Em cima do muro

Novo livro de FHC requenta ideia de “terceira via” dos anos 90

Ex-presidente incorpora pautas como aborto e legalização das drogas pelo viés liberal

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Obra tenta formular caminhos para PSDB se distinguir da extrema-direita brasileira
Obra tenta formular caminhos para PSDB se distinguir da extrema-direita brasileira - Wilson Dias/Agência Brasil

Após sua implementação no Chile de Augusto Pinochet (1974-1990) e nos governos conservadores de Ronald Reagan (EUA, 1981-1989) e Margaret Thatcher (Reino Unido, 1979-1990), a agenda neoliberal de desestruturação do Estado tomou um curioso caminho: parte de seus principais defensores passaram a ser partidos social-democratas  - que, a princípio, defenderiam o papel estratégico do Estado para o bem estar social.

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Exemplos desse processo de mutação foram os partidos socialistas espanhol e francês. 

Os social-democratas convertidos apresentavam um discurso híbrido: os objetivos do Estado de Bem-Estar Social deveriam continuar a ser perseguidos, mas de outra forma, desta vez com uma maior presença do mercado. No âmbito das ciências sociais, passou-se a falar em “terceira via”. 

Se os maiores representantes globais desse processo foram o democrata Bill Clinton (EUA) e o trabalhista Tony Blair (Reino Unido), o Brasil não ficou devendo. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi o expoente teórico e prático da “terceira via”.

Em seu novo livro, “Crise e Reinvenção da Política no Brasil”, lançado em abril deste ano, FHC repete a fórmula noventista, desta vez incorporando pautas mais presentes no debate público, como legalização das drogas e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, incluindo o aborto.

Saem de cena o socialismo e o capitalismo keynesiano como contrapontos à “terceira via”. Entram a “velha esquerda estatizante” e o “chauvinismo autoritário da nova direita”, além do “fundamentalismo de mercado”.

Manifesto "efeagacista"

À primeira vista, surge a dúvida se FHC se coloca na velha direita ou na nova esquerda. Pode surpreender quem nunca o leu, mas Fernando Henrique se considera social-democrata, categoria na qual inclui PT, PSB, PPS e o próprio PSDB. Em sua visão, foi a incapacidade deste conjunto supostamente conexo de conviver no sistema político a causa da crise a que se refere o título da obra.

Como no resto do livro –em que predominantemente os avanços no Brasil são obra da democracia pós-88 e os erros fundamentalmente dos petistas– a gênese de todos os males teria se iniciado quando o PT apontou os tucanos como principais inimigos.

Quanto à aliança do PSDB com o PFL, que viria a desorientar ideologicamente o sistema partidário brasileiro, nenhuma análise. 

Mesmo identificando no campo petista a maior parte dos elementos subjetivos da crise política, FHC não se escusa de apresentar elementos estruturais. Neste assunto, se aproxima mais das explicações culturalistas do que dos diagnósticos que apontam a captura da democracia pelo poder econômico como fator determinante. 

A saída da crise, em sua visão, passa pela conformação de um “pólo democrático e popular” e “progressista”, formado por partidos e movimentos de renovação política e que incorpore bandeiras contemporâneas da agenda social. Tudo que não se viu nas campanhas do PSDB nos últimos anos, basta lembrar a retórica de José Serra quando candidato sobre a questão do aborto. 

“Crise e Reinvenção da Política no Brasil” é um manifesto que busca desenhar uma forma de diferenciar tucanos da nova extrema-direita brasileira. FHC não questiona se tal distinção ainda é possível após as últimas movimentações de seu partido, e demonstra uma esperança quase ingênua sobre a viabilidade do “neoliberalismo progressista”, na expressão de Nancy Fraser, quando o processo de globalização capitalista parece enfrentar cada vez mais resistências –à direita e à esquerda.

Edição: Diego Sartorato