Resistência

Entidades de direitos humanos tentam garantir a segurança de assentamento no Pará

Lideranças da agricultura familiar, sob ameaça de morte há seis anos, encontraram covas no quintal de sua casa

Brasil de Fato | Belém (PA) |

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O casal Osvalinda e Daniel Pereira promovem o fortalecimento na agricultura familiar e a valorização da floresta em pé no assentamento
O casal Osvalinda e Daniel Pereira promovem o fortalecimento na agricultura familiar e a valorização da floresta em pé no assentamento - Foto: Lilo Clareto/Repórter Brasil

Uma comitiva composta por movimentos populares, organizações sociais e o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) irão, nesta quinta-feira (7), até o assentamento Areia, em Trairão (PA), para conversar com o casal de agricultores Osvalinda Maria Alves Pereira e Daniel Alves Pereira, que são alvo de ameaças de morte por parte de madeireiros e fazendeiros locais desde 2012.

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As entidades também realizarão reuniões com representantes do poder público para avaliar medidas que garantam a segurança dos assentados. As ameaças têm atingido também os projetos agroecológicos que eles desenvolvem com outros agricultores familiares.

A reportagem do Brasil de Fato registrou a última ameaça sofrida pelo casal --duas covas com cruzes foram abertas no quintal de sua casa no mês passado--, episódio que se soma a uma história de conflitos iniciados quando os fazendeiros locais começaram a se sentir ameaçados pelas práticas agroecológicas do assentamento, que atraem famílias para um regime de trabalho sem exploração e sem degradação ambiental, em contraste direto com as formas tradicionais de produção dos extrativistas e latifundiários locais.

Confira também, em vídeo da Campanha Linha de Frente, que conta a história das ameaças e da resistência dos agricultores:

Tratam-se de iniciativas que promovem o reflorestamento de áreas degradadas, produção de polpa de frutas, cultivo de horta orgânica, fabricação de repelente natural, corte e costura e marcenaria com madeiras caídas; tudo com base em princípios da agroecologia e da valorização da floresta em pé, projetos que fazem parte dos sonhos de Osvalinda e que hoje estão ameaçados por madeireiros e fazendeiros da região.

Daniel Pereira na produção de polpa de frutas cultivadas no lote do assentamento / Foto: Osvalinda Pereira

Um dos projetos do assentamento foi a criação da Associação de Mulheres do Areia II (AMA II). No início, haviam 52 associadas, mas o temor fez com que os maridos proibissem as esposas de continuar na associação. Atualmente, a AMA II conta com apenas 12 mulheres, mas Osvalinda não perde o ânimo.

“Não é fácil, mas eu tenho certeza que a gente vai conseguir vencer. A marcenaria de móveis artesanais vai funcionar, esse atelier de costura eu também vou conseguir um projeto que vai dar uma alavancada e essas mulheres vão começar a ganhar o dinheiro delas, e não vai mais precisar depender desses fazendeiros e madeireiros, esse é o meu sonho”, conta.

Os sonhos de Osvalinda

Projeto Floresta em Pé visa a produção de móveis de madeira em formato de animais da Amazônia, os agricultores tiveram formação com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) por meio das oficinas caboclas / Foto: Osvalinda Pereira

Outro projeto que o casal desenvolve no assentamento, chamado Cutia, é voltado à produção de repelentes naturais a partir do extrativismo de óleo de babaçu, andiroba e copaíba.

Já o projeto Floresta em Pé visa a confecção de móveis em madeira a partir de árvores caídas devido às intemperes do tempo ou que foram deixadas pelos madeireiros. Por causa das ameaças, ficou parado por dois anos, mas Osvalinda acredita que a marcenaria será reativada novamente.

Mesmo vivendo sob tensão permanente, o casal segue fortalecendo a agricultora familiar promovendo cursos entre os assentados.

“Cada encontro que a gente faz nessa rede de associações, eu e meu esposo damos um curso de capacitação. Mês passado aqui em casa fizemos sobre adubos caseiros e repelentes para insetos nas hortas. A gente tenta ajudar os agricultores da região de todas as maneiras, fazemos mudas e distribuímos, então nosso trabalho é incentivá-los a plantar e não destruir”, relata.

Para este ano há dois projetos que serão desenvolvidos no Areia. O Água Ciliares visa recuperar nascentes por meio de Sistemas Agroflorestais (SAFs) para melhorar a irrigação das plantações. O segundo projeto é o "Horta de Fundo de Quintal-Mulheres na Agricultura Familiar" e incentiva a autonomia e a geração de renda entre as agricultoras.

“Nosso sonho era conseguir fazer uma agroindústria porque nós temos cinco agricultores produzindo e tem muita produção de frutas, e tudo é perdido. A gente está lutando para ver se consegue fazer um projetinho com uma câmara fria, para a gente armazenar todo o nosso produto e também dos vizinhos, e aí teríamos uma renda maior”, diz.

Luta antiga

Esta não é a primeira vez que o casal enfrenta o poder de grupos econômicos. Osvalinda relata que antes de chegar no Pará viviam em Itanhangá, no Mato Grosso. Lá, trabalhavam com roça sem queima e plantios definitivos. A expansão do agronegócio atingiu o município e os grandes latifundiários começaram a comprar as terras dos pequenos agricultores: “Chegaram para comprar a nossa terra, mas não quisemos vender, ficou só nós no meio dos sojeiros [produtores de soja]”, lembra.

A pressão foi tanta que a família de Osvalinda se viu obrigada a finalmente vender a terra. Ela deixou as filhas com a irmã e saiu em busca de um “cantinho” com o esposo. “Nós viemos de moto até aqui no Pará, saindo do Mato Grosso, de Cuiabá, até o Trairão, eu e meu esposo. Encontramos esse cantinho que para nós era o melhor do mundo”. À época, Osvalinda havia retirado um rim há pouco tempo, e até hoje apresenta uma saúde frágil.

O lugar encontrado é a área que atualmente faz parte do Areia, criado pelo Incra em 1998. De acordo com o Organização não governamental Terra de Direitos, no final da década de 1990, na região do Oeste do Pará, foram criados assentamentos da reforma agrária que visavam atender o campesinato de fronteira, pequenos agricultores vindos de outros estados como Maranhão e estados do Sul.

Madeireiros

De acordo com Elmara Guimarães, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Itaituba, a região do assentamento apresenta “longo histórico de conflitos e mortes especialmente por exploração ilegal de madeira e reconcentração de lotes da reforma agrária” e completa:

“O projeto de assentamento se torna uma porta de entrada para quem faz a extração ilegal da madeira entre as unidades de conservação que são a Floresta Nacional do Trairão e a Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, do município de Altamira”.

Ainda segundo Elmara, só no Projeto de Assentamento Areia, além do casal, ainda há duas pessoas que estão no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do governo federal. Osvalinda e Daniel estão marcados de morte desde 2012.

Edição: Diego Sartorato