Crônica

Distrito mineiro nem percebe que é Copa

Família do interior de Minas viveu fim de semana alheio à estreia da seleção brasileira na Copa do Mundo

Brasil de Fato | Conceição de Mato Dentro (MG) |
No sítio Marimbondo, interior de Minas Gerais, a vida não está atrelada ao que passa na TV
No sítio Marimbondo, interior de Minas Gerais, a vida não está atrelada ao que passa na TV - Fotos: Nilmar Lage

O documentarista Nilmar Lage se hospedou na casa de José Cândido e Bezinha no distrito de Senhora do Socorro, no município de Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, e acompanhou a rotina da família no final de semana em que a seleção brasileira estreou na Copa do Mundo de 2018. A localidade é desprovida de serviço público de energia elétrica.

Confira o relato do documentarista sobre a visita ao sítio Marimbondo: 

Com mais de 300 anos de história, o município de Conceição do Mato Dentro passou a ter maior visibilidade no país a partir dos interesses do empresário Eike Batista e a instalação da mineradora Anglo American no início dos anos 2000.

Com cerca de 19 mil habitantes, a cidade, que mantinha os estereótipos do interior mineiro com suas belezas naturais e cidadãos acolhedores, de repente recebeu um contingente de mais de quatro mil trabalhadores, criando impactos socioambientais significativos na região.

No entanto, mesmo diante dessas transformações forçadas, existem pequenos distritos no entorno que guardam viveres e saberes distintos da acelerada contemporaneidade.

É o caso de Senhora do Socorro, distrito em que a energia elétrica não chega. Na barra da Estiva, no sítio Marimbondo, vive a família de José Cândido, de 78 anos, e dona Bezinha, de 82.

José Rodrigues da Silva (nome de batismo de José Cândido) é nascido e criado no terreiro onde mora. “Fiquei 10 meses em Ferros (MG), mas não aguentei”.

Como não têm energia elétrica, dependem de um gerador comprado há pouco mais de dois anos para, em raros momentos, recarregar o celular que comunica com os filhos que moram fora, acertar as visitas, repassar recados e marcar rodadas de truco. “Mas quando tem visitas eu ligo ele toda noite”, sorri José Cândido, que não esconde a felicidade de ter a casa iluminada e visita na sala.

Quando cheguei, no final da tarde de sábado (16), dona Bezinha (não adianta, ninguém a chama por Isabel) estava com a filha Aparecida socando urucum e foi logo perguntando se eu conhecia aquilo. Claro! Mas foi a primeira vez que vi ramo de batata doce.

As galinhas foram se recolhendo para o poleiro e, como prometido, o gerador iluminou a pequena casa de chão batido e de corações acolhedores.

Luzia Aparecida, a neta de 14 anos, logo me disse que não gosta da movimentação da cidade grande e que prefere aprender os afazeres do dia a dia da roça.

Os vizinhos são presença constante na casa. Quando Nenzito começava a se encorajar para ir embora, dona Fulô e José de Oliveira chegaram… e o bate papo continuou.

Mais tarde ficamos apenas eu, as duas filhas e a neta que visitavam o casal. A filha Aparecida traz o celular e pelo whatsapp começa a mostrar fotos e vídeos de família. Café, causos e risos fecham a noite.

Almoço de domingo e… truco!

Cedo cedo, no domingo (17), o dia a dia da vida simples foi se revelando: fogão a lenha aceso (quase nunca apaga), café, “trato para as criação”; ariar panela com cinzas e a limpeza do terreiro que receberia visitas.

A vassoura é confeccionada na hora e o feijão batido na mão, os amigos chegam para o almoço de domingo e a tarde começa a avançar.

“E o truco?” --Maria, outra filha de Bezinha e José Cândido, solta a provocação. Mesa posta e a alegria segue pela tarde. Torcida, gritos e comemorações contra a dupla derrotada. Segue o jogo.

As crianças brincam de bola, alguém chega com uma camisa 10 e até por volta das 16h essas eram as únicas lembranças do futebol no domingo; a TV que José Cândido ganhou no início do ano – e a primeira de sua vida, continuava desligada.

De repente alguém lembra do jogo. O gerador é ligado para alimentar a TV, que tinha duas pessoas na plateia: Nenzito e Luzia. Do lado de fora, o truco seguia animado.

Mesmo com poucos acesso à informação, José Cândido lembrou que esse ano tem eleição. Aos 78 anos, o voto é facultativo, e, para ele, se Lula não for candidato, nem vai votar. “Lula e Dilma é que foram bão, a economia melhorou e a gente pôde comprar as coisas”.

A segunda-feira chegou. Hora de despedir dessas pessoas incríveis, com senso de justiça e felicidade contagiante. A energia vibrante mascara totalmente a idade cronológica de José Cândido e Bezinha. São dois adolescentes se curtindo, se descobrindo e com a vida inteira pela frente.

Edição: Daniela Stefano e Diego Sartorato