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DIREITOS

Análise | Lei Menino Bernardo: a virada no enfrentamento à violência contra crianças

A lei de 2014 estabelece o direito da criança e do adolescente à educação e cuidados sem o uso de castigos físico

Rio de Janeiro (RJ) |
Quatro anos depois do assassinato de Bernardo, de 11 anos, os acusados do crime esperam o julgamento do caso, entre eles o pai do garoto
Quatro anos depois do assassinato de Bernardo, de 11 anos, os acusados do crime esperam o julgamento do caso, entre eles o pai do garoto - Divulgação

A Lei Menino Bernardo, promulgada em 26 de junho de 2014, alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, estabelecendo o direito da criança e do adolescente à educação e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.

A lei é fruto de uma articulação do governo com a sociedade civil, em especial com a Rede Não Bata, Eduque, para garantir esse direito e dar respostas às recomendações do Comitê dos Direitos da Criança. Tem como base os resultados do Estudo Mundial sobre a Violência contra Crianças da ONU, divulgado em 2006 e coordenado pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, com a participação de crianças, ministros, autoridades governamentais, parlamentares e representantes da sociedade civil de 132 países.

Desde a apresentação do Projeto de Lei 7.672/2010, em 14 de julho de 2010, apelidado de “Lei da Palmada”, a proposta causou muito debate, discussão, audiências públicas e resistência das bancadas mais conservadoras do Congresso. A partir de uma forte incidência da sociedade civil com o apoio de parlamentares sensíveis à defesa dos direitos da criança e do adolescente, o projeto de lei chegou ao Senado e ganhou o nome de “Menino Bernardo”, que após sanção ficou conhecida como Lei 13.010/2014 – Menino Bernardo.

O diferencial da Lei Menino Bernardo é que tem o viés preventivo e não punitivo. Tipifica o que são castigos físicos e tratamento cruel e degradante, apresenta uma série de medidas que poderiam ser adotadas para apoiar pais, responsáveis e educadores, como encaminhamento a programas de proteção à família, a tratamento psicológico ou psiquiátrico, a cursos e programas de orientação, encaminhamento da criança a tratamento especializado ou uma advertência.

Polêmica, a lei carrega alguns mitos que precisam ser esclarecidos. A Lei Menino Bernardo não prevê a prisão de qualquer pai, responsável ou educador; não diz como as pessoas devem educar seus filhos, diz somente que não devem ser utilizados castigos físicos e tratamento cruel e degradante.

Apesar da aprovação da lei Menino Bernardo, as instâncias governamentais ainda não estabeleceram estratégias de prevenção e apoio às famílias para a adoção de práticas não violentas de educação e cuidado. Portanto, em maio de 2017, o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, no III Ciclo de Revisão Periódica Universal (RPU) recomendou ao Brasil a implementação da Lei Menino Bernardo.

Desde 2007 a Rede Não Bata, Eduque mantém seu trabalho de incidência política para o estabelecimento de ações de apoio aos pais e responsáveis, ações de sensibilização e mobilização da sociedade civil, formação para conselheiros tutelares, profissionais da educação infantil, assistência social, e organizações da sociedade que atuam com famílias e participação infantojuvenil, com a disseminação de metodologia de rodas de diálogo e realização de concursos culturais.

Com o objetivo de promover uma ampla mobilização, a Rede Não Bata, Eduque lança hoje a campanha 26 de Junho – Dia Nacional pela Educação sem Violência. Nossa ideia é incluir a data no calendário social brasileiro para ampliar o número de organização, pessoas, autoridades, escolas, equipamentos de saúde e assistência social em ações de prevenção dos castigos físicos e psicológicos contra crianças e adolescentes, reconhecendo que essa é uma mudança cultural de médio a longo prazo.

Uma das estratégias que temos utilizado é a participação de crianças, adolescentes e jovens em todas as ações da Rede Não Bata, Eduque. Assim, as novas gerações terão conhecimento da lei e conhecerão estratégias educativas e de cuidado.

Outra questão que gostaríamos de destacar é que na Agenda 2030, as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis, para o alcance dos ODS 5 e ODS 16, estão profundamente conectados com a prevenção da violência contra crianças e adolescentes e a equidade de direitos entre meninas e meninas, fatores que podem despertar o interesse em organizações e governos, exigidos pelo alcance das metas.

Acreditamos que juntos poderemos construir um mundo melhor para nossas crianças e adolescentes, e essa construção começa quando, desde cedo, ensinamos a elas que é possível resolver conflitos e diferenças sem o uso de violência física e psicológica, onde são privilegiados o diálogo, o afeto e o respeito mútuo.

*Marcia Oliveira é Coordenadora da Campanha Não Bata, Eduque, com 25 anos de atuação na área de defesa dos direitos humanos de criança e adolescente.

Edição: Brasil de Fato RJ