Resistência

Entenda como a mobilização popular barrou o mineroduto da Ferrous em Minas Gerais

O trabalho de base quebrou o discurso ideológico de desenvolvimento propagado pela mineradora

Parauapebas (PA) |
Seis anos de luta e mobilização fizeram com que a empresa desistisse de contruír o empreendimento
Seis anos de luta e mobilização fizeram com que a empresa desistisse de contruír o empreendimento - blog Campanha Pelas Águas / Reprodução

Em 2016, as populações da zona da mata mineira conseguiram barrar a instalação do mineroduto da Ferrous. O trabalho de base e a mobilização foram os principais instrumentos utilizados contra o discurso de desenvolvimentismo propagado pela mineradora.

Continua após publicidade

Rosilene Pires mora em Paula Cândido, uma das cidades por onde a tubulação iria passar. Segundo ela, o mineroduto partiria de uma mina localizada em Congonhas dos Campos (MG), e iria até a região portuária do Espírito Santo, rasgando 22 municípios - destes, 17 em Minas Gerais.

Continua após publicidade

Continua após publicidade

O mineroduto iria causar destruição de lavouras, casas, benfeitorias e nascentes / Foto: Levante Popular

Continua após publicidade

Pires, que faz parte do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), conta que foram seis anos de trabalho de base e de diálogo, visando explicar para as famílias o que era o mineroduto e os impactos que esse empreendimento iria acarretar para as populações. “Uma disputa ideológica muito grande”, disse Pires, "contra o discurso de desenvolvimento propagado pela empresa".

“E assim começou toda essa movimentação de contradizer o que a empresa estava dizendo, de fazer essa disputa: dia a dia passando nas casas, conversando com as famílias, fazendo pequenas reuniões, formando grupos de base em várias cidades, se reunindo para fazer atos, ocupando câmaras e fazendo assembleias populares”, relata.

Para que as populações pudessem entender o que era o empreendimento, vídeos e imagens da construção do mineroduto da empresa Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, eram exibidos para as populações das comunidades e municípios e “as pessoas foram entendendo que aquilo que a empresa estava dizendo era falácia pura”.

“A gente foi percebendo que as pessoas foram tomando consciência do que era o empreendimento. Foi uma emancipação muito forte porque antes se chegava na cidade e ninguém sabia o que era o mineroduto, só sabiam aquilo que a empresa falava”, afirma.

Unidade

Caravana é realizada no Morro do Jacá, comunidade de Paula Cândido, em 2016

Pires conta que a resistência mais intensa contra o empreendimento se concentrou nas cidades de Presidente Bernardes, Paula Cândido, Viçosa, Ervália e Coimbra. Em uma das ações de luta, as populações foram em caravana até o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e entregaram documentos de denúncia contra o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da empresa,  que afirmava que na região por onde o mineroduto iria passar havia apenas cinco nascentes. Com apoio de um geólogo da Universidade Federal de Viçosa (UFV) foi comprovado que em toda a região ao longo dos 400 km de extensão do empreendimento existem 30 nascentes. 

Na época, o MAM lançou uma campanha para unir campo e cidade. “A gente chamou de Campanha Pelas Águas contra o mineroduto da Ferrous. O nosso carro chefe era a água, que conecta o meio rural ao urbano”, lembra.

A  militante relata que a licença prévia que a empresa tinha teve seu prazo de apresentação de documentos para a emissão da licença de instalação no Ibama expirada em 2016. Por conta disso e da mobilização das comunidades, a mineradora desistiu do processo sob o argumento que o mercado não estava mais favorável para investimentos.

Da experiência de luta local, Pires argumenta que é necessário expandir as resistências contra o atual modelo de exploração de mineração. “Por isso nós estamos aqui hoje no MAM, no primeiro encontro nacional. Porque a gente acredita que somente com essa unidade e com a construção da força popular é que nós vamos superar esse modelo que não tem nada a oferecer para gente, a não ser rastro de miséria e destruição - tanto ambiental quanto social”.

O encontro está sendo realizado em Parauapebas no Pará, e reune cerca de 15 delegações de estados com militantes e lideranças de 100 municípios. O evento ocorre até esta segunda-feira (21).

Convergência de forças

Para Olga Lúcia Matos, coordenadora de projetos na Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), a atual conjuntura de “retrocesso nas políticas públicas, ameaças e perdas de direitos em todas as áreas” fez com que houvesse uma convergências de forças para ações de resistência de povos indígenas, comunidade quilombolas, camponeses, trabalhadores, mulheres, povo negro, atingidos por barragens e mineração. 

Ela pontua que "essa unidade, a busca das trocas, de convergências, a construção de espaços de diálogo para o fortalecimento da luta” não é exclusividade desse momento de golpe e pós-golpe. Para Matos, a resistência de povos indígenas e quilombolas são lutas históricas e no campo da mineração também há uma longa caminhada.

“Por mais que a humanidade conviva com a mineração desde os seus primórdios, o modelo de mineração implementado no Brasil precisa de alguma forma ser freado, da maneira que está não dá, não tem mais condição de continuar com toda a degradação que esse modelo que está sendo implementado vem provocando”, pontua.

Para além de frear o atual modelo, ela considera que é preciso reestruturá-lo para que não viole o modo de vida das populações e ao acesso a água, bem comum que na indústria da mineração é altamente consumido.

“A mineração ameaça o direito ao acesso à água não apenas em quantidade, mas também em qualidade. Para todo mundo, para todos os povos”, afirma.
 

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira