Prisão em 2ª Instância

Regra que permitiu prisão de Lula leva ao encarceramento de outros 14 mil em SP

Justiça do Estado acata entendimento do STF e antecipa cumprimento da pena antes do trânsito em julgado

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Entendimento do STF tende a inflar números da população carcerária do Brasil
Entendimento do STF tende a inflar números da população carcerária do Brasil - Foto: Thiago Gomes/Asscom SUSIPE

Desde 2016, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a execução da sentença pode começar logo após a condenação em segunda instância, mesmo que o acusado ainda possa recorrer do veredito, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) mandou para a cadeia quase 14 mil pessoas com base na nova jurisprudência. Os dados são da Defensoria Pública do Estado. 

A desembargadora paulista Kenarik Boujikian diz que o entendimento do STF que permitiu prisões após condenação em segunda instância provocou enormes distorções no direito. “O STF feriu violentamente a segurança jurídica e a integridade do direito ao diminuir o direito fundamental da presunção de inocência”, alerta.

Para a magistrada, o número divulgado pela Defensoria é somente o começo de um processo perigoso que pode deteriorar ainda mais as condições das prisões no Brasil. “O número é a ponta do iceberg, pois a cada dia mais e mais prisões ocorrerão e o sistema carcerário, que já é caótico, sofrerá mais, em prejuízo dos menos favorecidos”, afirma. 

A reversão da nova regra pode ocorrer com o julgamento pelo próprio STF de duas Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC) que questionam a antecipação do cumprimento da pena. A relatoria das ações está sob responsabilidade do ministro Marco Aurélio Mello.

No entanto, a presidente do colegiado, ministra Cármen Lúcia, tem argumentado que debater o assunto apenas dois anos depois de firmado o entendimento seria acatar um casuísmo, já que a medida beneficiaria diretamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso em Curitiba desde o dia 7 de abril.

Casuísmos

Segundo Cézar Britto, jurista e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o casuísmo estaria justamente em não colocar a tese para análise, devido a pressões externas de caráter político. “Não pautar esse processo por causa de uma pessoa, isso sim, seria pessoalizar a decisão do Supremo”, pondera.

Para Britto, trata-se de um assunto que incide sobre um dos mais caros e importantes princípios constitucionais, a presunção da inocência, e por isso a discussão no plenário do STF é urgente.

“Mais vale um culpado solto do que um inocente preso. Várias condenações têm sido modificadas pelas instâncias superiores, então não se pode permitir a prisão de alguém que pode ser considerado inocente. A inocência ou a culpabilidade só se dão com o trânsito em julgado”, pondera.

A opinião de Britto é compartilhada por um dos mais respeitados juristas do país, o constitucionalista e professor emérito da Universidade de São Paulo Dalmo Dallari. Para ele, é preciso pacificar o tema, que tem gerado controvérsias nos tribunais do país. 

“Enquanto houver um recurso possível, inclusive recurso extraordinário, a decisão não transitou em julgado. Então ela continua em aberto, ou seja, não é uma decisão definitiva. Por isso eu acho que é um exagero considerar definitiva uma decisão de segunda instância. Ela é mais uma instância, mas não é a última, necessariamente”.

O ministro Marco Aurélio já enviou as ADCs ao gabinete da presidente do STF e agora aguarda sua decisão de colocar ou não a matéria na pauta do tribunal.

Edição: Diego Sartorato