Direitos

A esperança de famílias que lutam por moradia na periferia de João Pessoa (PB)

No bairro conhecido como Iraque, mais de 500 famílias vivem em ocupações urbanas.

João Pessoa |
As famílias vivem em casas de alvenaria ou em habitações improvisadas feitas de lona, madeira ou placas de ferro.
As famílias vivem em casas de alvenaria ou em habitações improvisadas feitas de lona, madeira ou placas de ferro. - Paula Adissi

Quinhentas famílias vivem há dois anos em duas ocupações urbanas no bairro Patrícia Thomaz, mais conhecido como Iraque, na periferia de João Pessoa. A Ocupação Sonho Verde tem mais de trezentas famílias, e a Ocupação Morada Nova mais de duzentas. Segundo as lideranças, todo dia chega mais gente. Entre casas de alvenaria e barracos improvisados de zinco, madeira ou placas, as famílias vão se organizando no território e lutando pelo direito de ter um teto.
“Estou aqui porque preciso de um lugar para chamar de meu, onde eu possa deitar a cabeça no travesseiro à noite e dormir sossegada. Aqui a gente tá lutando por morada”, relatou Juliene Nery, uma jovem liderança que mora há dois anos na ocupação. Por enquanto, ela mora com o filho e o marido em um barraco improvisado, mas nos conta com muito orgulho: “já ‘tô’ construindo minha casinha que, se Deus quiser, vou terminar”.

Acampamento Morada Nova reuni mais de 200 famílias

Dona Maria veio da área rural de Campina Grande para João Pessoa há pouco mais de dois anos. De início, ela morava de aluguel no mesmo bairro da ocupação. Porém, ficou difícil se manter e resolveu, junto com seu esposo, ir morar na ocupação. “A gente quer e precisa de uma moradia. Porque não é fácil você ter que pagar um aluguel; acordar e saber que é dia de pagar suas contas e não ter de onde tirar”, conta a moradora.
“Aqui todo mundo se ajuda. Aqui tem muita criança, tem muita mãe que passa necessidade. Já ajudei muitas vezes, como posso”, completa D. Maria. Ela mora com o marido e três filhos, sendo um de dezesseis, uma de doze e outra de onze.

Dona Maria (esquerda) e Juliene (direita) são moradoras da Ocupação Morada Nova.

Já Inslândia Medeiros veio do município de Patos junto com o marido, duas filhas pequenas e grávida da terceira. Mora em um barraco sem banheiro há nove meses. Ela nos conta que chegaram em João Pessoa procurando onde morar e encontraram a ocupação. Com um sorriso no rosto, ela revela seu desejo: “A gente fica aqui porque todo mundo é igual a gente, todos carentes, e é o jeito lutar pela moradia. Todo dia eu acordo com a certeza que vai dar certo, que um dia a gente vai ter a 'escriturinha' da casa da gente e vai ficar sossegado”.
 

Escolinha de Boneca

São muitas as histórias de luta e esperança que encontramos na ocupação Morada Nova, principalmente as contadas pelas mulheres. Adeilda da Silva, 51 anos, é mais uma delas. Conhecida pelo apelido Boneca, ela chegou na ocupação há um ano com dois netos, que são seus filhos de criação. Mora em um barraco feito de tábuas, lona e placas de ferro. Por ter uma doença grave, fez uma promessa de ajudar as crianças mais carentes. Há cinco meses ela montou dentro do seu barraco uma escolinha para vinte e cinco crianças de cinco a doze anos, que funciona com recursos da venda de pastéis feitos por ela.

Dona Boneca exibe com orgulho as atividades das crianças da sua escolinha.

"É tudo por minha conta, não peço nada a ninguém. Eles começam às duas horas da tarde e ‘vai’ até às cinco; só vão quando merendam. Tem criança que cuida dos irmãos mais novos, aí eu fiz uma salinha para os pequeninhos. A maioria nunca participou de uma escola. Os pais não têm tempo, não encontram vaga, ou é longe, aí ficam fora da escola. Tem muitos que chegam meio dia e dizem 'tia, eu não tenho o que comer', aí eu digo 'pois vocês fiquem aí que eu vou terminar o almoço e vocês comem também'", nos conta Dona Boneca. Apesar de analfabeta, ela remunera uma professora para ensinar as crianças e exibe com muito orgulho as atividades dos alunos de sua escolinha.

A área

Os terrenos onde moram essas famílias pertencem à Companhia Estadual de Habitação Popular (Cehap). Na área, existe uma placa informando que se trata de obra do Programa Minha Casa Minha Vida, que nunca foi iniciada. Segundo Gleyson Melo, do Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD), a obra nunca saiu do papel: “a primeira empresa que ganhou a licitação faliu e a segunda também”, afirmou o coordenador do movimento. “E agora, com o desmonte da política de habitação no Brasil a partir do governo Temer, ficou ainda mais difícil que o direito de moradia se concretize. Com esse governo, também veio o aprofundamento da pobreza, com desemprego e alta do custo de vida, o que fez com que as famílias buscassem alternativa de sobrevivência. O aumento do número de acampamentos e ocupações urbanas é fruto dessa realidade”, analisa Gleyson.

Falta de moradia

O déficit habitacional na Paraíba é de 111.895 residências, segundo pesquisa de 2012 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), última pesquisa nacional sobre o tema. Segundo esta, em João Pessoa, esse número é de 20,9 mil domicílios. Para Pedro Rossi, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil na Paraíba (IAB/PB), o cenário no estado é um modelo que se repete no Nordeste e no Brasil. “É um problema que reflete nossa desigualdade social”, analisa.
“O que a gente tem percebido muito nos últimos anos é que tem imóveis abandonados numa escala muito maior que 50, 30 anos atrás. Precisamos olhar para os imóveis abandonados e terrenos vazios, que não estão cumprindo com sua função social. A partir do momento que nós temos imóveis abandonados e temos gente querendo morar, a gente tem uma equação que precisa ser consertada”, aponta Rossi.
Enquanto o Estado Brasileiro e suas mais diferentes instâncias não solucionam o grave problema da moradia, mais e mais famílias buscam alternativas para a efetivação do direito de morar.

Edição: Heloisa de Sousa