Educação

ARTIGO | UFSCar - O que não fazer

Por que não reservar energias para juntos resistirmos e enfrentarmos a profunda crise que atravessamos?

Brasil de Fato |
Estudantes da universidade protestaram, recentemente, contra o aumento de 122% no preço do restaurante universitário
Estudantes da universidade protestaram, recentemente, contra o aumento de 122% no preço do restaurante universitário - Arquivo CCS/UFSCar

A Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Carlos (ADUFSCar-Sindicato) tem uma longa trajetória de lutas. Desde 1978, quando foi fundada, engajou-se na resistência à ditadura militar (1964-1985). Participamos organicamente dos movimentos em defesa do Estado Democrático de Direito e da Universidade Pública, que ajudamos a construir.

Hoje, em circunstâncias históricas diferentes, nos deparamos de novo com um chamado à luta de resistência. A população brasileira, ainda que muitas vezes sem consciência clara do que ocorreu, foi derrotada em uma guerra híbrida com patrocínio evidente dos EUA e, localmente, da casa-grande vira-lata, nossas elites dos super-ricos. Parlamento corrompido, eleito por um sistema político propositalmente falido, sistema midiático oligopolista (Globo à frente) e parte do sistema judiciário, a casta concurseira-judicial que faz política (de direita) por dentro das próprias instituições de Estado, foram os instrumentos de ação direta nessa guerra.

Estamos agora em uma encruzilhada histórica. Aceleram-se iniciativas de destruição do Estado, da democracia, de entrega da soberania nacional. Em particular, a continuidade em vigor da “emenda da morte”, EC 95, que congela por vinte anos os investimentos sociais enquanto preserva o pagamento de juros abusivos da dívida pública ao grande capital, irá inevitavelmente conduzir nosso país ao caos. A incerteza é nossa única certeza no curto prazo. 

Esse diagnóstico é hoje praticamente unânime entre os democratas convictos – para além das esquerdas, inclusive. Nosso problema é “o que fazer”? Como resistir, em um primeiro momento, e tentar reconquistar o terreno perdido a seguir? Sim, aproximam-se as eleições de 2018 – cuja garantia, com livre participação de todos (as) candidatos(as), incluindo Lula, cabe aos democratas defender, como primeira tarefa. Simultaneamente, temos que resistir como for possível à blitzkrieg promovida pelos golpistas para destruição maciça das ferramentas disponíveis ao Estado para ao menos mitigar nossas históricas injustiças sociais. 

Uma das mais importantes dessas ferramentas é o sistema de ensino público, tendo no seu topo o sistema de Universidades e Institutos Federais. Lutar pela preservação desse sistema é também tarefa prioritária.

Com fazê-lo? Muitas respostas podem ser dadas a essa questão, com maior ou menor convicção. Mas, antes de tudo, é preciso perguntar “o que não devemos fazer”?

A UFSCar, como parte desse sistema, está sofrendo com enormes restrições orçamentárias. Nesse contexto, é previsível que surjam conflitos internos – no presente, em torno de um aumento nos preços dos Restaurantes Universitários, questão que tradicionalmente foi motivo de luta de DCEs e da UNE como parte do movimento em defesa do ensino público. 

Entretanto, o que não devemos fazer é colocar os conflitos dentro da comunidade universitária em rota para o impasse. Neste ponto, não aceitamos nem a judicialização e criminalização dos movimentos sociais e nem o cerceamento da livre circulação dos professores em relação às suas atividades acadêmicas que são desenvolvidas nos âmbitos dos campi da Universidade. 

Dito de outra forma: de um lado, não se pode aceitar que a ação política ultrapasse os limites da convivência civilizada; como, por exemplo, o constrangimento a professores que simplesmente desejam entrar em seus gabinetes de trabalho. Por outro lado, é também inaceitável que se criminalizem individualmente lideranças estudantis em virtude de movimentos políticos de protesto como foi o caso da ocupação da Reitoria. Esta postura só contribui para acirrar o estado de exceção que vem se ampliando no Brasil – lembremo-nos de Cancelier!

Infelizmente, em um contexto tão difícil como o que estamos vivendo, setores da comunidade acadêmica parecem confundir adversários políticos com inimigos, como foi o caso da recente matéria “Reitora da UFSCar transforma reivindicação por alimento em questão policial”, contra o presidente da ADUFSCar.

Segundo essa falsa versão, ele teria cedido o auditório do sindicato para uma tertúlia enquanto os estudantes enfrentavam a ordem de desocupação. Esse fato, no entanto, é duplamente mentiroso: primeiro porque o presidente do sindicato estava na porta da Reitoria no momento da desocupação, ajudando a zelar pela integridade física das(os) alunas(os); e, segundo, porque as reservas daquele espaço são realizadas por qualquer associada(o) junto à secretaria do sindicato, tal como estabelecem as suas regras de funcionamento (consultar: www.adufscar.org).

Enfim, essa é uma demonstração transparente do que “não fazer”: criar inimigos entre os aliados na luta, que estão na mesma trincheira desta guerra. Por que não reservar energias para juntos resistirmos e enfrentarmos a profunda crise que atravessamos? Ou vamos esperar que o fascismo prevaleça para sermos solidários na cadeia?

*Amarilio Ferreira Junior é presidente da ADUFSCar-Sindicato. Este conteúdo foi publico em direito de resposta à publicação Reitora da UFSCar transforma reivindicação por alimento em questão policial.

Edição: Simone Freire