é um equívoco muito grande. Então é uma estratégia para legitimar as ações de exceções que estão sendo feitas contra grupos de esquerda em especial. Temos que lembrar que Aécio é um tucano que já está fora do ninho, ninguém quer estar perto dele”, disse.

Confira a entrevista completa: 

Brasil de Fato - Como o processo de Aécio Neves também serve para ilustrar as arbitrariedades cometidas pela Operação Lava Jato?

Marco Aurélio de Carvalho - Vamos esquecer que é o Aécio, porque não podemos fazer com os outros o que não queremos que seja feito com a gente. A justiça não pode eventualmente tirar a venda dos olhos para espiar quem é o réu. Defendemos uma justiça com parâmetros e que traga segurança jurídica para todos. Então o que vale para Aécio, é o que vale para Lula, para mim e para você, ou pelo menos é o que deveria valer. O fato de ele ter feito a disputa política bastante fervorosa e ardente que fez conosco, não pode em hipótese nenhuma nos cegar em uma visão equivocada.

O que queremos, sem mais nem menos, é que a justiça seja aplicada para todos. O tucano, em nenhum momento, poderia ter sido acusado de obstrução de justiça por exercício regular de atividade parlamentar. Ele foi eleito pelo povo de Minas Gerais. Uma eleição não questionada, e recebeu mandato parlamentar. Então ele tem funções típicas e atípicas, as funções típicas de um parlamentar são as legislativas, e as atípicas são a de fiscalização, que têm relação direta com o tipo de atividade que ele pode exercer em relação ao Tribunal de Contas, ao próprio governo, etc. Isso está previsto na própria Constituição Federal, a partir do momento que ele recebe mandato parlamentar, ele tem mais é que legislar.

Então, a denúncia recebida por obstrução de justiça, porque ele voltou contra algumas medidas que estavam no Pacote das 10 Medidas Contra a Corrupção, é no mínimo reprovável. Sim, ele alimentou esse ódio do qual ele é vítima, e é um dos principais responsáveis pelo que acontece com ele. Mas em nenhuma situação do tipo qualquer parlamentar poderia ser criminalizado.Foi u m equívoco muito grande do tribunal, eles criminalizaram a política. Isso foi um alerta feito inclusive pelo advogado que representa Aécio, Alberto Zacharias Toron. Pelo menos nesse aspecto, a denúncia não deveria ter sido recebida.

Quais outras exceções jurídicas, além da criminalização da política, podemos observar nesse caso?

O Ministro Luís Roberto Barroso, que é julgador do caso, falou fora dos autos. Em nenhum país do mundo um juiz que vai julgar um caso pode fazer isso. Ele deu entrevista para a Globo citando o caso Aécio, dizendo que tinha provas fartas. Isso é muito grave. Além do recebimento da denúncia, a própria forma como as delações foram feitas, a armadilha a qual o Aécio foi submetido, independentemente de ser quem é, é algo que precisa ser pensada. Isso no Direito não é bom para ninguém. Ele sofreu teste de integridade. Independentemente de ter cometido o delito que cometeu, ele foi vítima de uma armação.

A própria questão da corrupção ali, a contrapartida que ele recebeu, não está muito definida também. Então não posso deixar de achar que é um equívoco jurídico. Mesmo a decisão de suspensão do exercício do mandato dele foi um equívoco de graves proporções, uma afronta ao próprio Senado. Mas fica claro que a justiça hoje está sendo aplicada com seletividade, e que como ficou chato agora que prenderam o Lula, eles tem que justificar esse processo. Mas lembrando que apenas receberam a denúncia do Aécio, o processo ainda não acabou, pode ser que na hora da condenação o liberem.

Acha que o processo de Aécio está sendo utilizado para passar a imagem de neutralidade da Lava Jato?

Isso tem paralelo com tudo o que está acontecendo no país. Porque cria-se a ideia de que a lei é para todos. Estão querendo legitimar a justiça penal do inimigo, aplicada contra o Lula, para adversários políticos de Lula, exatamente para passar a impressão para os leigos que estamos diante de um processo penal isento. Isso é um equívoco muito grande. Então é uma estratégia para legitimar as ações de exceções que estão sendo feitas contra grupos de esquerda em especial. Lembrando que o Aécio é um tucano que já está fora do ninho, é um tipo de tucano radioativo, então ninguém quer estar perto dele, por isso que não salvaram. O caso do Alckmin, por exemplo, foi levado para a Justiça Eleitoral.

Qual a lógica então de levarem o caso de Vaccari, a mesma situação, para a Justiça Criminal? Não há lógica que sustente. Nós estamos vivendo um momento muito delicado no país, um avanço do estado de exceção, que culminou no golpe constitucional que a gente sofreu. Hoje vivemos uma nova conformação no mundo, os golpes vêm sendo dados sem o uso da força, até porque não seria aceito o aparato militar para atingir resultado, então para buscar legitimidade, eles interpretam a lei do jeito que querem, de forma circunstancial, com objetivo eleitoral, e dá aspecto de legitimidade. O Lula foi condenado por um processo que jamais poderia levar ninguém a condenação, mas trouxe uma sentença penal condenatória executada provisoriamente. Por ter sido confirmado por juízes passa a ideia de legitimidade.

Você acredita que o próprio PSDB se beneficia desse processo?

Você cria, na verdade, uma separação. Alguns são cidadãos de segunda classe. O Aécio vai para a câmara de gás, e os tucanos, chamados santos, estão acima de tudo a qualquer dúvida, e o programa deles é memória eleitoral. Tanto a justiça sabe disso que pegou o Aécio, candidato à presidência. Para o próprio PSDB isso traz dividendos eleitorais, pois o Aécio não é uma pessoa próxima ao Alckmin, ainda tinha um grupo de apoio que perdeu. Isso traz facilidade para o Alckmin, porque elimina o adversário interno, e cria na opinião pública a ideia de que o PSDB não está acima da lei, mas que os que fizeram coisas erradas já foram punidos.

Edição: Diego Sartorato