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‘Projeto de Lei do cadastro positivo é caixa de pandora’, alerta Idec

Medida pode ter destaques votados nesta segunda (28) no plenário da Câmara Federal

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Criado em 2011, cadastro positivo mede nível de endividamento do consumidor e abre dados para entidades bancárias e varejistas
Criado em 2011, cadastro positivo mede nível de endividamento do consumidor e abre dados para entidades bancárias e varejistas - Marcos Santos/ USP Imagens

Uma proposta que tramita atualmente na Câmara dos Deputados pode fazer a festa de varejistas e bancos, mas deixar o consumidor brasileiro desprotegido. É o que afirmam os opositores do Projeto de Lei Parlamentar (PLP) 441/2017, que já teve o texto-base aprovado no plenário da Casa e pode ter os destaques (sugestões de alteração) votados nesta segunda-feira (28).

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Proveniente do Senado, a medida torna obrigatório o cadastro positivo, sistema que compila dados sobre o histórico dos consumidores no que se refere a hábitos de consumo e pagamentos. O cadastro registra as informações a partir de um sistema de pontuação que mede o nível de adimplência do consumidor, ou seja, mede a pontualidade no pagamento de contas. Atualmente, a adesão à plataforma é opcional.

Constam no sistema informações como pagamento de contas de água, luz e telefone fixo. Com a aprovação do projeto, o leque seria ampliado e incluiria, por exemplo, dados sobre pagamentos de telefone móvel.  

Empresas que administram essas informações, como Serasa e SPC Brasil, sustentam que o banco de dados é vantajoso porque, a depender da reputação do consumidor, ele teria acesso a juros mais baixos para fazer financiamentos – como de imóveis, veículos, etc. – e outras transações financeiras.

No entanto, o advogado Rafael Zanatta, do Programa de Direitos Digitais do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), aponta que não haveria comprovação dos benefícios do cadastro, que foi criado no país em 2011.

“Apenas 6 milhões de pessoas entraram, num universo de 120 milhões de adultos economicamente ativos, e as que entraram não viram muitos benefícios. As taxas de juros eram as mesmas e, se a pessoa não pagava uma conta em um mês, a pontuação dela despencava”, relata.

Zanatta aponta que, além do risco de o cadastro gerar uma discriminação entre os consumidores, a inclusão automática das pessoas na plataforma fere o direito à intimidade. Apesar de a Constituição Federal não fazer menção explícita à proteção de dados pessoais, o artigo 5º do texto aborda a proteção da vida privada e da dignidade da pessoa humana.

“O que os juristas de direito constitucional têm entendido, nos últimos vinte anos, é que nesse artigo se enquadra o direito constitucional à privacidade”, complementa o advogado.

Crédito difícil

Outro aspecto destacado pelo Idec é que o projeto prevê também o cruzamento de dados dos consumidores com as informações de parentes de primeiro grau, como pais e irmãos.

“É um sistema perverso, porque não necessariamente se meu pai pagou uma conta ou está com dificuldade econômica eu estou, mas serve pra que eu fique ligando [pra ele] pra falar ‘paga a conta aí porque minha nota [no cadastro] está baixando também’”, afirma.

Zanatta ressalta que o país não tem um órgão que fiscalize a atuação das empresas administradoras do cadastro. Diante disso, o consumidor ficaria vulnerável a problemas como um eventual registro de informações erradas no sistema.

Por conta dos riscos envolvidos nesse tipo de plataforma, o advogado acrescenta ainda que os Estados Unidos e a União Europeia têm debatido fortemente o tema. A prática de fazer sistemas de pontuação surgiu naquele país, na década de 1940, mas levantou diversos questionamentos com o tempo.

“O Brasil, em vez de fazer um debate sobre isso, está atendendo ao pedido das empresas. Isso é uma caixa de pandora pro futuro”, alerta.  

A medida alimenta uma grande polêmica também no Congresso Nacional. Deputados de partidos como PT, Psol, PCdoB e PSB apresentaram destaques a serem avaliados pelo plenário.

Os principais deles propõem a manutenção do cadastro como algo opcional para o consumidor. O Psol, por exemplo, aponta que o projeto seria uma espécie de autorização para a quebra do sigilo bancário dos consumidores por parte dos bancos e outras operadoras.  

“De fato, é isso que acontece. Essa medida só favorece os bancos, que vão ter acesso a um conjunto de informações pra dificultar o crédito à maioria dos brasileiros”, considera.

Ao todo, a Câmara dos Deputados deverá votar 11 destaques.

 

 

Edição: Juca Guimarães