CRÔNICA

Venezuela: Por que o chavismo continua movendo multidões?

Em crônica, a jornalista Fania Rodrigues acompanha um dia na campanha de Maduro e reflete sobre a atualidade do chavismo

Brasil de Fato | Maracay (Venezuela) |
Presidente faz campanha eleitoral na cidade de Maracay, estado de Aragua
Presidente faz campanha eleitoral na cidade de Maracay, estado de Aragua - Fotos: Fania Rodrigues

Depois de uma viagem de 2h30, saindo de Caracas, chegamos à cidade de Maracay, estado de Aragua, no interior da Venezuela. Um muro de três metros de altura separa os jornalistas do público. Dois portões de metais se abrem lentamente e deixam entrever um estádio lotado, em sua capacidade máxima. Parece uma final de campeonato, mas é a campanha eleitoral do presidente Nicolás Maduro, que tenta a reeleição no dia 20 de maio.

Continua após publicidade

Os jornalistas ficam impactos com aquela cena. Nas arquibancadas, uma maré vermelha se posta em frente a um gramado tão verde que parecia ter sido recém plantado. No centro do estádio um palco baixo, muito próximo ao público de jovens estudantes e trabalhadores.

O sol está caindo, levemente amarelado, quando aparece o presidente Nicolás Maduro, com seus quase dois metros de altura.

O estádio não de futebol, mas sim de beisebol. O esporte que está para a Venezuela como o futebol está para o Brasil. É uma paixão nacional. Chávez era torcedor da equipe Navegante de Magallanes, um dos times mais populares do país. Nós, no entanto, estamos no território do Tigres de Aragua que, assim como o Magallanes, faz parte da Liga Venezuelana de Beisebol Profissional.

Maduro está acompanhado pelo jogador Potro Alvarez, uma estrela do beisebol nacional. Jogou em equipes da Venezuela e também dos Estados Unidos, como o Pittsburgh Pirates e o Chicago White Sox, que atuam na Major League Baseball (MLB), o ponto mais alto do beisebol mundial. Trata-se de um venezuelano que fez sucesso no mundo. O esportista de maior destaque da Venezuela. Potro é visto como herói nacional. E é um chavista declarado.

Era para ser apenas mais um ato da campanha eleitoral, mas não parece ser como os demais. Há algo diferente. Talvez por conta do dia ensolarado ou pela música que anima a multidão. A equipe do presidente está tranquila, a Guarda de Honor [responsável pela segurança de Maduro] está mais flexível, coisa rara. Pode ser por conta do povo de Maracay, que está feliz em receber o chefe do Estado venezuelano, ou talvez porque a situação do país se tornou menos tensa nos últimos meses. Mas não é só isso. Há algo mais no ar.

Não é só um encontro do presidente com o povo. É o reconhecimento de um processo histórico que começou em 1999. Ali está o sucessor de Hugo Chávez. Não é apenas Maduro: é a representação do líder atual do chavismo. Que outro político venezuelano seria capaz de encher um estádio apenas para ouvir um discurso eleitoral? Repeti essa pergunta à exaustão. A reação era uma só. Primeiro o silêncio, depois a reflexão de alguém que busca na memória alguma figura pública e logo a resposta: ninguém.

Por que, em meio uma crise econômica e política tão profunda, quando as classes populares estão passando por imensas dificuldades e a classe média teve seu poder de consumo reduzido, milhares de pessoas vão, emocionadas, a um estádio escutar o presidente da República? A resposta vem do jovem líder comunitário da favela La Pastora, em Caracas. “O chavismo é a única força política que nos oferece uma saída e um projeto de país”, diz Jesus García.

No entanto, os opositores, partidos de direitas, adversários de Chávez e, agora, de Maduro recusam a aceitar e a entender o chavismo. Apenas o negam. Negam que o chavismo seja uma identidade política e cultural. Uma força revolucionária consistente. Com todos os problemas e erros que podem ter ocorrido, foi o projeto político que reparou uma dívida social histórica, criando sistemas de saúde e educação públicos, assim como programas de construção de casas populares e distribuição de renda. Contudo, o chavismo não pode ser reduzido às conquistas materiais.

Voltando ao estádio dos Tigres de Aragua, o presidente vai começar o discurso. O palco baixo, de meio metro de altura, deixa o candidato a reeleição a poucos metros do público, composto em sua maioria por jovens e adolescente do programa social Chamba Juvenil (Trampo Juvenil, em livre tradução).

Durante sua fala, Nicolás Maduro anuncia que o programa chegou ao jovem número 1 milhão e que, a partir de agora, eles receberão um salário mínimo (no valor de 1 milhão de bolívares). O Chamba Juvenil oferece um estágio a jovens em idade escolar para trabalhar em órgãos do governo ou no campo da cultura, e por isso recebiam uma bolsa em um valor simbólico.

Nesse momento, lembrei da jovem de 16 anos que conheci nesta manhã, enquanto esperava o carro que levaria os jornalistas até Maracay. Ela estava entrando no canal estatal, a VTV, para começar em seu primeiro dia de estágio. Pediu meu celular emprestado para enviar uma mensagem. Já estávamos na estrada quando vejo que ela não apagou o texto enviado. Dizia: “Mãe, deposita o dinheiro para eu comprar a passagem de ônibus para voltar pra casa e também para que eu possa comprar uma banana, porque meu estômago está doendo”. Ela agora terá um salário. Seu estômago vai parar de doer.

Maduro veste uma camisa verde-água, que contrasta com a vestimenta vermelha do público. Chávez também vestia cores claras quando estava campanha, passava uma mensagem de coalisão, de ser “amplo nas ideias”. Mas por baixo sempre havia uma gola de camiseta vermelha. No fundo, ele queria dizer, “por dentro sempre serei vermelho, socialista até o final”. O chavismo não cabe dentro do Partido Socialista Unidos da Venezuela. Chávez era maior que o chavismo. E Maduro é seu herdeiro político.

Já passam das 17h quando o presidente deixa o estádio. O público se retira com uma disciplina impressionante. Em poucos minutos o local está vazio. Pareciam treinados para agir com precisão em ocasião de grandes eventos. Um exemplo de como funciona a máquina política venezuelana. Um país que vai para sua quarta eleição em menos de um ano,  que está acostumado aos fortes embates eleitorais. Essa é a história de um povo que optou pelas urnas como arma de luta.

Edição: Vivian Fernandes