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Jornalista Audálio Dantas, que enfrentou a ditadura, morre aos 88 anos

Ex-presidente da Fenaj, federação da categoria, ele criticava a atuação da mídia hegemônica que se aliou ao capital

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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O jornalista premiado pela atuação de defesa dos Direitos Humanos morreu aos 88 anos e lutava há três contra um câncer
O jornalista premiado pela atuação de defesa dos Direitos Humanos morreu aos 88 anos e lutava há três contra um câncer - Arquivo

O  corpo do jornalista, escritor, ex-deputado federal e ex-presidente do sindicato dos jornalistas de São Paulo, Audálio Dantas, será velado nesta quinta-feira (31), a partir das 11h, na sede da entidade, na rua Rego Freitas, 530, na região central da capital. 

Dantas esteve à frente do sindicato dos jornalistas nos anos 70, período de maior repressão da ditadura militar. Entre 1978 e 1983, foi deputado federal e grande opositor da ditadura. 

O jornalista recebeu, em 1981, um prêmio da ONU (Organização das Nações Unidas), por sua atuação na defesa dos Direitos Humanos. Audálio morreu aos 88 anos, na tarde de quarta-feira (30) e lutava desde 2015 contra um câncer que atingiu o fígado e o pulmão.

Em julho de 2017, o jornalista recebeu o troféu “Indignação-Coragem-Esperança”, uma homenagem por sua atuação histórica em defesa da imprensa sindical brasileira e da comunicação popular. O encontro, que também marcou a celebração de seus 85 anos, aconteceu na sala Vladmir Herzog, também na sede do sindicato dos jornalistas de São Paulo.  Na ocasião, Audálio falou com o Brasil de Fato. 

“Eu às vezes fico em dúvida se devo receber tanta homenagem, mas há algumas que me deixam realmente feliz. Essa é uma delas, inclusive porque está envolvendo os companheiros de trabalho, de luta. Isso para mim é muito importante”, contou Dantas em conversa com o Brasil de Fato poucos dias antes de receber o troféu.

O jornalista faz referência ao fato de a iniciativa da homenagem ter partido de entidades que pautam a luta do jornalismo como instrumento de defesa da democracia e pilar da transformação social, como a Oboré Projetos Especiais, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e a Agência Sindical. A elas, se somaram outras, como o Instituto Vladimir Herzog, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Centro Acadêmico Lupe Cotrim da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.

Com desenho original da cartunista Laerte Coutinho, também presente na homenagem, o troféu, simboliza a imagem de São Jorge, santo que representa a coragem e resistência ao opressor, em seu corcel branco, enfrentando o dragão. No entanto, o santo está na condição de repórter, com um gravador na cintura e um microfone no lugar da lança original.

Para a cartunista, a atuação de Audálio foi fundamental contra as violações cometidas pelo regime militar. “Ele é importante para a história do jornalismo brasileiro, por ser repórter investigativo minucioso e cuidadoso. Pra mim, ele se tornou o Audálio, na época do assassinato do Herzog, quando a condução dele à frente do sindicato foi decisiva junto com outras entidades e promoveu uma reviravolta na ditadura.”

O jornalista Juca Kfouri também participou da cerimônia de premiação neste sábado. “Todos nós somos gratos e o Brasil é grato por ele. O Audálio não é responsável só pelo começo do fim da ditadura no Brasil. Ele não é um jornalista que virou militante, o Audálio é um militante que é o jornalista que sempre foi e nos enche de orgulho. Poder dar um beijo nele ao completar 85 anos é um privilégio”, comentou em homenagem ao jornalista.

Defesa da democracia

Tendo passado por inúmeros veículos de comunicação, o alagoano dedicou sua atuação no jornalismo para a defesa da comunicação como um direito da sociedade. Audálio torna-se presidente do Sindicato dos Jornalistas em maio de 1975, em meio ao golpe militar, e atua como um dos principais responsáveis pela retomada do Sindicato como um órgão combativo e de oposição à violência estatal.

“Assumi um grupo comprometido com as lutas de resistência democrática. No meu caso, pessoalmente, acho que assumi aquela função exclusivamente porque tinha um objetivo: lutar contra a violência da ditadura militar. Foi isso que caracterizou a atuação do Sindicato”, comenta Audálio sobre o período. “Esse comprometimento foi o que levou à atuação do Sindicato não apenas no caso Herzog, mas também a reclamar contra a censura, a política salarial e a política que arrolhava os sindicatos de um modo geral.”

Em outubro do mesmo ano, Vladimir Herzog, então jornalista na TV Cultura e professor da USP, é assassinado por agentes da ditadura militar brasileira e tem as circunstâncias de sua morte forjadas. O Sindicato, que defendia rigorosamente todos os jornalistas que, naquela ocasião, foram atingidos pela violência da Ditadura, foi responsável por impulsionar as denúncias e manifestações contra a morte de um de seus colegas.

À frente da presidência do Sindicato e junto com os demais colegas de gestão, Audálio participou ativamente da construção do culto ecumênico na Praça da Sé, em São Paulo, em memória de Vladimir Herzog, morto uma semana antes. O culto contou com a participação de 8 mil pessoas, tornou-se a maior manifestação de massas ocorrida desde a implementação do Ato Institucional n°5 e foi um dos capítulos que anunciava o início da redemocratização do país.

Papel da imprensa

Para o jornalista, que, ao longo de seus 85 anos, atuou veementemente contra a censura e em defesa da liberdade de expressão, a atuação da mídia brasileira na atual conjuntura política nacional é “absolutamente condenável” e descumpre a ética de um jornalismo mantenedor do regime democrático.

“O que está ocorrendo, na grande maioria dos veículos de comunicação, é a negação do princípio da liberdade de imprensa e da informação que se deve prestar, por ser esse o direito da sociedade. O que está ocorrendo é uma negação desse direito. Muitas vezes, se omite a informação em defesa do interesse dos setores econômicos, financeiros, e esse não é o papel da imprensa”, comentou Audálio.

Ele também pontuou a importância de manter viva a memória. “É bom lembrar que a chamada ‘grande imprensa’ foi parceira da Ditadura Militar. Foi conivente com a violência, com a censura, prestou um enorme desserviço à causa democrática.”. 

O jornalista é autor de livros como Graciliano Ramos; O menino Lula; O Tempo de Reportagem: histórias que marcaram época jornalismo brasileiro; As duas guerras de Vlado Herzog: da perseguição nazista na Europa à morte sob tortura no Brasil, entre outros. 

 

Edição: Juca Guimarães