Rio de Janeiro

SEGURANÇA PÚBLICA

Assassinato de Marcos Vinícius não é caso isolado

A morosidade da justiça para dar respostas aos crimes é o que mais indigna as famílias das vítimas.

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Velório e enterro do adolescente Marcos Vinícius da Silva.
Velório e enterro do adolescente Marcos Vinícius da Silva. - Fernando Frazão/Agência Brasil

“Com 29 anos o meu filho sai de casa para assistir o jogo do Flamengo e volta quatro meses depois sem uma perna e paraplégico.” A história do filho de Irone Santiago, ocorreu em 2015 durante a intervenção militar na Maré. Vitor Santiago, filho de Irone,  foi atingido por dois tiros de fuzil disparados por um cabo do Exército. Três anos depois, sete pessoas foram mortas durante uma operação da Polícia Civil e do Exército no Complexo  de Favelas da Maré, entre elas, o adolescente Marcos Vinícius, de 14 anos, que estava a caminho da escola quando foi atingido por um tiro. 

As histórias de Vitor e Marcos Vinícius não são isoladas. Em 2017, Maria Eduarda, de 13 anos, morreu após ser atingida por tiros no pátio da Escola Municipal Jornalista Daniel Piza, em Acari, na zona norte do Rio. Os efeitos colaterais da estratégia de segurança pública adotada pelo estado do Rio de Janeiro tem sido sentidos principalmente  pelos moradores das periferias. Um ranking elaborado pelo Observatório da Intervenção, organização independente que monitora as ações da intervenção federal militar no estado do Rio, aponta que  a Polícia Militar é a principal autora de violência e violações de direito. Em segundo lugar estão as “balas perdidas” e em terceiro as Forças Armadas. 

Para Virginia Berriel, que integra a Comissão Popular da Verdade, criada para monitorar as violações de direitos humanos ocorridas no âmbito da intervenção no estado, as forças de segurança perderam o controle de suas operações. Segundo ela, o que tem ocorrido nas favelas é um extermínio. Virginia  afirma que a última operação que ocorreu no Complexo da Maré foi uma das mais preocupantes e que a reunião com o interventor se mostra urgente diante do atual cenário de violações. 

"A nossa preocupação aumentou e estamos aguardando um pedido de audiência com o interventor. Em princípio faremos essa reunião no dia 2 ou 3 de julho. A gente vem solicitando isso desde que a Comissão foi criada, mas nós não tivemos a possibilidade desse encontro. Recorremos à Defensoria que é um órgão que tem muito mais presença na favela. Encaminhamos na reunião que fizemos lá que o defensor público possa chegar na favela no momento em que a operação esteja ocorrendo. Isso pelo menos intimida a ação das polícias”, afirma. 

A morosidade da justiça para dar respostas aos crimes causa indignação nas famílias das vítimas. Irone, que hoje tem um filho paraplégico, move uma ação judicial contra o Estado. A mobilizadora da ONG Redes da Maré relata que ainda hoje os autos de resistência, agora classificado como homicídio decorrente de intervenção policial, são uma das principais cau sas de mortes nas favelas. Irone destaca também a seletividade do judiciário para lidar com os processos criminais que responsabilizam o Estado. 

"A maior dificuldade que a gente enfrenta aqui é o nosso judiciário que é muito perverso. Existem processos que são arquivados porque ficam tanto tempo que ele perde a cor e as vezes o processo está na mesa do judiciário e não é resolvido. Ele está sentado em cima do processo dos nossos filhos isso é uma perversidade. Um juiz tinha que entrar na favela na hora que o caveirão entrasse. Ele tinha que estar no meio da rua e ver o que é um caveirão atirando, não só um voador mais um terrestre”, ressalta a moradora da Maré. 

A operação que ocorreu na última quarta-feira (20) na Maré foi chamada por coletivos que atuam dentro da Maré de “operação vingança”. Segundo os grupos que atuam em defesa dos direitos humanos na favela, a operação foi deflagrada para vingar a morte de um policial civil morto durante uma troca de tiros em Acari.  

Nas redes sociais a fala do delegado da Polícia Civil, Marcus Amim, que é comentarista de segurança do SBT Rio, dizendo “nós vamos entrar e derramar sangue” e “não adianta postar no facebook que tem criança baleada na favela”, foi reproduzida com indignação pelos moradores da Maré. A fala ocorreu  durante um de seus comentários no SBT Rio, ao se referir a um agente da Polícia Civil morto. 

O Brasil de Fato tentou contato com a direção do programa SBT Rio para comentar sobre o ocorrido, porém não obteve retorno. 

Ao longo desta semana uma série de manifestações para cobrar justiça pelas mortes na Maré estão ocorrendo no município do Rio de Janeiro. Nesta quinta-feira (28) está marcado o ato “As vidas nas favelas importam, parem de nos matar”,  na Cinelândia, no Centro, às 16h.  

Edição: Mariana Pitasse