ELEIÇÕES

Presidenciável, dono da Riachuelo prega fim do BNDES mas recebe empréstimos do banco

Discurso contraditório neoliberal sobre Estado mínimo é retrato da burguesia brasileira, diz professor

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Flávio Rocha, dono do grupo Riachuelo, em evento para empresários
Flávio Rocha, dono do grupo Riachuelo, em evento para empresários - Divulgação/Lide

Ele prega aquele combo que ficou conhecido pela nova direita como neoliberalismo regressivo: economia liberal, costumes conservadores (valorização da família, dos bons costumes e o combate ao politicamente correto), empreendedorismo, livre-iniciativa e Estado mínimo. Temas defendidos pelo Movimento Brasil Livre (MBL). Não à toa, Flávio Rocha, candidato a presidente do PRB, é o queridinho do grupo conservador.

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No entanto, o discurso político ideológico se contradiz com sua prática como empresário. O Grupo Guararapes, que integra a rede de Lojas Riachuelo, Confecções Guararapes, Midway Financeira, Transportadora Casa Verde e Shopping Midway Mall, fez 25 operações com juros entre 1% e 6% junto ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de 2009 a 2016,  totalizando R$ 1.271.212.922,00. Rocha herdou o grupo de seu pai, Nevaldo Rocha, fundador do Guararapes. A fortuna da família foi estimada em US$ 1,3 bilhão em 2017, a 39ª no ranking nacional da revista Forbes.

Para Rocha, o BNDES já cumpriu seu papel e os bancos privados, nos últimos anos, passaram a oferecer juros tão atrativos quanto os do banco estatal.

“Num cenário ideal, de economia realmente livre, não seria necessário uma ferramenta como o BNDES porque um governo com as contas equilibradas e o mercado financeiro regido pelo livre mercado há sim dinheiro para longo prazo para financiar o crescimento. O BNDES cumpriu uma etapa importante no país que tem desigualdade regionais, no momento que o país tinha as taxas mais altas do planeta”, afirmou Rocha.

O candidato disse ao Brasil de Fato que há dois anos não usa mais o BNDES e justificou o empréstimo feito no passado com as contrapartidas oferecidas pelo seu grupo e pelo imposto pago.

“Muito antes de eu imaginar em ser candidato, o BNDES ficou fora do nosso orçamento porque o sistema privado tem oferecido taxas melhores, menor custo de capital, para nossos investimentos. Isso aconteceu em 2017 e agora em 2018. Já estamos financiando sem o BNDES há bastante tempo. Outra coisa, esse R$ 1,3 bilhão é menos de 10% do imposto que nós pagamos no período. E isso gerou 15 mil empregos na Riachuelo. Em termos de contrapartida social é de longe um dos melhores investimentos do BNDES”, disse Rocha.

O pré-candidato acredita ainda que o modelo atual do banco estatal é ideológico.

“Não podemos mais aceitar o BNDES que pega dinheiro do tesouro brasileiro, do contribuinte, pra financiar obras faraônicas, de ditaduras bolivarianas, por questões ideológicas, o BNDES do Foro de São Paulo. É esse BNDES que não tem mais sentido nem razão de existir. É contra esse BNDES que eu me rebelo. E para qualquer atuação pontual de algum setor, dentro do interesse nacional, que tenha que ser estimulado não precise de banco estatal para isso. Pode muito bem ser um banco privado com taxa diferenciada para quem o governo, a política econômica, resolver privilegiar”, disse Rocha.

Guilherme Santos Mello, professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura (Cecon) da Universidade de Campinas (Unicamp),  explica ainda que o mercado de empréstimo a longo prazo do sistema bancário privado brasileiro não se desenvolveu.

“Isso tem a ver com a nossa condição de pais periférico, com o fato de que, principalmente, dos anos 90 para cá, as nossas taxas de juros base estão entre as mais altas do mundo, grande parte do estoque de riqueza privada está no curto prazo aplicado em título de dívida pública que rendem juros altos, tem segurança garantida e liquidez imediata. Então, por que um sistema bancário privado vai pegar seu dinheiro e emprestar pro Flávio Riachuelo, ou qualquer outro empresário, com prazo de dez anos e taxa de juros baixo, se ele pode aplicar no título de dívida pública sem risco nenhum? Então, o Flávio Riachuelo como empresario é pragmático e foi buscar onde existe crédito, que é o BNDES”, disse Mello.

Mello ressalta que o comportamento de Rocha é típico do empresariado brasileiro.

“A pessoa pode achar que o BNDES não é necessário. Agora, quando ele vai atuar na prática, no dia a dia, a atitude dele denuncia a verdade. Na cabeça dele, na ideologia, o BNDES não é necessário, mas na prática, ele percebe que precisa. Não é só ele, é ele e milhões de outros empresários brasileiros. A consequência de extinguir o BNDES é depender de um sistema bancário privado e do mercado de capitais que ao longo da história brasileira se mostraram absolutamente incapazes de ofertar crédito barato de longo prazo de maneira consistente e competitiva”, afirma o professor.

Burguesia

Ruy Braga, professor do departamento de sociologia da USP e autor de A rebeldia do precariado (ed. Boitempo, 2017) destaca que o Brasil desenvolveu um sistema capitalista tardio. O que significa que grande dos setores dominantes são relativamente frágeis para competição internacional. A resposta para essa fragilidade, segunda Braga, é uma forte proximidade desses setores burgueses mais frágeis ao Estado.

“Quer seja uma dependência política, porque depende que o Estado pacifique ou reprima a sociedade, ou dependência econômica dos fundos financeiros públicos para financiamento dos negócio. Essa dependência faz com que o empresário brasileiro seja politicamente muito ativo. O que significa, entre outras coisas, empresários assumindo papeis políticos, como Paulo Maluf, Antonio Ermínio de Morais, Paulo Skaf”, afirma Braga.

O professor explica também que os setores privilegiados da sociedade agem como sequestradores do Estado.

“Essa crítica ao Estado vem daquela ideia de que não é possível que se tenha um Estado que, por exemplo, promova concessões, que subsidie credito para pequena e médio produtor. Tem que ter todo recurso para grandes produtores, aqueles que sequestram a política brasileira, quer seja por financiamento de campanha ou por lobby”, disse Braga.
Braga define o pré-candidato do PRB à Presidência como o retrato da burguesia brasileira.

“Esse empresário é uma espécie de caricatura da classe empresarial brasileira. Uma classe contraditória, cínica, violenta, desinteressada e hostil às questões social. É um pouco o retrato da burguesia brasileira de uma maneira geral”

Edição: Juca Guimarães